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2. O contexto cultural de Porto Alegre (1851-1877)

2.1. Breve introdução sobre a formação de Porto Alegre

2.5.2. A criação da Companhia Ginásio Dramático Rio-

O início de 1857 foi marcado por inúmeros espetáculos de puro entretenimento. Houve a construção de um barracão para cavalinhos, localizado no fim da Rua do Rosário, que, apesar do aspecto desagradável e odor indesejado, conseguiu atrair os habitantes locais. Pouco tempo depois da feitura desse barracão, O Grande Circo Olímpico iniciou sua apresentações no Teatro Pedro II. Contando com números de equilibrismo, acrobacia e malabarismo, além de provas de equitação, a trupe comandada por Alexandre Luande conquistou o público e a imprensa, que prestigiaram os espetáculos, enaltecendo as qualidades de suas apresentações. Porém, O Grande Circo Olímpico findou sua temporada em agosto do mesmo ano, cedendo espaço do Teatro Pedro II para a recém-criada Companhia Ginásio Dramático Rio-grandense, sob direção de João Ferreira Bastos e inspirado no homônimo carioca.

Em março de 1855, havia sido fundado no Rio de Janeiro o Teatro Ginásio Dramático, um grande acontecimento para o teatro brasileiro na segunda metade do século XIX. Seu surgimento marca uma nova fase para o teatro realizado no país, pois a nova companhia, que tinha como inspiração o Théâtre Gymnase Dramatique, de Paris, trouxe ao público carioca um repertório dramático oriundo da comédia realista, preferencialmente a francesa, de autores como Alexander Dumas Filho, Émile Augier, Théodore Barrière e Octave Feuillet. Esse gênero dramático não tinha como intuito provocar o riso, e sim discutir os costumes da sociedade, sobretudo da burguesia, de uma maneira séria e moralizante. Os autores retratavam no palco situações sociais reais, para tal intento construíam cenas e diálogos que expressavam o máximo de

naturalidade. Não haveria espaço para elementos do baixo-cômico ou situações violentas. Seus autores utilizariam uma maneira mais sofisticada de provocar a comicidade, como o chiste e a ironia(FARIA, 2003, p. 159).

Logo, houve um entusiasmo do público e da intelectualidade carioca, que passaram a frequentar assiduamente o Teatro Ginásio Dramático. Seu repertório “não era apenas a última novidade dos palcos parisienses que aqui chegava, mas [contava com] um tipo de peça que podia ter um enorme alcance social, no sentido de educar a plateia” (FARIA, 2001, p. 87). Tornou-se o Ginásio Dramático, assim, um espaço para encenações de um gênero teatral cuja função de transmitir bons valores estava acima do puro entretenimento.

Em julho de 1856, o português Furtado Coelho94 assume a direção do Ginásio Dramático do Rio de Janeiro, substituindo o ensaiador francês Emílio Doux, que havia sido contratado por João Caetano para trabalhar no Teatro São João. Realizando expressivas encenações como A última carta, de A. César de Lacerda, A

crise, de Octave Fenille, A joconda, de Paulo Foucher, e O duende, de D. Luis Olona,

todas traduzidas pelo próprio artista. Furtado Coelho obtém o elogio de críticos como Quintino Bocaiúva e recebe o convite de João Ferreira Bastos para compor a companhia de Porto Alegre. Furtado Coelho, que já havia conquistado certa notoriedade como ensaiador em terras cariocas, iniciara sua bem-sucedida carreira de ator integrando o Ginásio Dramático Rio-grandense ao lado de Gabriela da Cunha95, em solo gaúcho. Na biografia de Furtado Coelho que escreveu em 1863, Francisco Antonio Filgueiras Sobrinho registra a recepção do artista português em Porto Alegre:

Em agosto de 1857 estreava o distinto no teatro de Porto Alegre, no papel de Rafael Didier das Mulheres de Mármore. Os Rio-Grandenses, público

94 Luís Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado Coelho (1831-1900) nasceu em Lisboa e pertenceu a uma

família com importantes nomes vinculados à carreira militar. Por conta disso, seu pai, João Pedro Coelho, o matriculou na Escola Politécnica de Lisboa para estudar Engenharia; porém, por conta da Revolução da Maria da Fonte, Furtado Coelho foi obrigado a abandonar os estudos e se empregar como amanuense da Secretaria do Estado dos Negócios da Guerra. Sua predileção pelo teatro, contudo, mostrou-se mais forte que os desígnios de sua família e em 1851 agregou-se a uma associação dramática particular da cidade de Viana do Minho, interpretando o papel do protagonista da peça Pajem d’Aljubarrota, de Mendes Leal. Logo depois, Furtado Coelho promove um espetáculo-concerto, no teatro de D. Fernando, em benefício de uma família necessitada; para tanto, pede a ajuda de alguns amigos artistas e da Companhia Dramática Francesa. Seu avô, o Tenente-General Eusébio Candido Cordeiro Pinheiro Furtado de Mendonça, preocupado com a vocação artística do neto, resolve mandá-lo ao Brasil para seguir carreira no comércio. Em consequência, o artista desembarca no Rio de Janeiro, em março de 1856, e aqui efetiva-se como um dos maiores artistas do teatro brasileiro oitocentista.

