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2. O contexto cultural de Porto Alegre (1851-1877)

2.1. Breve introdução sobre a formação de Porto Alegre

2.5.4. Entre espetáculos de mágica, circo, música e teatro

Nos anos finais de 1850, ocorreram inúmeros espetáculos de prestidigitação do porto-alegrense Firmino Gomes de Abreu. Apresentando-se no recém-inaugurado

Teatro São Pedro, Firmino Gomes de Abreu, apesar de ser um artista local, não agradou

ao público (DAMASCENO, 1956, p. 58). Após os espetáculos de prestidigitação, a capital que contava com dois teatros, passou um longo período sem a apresentação de espetáculos de qualquer natureza. O ano de 1859 foi marcado por um hiato cultural sem explicação prévia.

As atividades artísticas retornam à cidade em 1860. No Teatro São Pedro ocorreram as apresentações líricas de José Gertrum, D. Teresina Bayetti e Aquiles Arnaud, este último acompanhado dos cantores Rondelli, Ruplin e Cruville. Encenaram, entre outros números, trechos das óperas A Sonambula, de Vincenzo

99 Em Os Homens de Mármore (1854), a personagem de Beatriz terá que casar com um rico parente

distante para ajudar seu pai, Dr. Luiz Coutinho, para se livrar de uma dívida. Contudo, a jovem cede aos instintos da paixão e foge com o caçador de dotes, Estevão de Mora. Ignez, irmã caçula de Beatriz, enamora-se pelo pintor Fernando de Lima, mas não passa por cima das convenções sociais como a irmã. Beatriz é devolvida à família pelo pretendente, quando este descobre que a moça não possuía um dote. Dr. Luiz Coutinho perdoa a filha mais velha e a manda ao convento para recuperar sua dignidade. Já Ignez recebe uma herança de um parente distante e oferece o dinheiro ao pai para que possa pagar a dívida. O Dr. Luiz Coutinho abençoa o matrimônio de Ignez e Fernando, enaltecendo o sentimento de amor puro dos jovens.

Bellini, O Barbeiro de Sevilha, de Gioachino Rossini, Lucrécia Borgia e Linda de

Chamounix, ambas de Gaetano Donizetti ( DAMASCENO, 1956, p. 60).

A Companhia Dramática do ator Manoel Joaquim de Oliveira Bastos, em 1861, encenou no Teatro São Pedro um repertório dramático que agradou ao público. Mesclando peças sérias e cômicas em seu repertório, a companhia contou com um grande número de espectadores em suas apresentações e despertou a irritação de alguns críticos locais:

A burletinha intitulada O Dr. José do Capote Assistindo a ópera O Trovador – divertida paródia do Trovador, escrita e musicada por Paulo Midosi Filho, causou sensação na cidade e lotou literalmente o teatro.

Aproveitando esse êxito, o cronista d’ A Ordem volta a alfinetar o gosto vulgar da plateia do São Pedro, dizendo que “o público porto-alegrense, como já tivera oportunidade de salientar, tinha uma queda irresistível para as palhaçadas.” E que, “apesar de haver aplaudido a Companhia no que ela apresentava de melhor em seu repertório, não deixando de arrebatar-se ao auge, festejando uma chinfrinada secundária como era o tal de Zé do Capote” (DAMASCENO, 1956, p. 83).

Segundo o jornalista do periódico A Ordem100, o público do Teatro São Pedro mostrava grande entusiasmo pelos espetáculos cômicos e alegres, de puro entretenimento. A predileção dos espectadores porto-alegrenses por encenações que abusavam dos quiproquós e das pancadarias, com números de música e dança, era algo questionado pelos críticos. Para os jornalistas, de maneira geral, era nocivo o entusiasmo dos espectadores pelos espetáculos alegres ao invés do teatro sério. Havia menos envolvimento da plateia com os espetáculos do gênero realista, que era defendido pela crítica por se preocupar em instruir o público, discutindo e apontando aspectos morais importantes para o bom andamento da sociedade. Os gêneros alegres, ao contrário, enfatizavam o puro entretenimento, em que sobressaíam aspectos do baixo-cômico e efeitos cênicos que provocavam surpresa ou estranheza. Como a burletinha, citada na crítica, que era um espetáculo cômico, com um enredo bem concatenado, entremeado de canções e números de dança.

Os habitantes locais se entusiasmaram também com O Grande Circo Nova York e seus números de equitação, equilibrismo, contorcionismo, acrobacia e pantomimas, lotando as apresentações que ocorriam no barracão da Rua Jerônimo Coelho. O sucesso desses espetáculos foi apontado pelo cronista de A Ordem, como

100 O jornal A Ordem “era constituído de muitos moços porto-alegrenses e tinha em sua direção Antônio

José Perereira Júnior, José Manoel de Leão, Franklin dos Santos Praia, Manoel Carlos Torres e Ernesto Cândido Gomes, foi recebida com aplausos gerais. E, saindo à rua pela primeira vez a 7 de dezembro deste ano, é calidamente festejada pelo povo” (FERREIRA, 1956, p. 83).

uma incapacidade do público em entender o sentido da “verdadeira arte” (DAMASCENO, 1956, p. 82). Em 1862, logo nos meses iniciais, houve apenas o espetáculo musical dos irmãos Tafurelli e outros cantores. Depois, novamente, Porto Alegre sofreu uma interrupção das atividades artísticas e nenhum grande espetáculo foi representado nesse ano.

Em meio ao hiato cultural da cidade, José Joaquim sofreu a cisão de sua persona, transformando-se em Qorpo-Santo. Naquele momento, José Joaquim de Campos Leão concebeu uma transformação psíquica em seu ser, que o tornou um homem dotado de habilidades especiais, cujo corpo poderia ser habitado por diversas almas. Passou de homem comum a homem santo, “incorporando” a alcunha de Qorpo- Santo ao próprio nome. Afastou-se em definitivo de suas atribuições como professor, por conta de seus desajustes mentais, como bem afirma o relatório do governo, e travou uma série de desentendimentos com a família. Essa nova condição modificou sua relação com os familiares e com os habitantes de Porto Alegre, de modo que passaram a enxergá-lo como um sujeito excêntrico, de ideias disparatadas.