95 Gabriela da Cunha nasceu na cidade do Porto, em 1821, era filha da atriz e escritora portuguesa

Gertrudes Angélica da Cunha, e desembarcou no Rio de Janeiro, junto com a mãe, em 1834. Atuou em várias companhias, dentre elas as do Teatro São João e Ginásio Dramático. Faleceu na Bahia, em 1882.

inteligente e entusiasta, mais de uma de uma vez sentiram-se arrebatados por seu talento, e aplaudiram e vitoriaram, como deviam, os primeiros passos e sinceros esforços de uma verdadeira e extraordinária vocação. Rapidamente, eis que de dia em dia o seu talento se desenvolve e se avigora; com o frenesi de uma paixão insaciável, procura no mais aturado estudo descobrir seus erros, e corrigi-los; busca perscrutar os segredos misteriosos e as belezas supremas da sua difícil arte, e pô-los em prática. Nestas lucubrações gloriosas, animado por um público que, desde a sua estreia, cada vez mais coroava seus esforços, e recompensava em aplausos constantes o brilhante desenvolvimento de sua vocação, em breve graneando um nome, e alcançando para ele uma reputação nos três teatros de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande (SOBRINHO, 1863, p. 25).

Como denotam as palavras de Antonio Filgueiras, o talento de Furtado Coelho provocou grande impacto sobre a cena teatral gaúcha. Tanto que, apesar do pouco tempo em que ficou na província (cerca de um ano), o artista português recebeu inúmeros elogios dos críticos porto-alegrenses.

A outra atriz de renome que integrava o elenco, como já dito, era Gabriela da Cunha. Figura conhecida nos palcos do Rio de Janeiro desde a década de quarenta, pertenceu a companhias teatrais que atuaram no Teatro São João e no Ginásio Dramático, este último logo no mês seguinte a sua inauguração:

Primeira atriz do Ginásio durante anos, Gabriela da Cunha foi, na nomenclatura da época, uma extraordinária “dama galã”, isto é, uma atriz com todos os requisitos necessários para interpretar as heroínas das comédias realistas, francesas ou brasileiras. Voz e gesto sempre adequados aos papéis vividos em cena, sabia comover sem exagerar, dando ao estilo realista de interpretação teatral a sua versão feminina mais bem-realizada, segundo Machado e os folhetinistas da época (FARIA, 2008, p. 49).

Sempre no papel das heroínas do gênero realista, Gabriela com seu estilo de interpretação natural, dando o tom necessário para transmitir as emoções, provocava um verdadeiro deleite no público. Tanto que Machado de Assis tornou-se um grande admirador da atriz, a quem teceu enormes elogios em suas críticas. Um dos papéis nos quais mais se destacou foi o de Margarida em A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho. Sua atuação nesse papel era primorosa, como afirma Machado em sua crítica publicada na seção “Revistas de Teatros”, do periódico O Espelho, de 08 de janeiro de 1860:

Confesso, não me cansa nunca esse magnífico drama. Mas não me cansa com essa Margarida Gautier que a Sra. D. Gabriela nos sabe dar; frívola ao princípio, depois sentimental, depois apaixonada, resignada enfim no alto de seu amor, tendo percorrido a escala gradual desse sentimento lustral que a lava da culpa e lhe ergue uma coroa de flores em sua sepultura tísica. Com essa Margarida pálida e arquejando do quarto ato, desvairada com a afronta de Armando, procurando colher e adivinhar suas palavras, e curvando-se pouco a pouco à proporção que elas lhe caem dos lábios, até o grito final,

expressão sintética de um despedaçar interno de ilusões e da vida. Com essa Margarida abatida e prostrada, que morre quando parecia voltar à vida, com o riso nos lábios e a mocidade na fronte (FARIA, 2008, p. 214).

As peças de teatro alinhadas ao gênero realista possuíam uma tendência moralizante e uma ação mais densa, exigindo um estilo de interpretação mais contido, em que os gestos fossem mais naturais. Por isso, Gabriela da Cunha tornou-se referência de interpretação, tendo conquistado importantes admiradores, tais como Machado de Assis, que em suas críticas teatrais enfatizava a postura corporal da atriz que transmitia “verdade”, deixando sua interpretação mais próxima à realidade.

Escritores e críticos como Machado de Assis, Quintino Bocaiúva, Joaquim Manuel de Macedo e José de Alencar, defenderam em seus textos a supremacia do gênero realista. Os espetáculos realistas possuíam espaço para a discussão de valores morais adequados para o bem-estar da sociedade. Os heróis dessas peças eram personagens com uma postura íntegra, que não se corrompiam pelos vícios ou pelas paixões. Personagens que desobedeciam às regras sociais, cometendo adultério ou assassinato, ao final, eram regenerados ou expulsos do convívio dos demais.

O repertório da Companhia Ginásio Dramático Rio-grandense estava alinhado ao que era produzido pelo Ginásio Dramático, no Rio de Janeiro e no Théâtre Gymnase Dramatique, de Paris. O público da capital gaúcha poderia ter acesso a peças e atores que transitavam entre a corte e a Europa, relacionando-se com um modelo artístico bem conceituado pelos grandes nomes do teatro do período.

2.5.3. A turnê da Companhia Ginásio Dramático Rio-Grandense na