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CAPÍTULO 1 – UMA HISTÓRIA DE INSTABILIDADE POLÍTICA

1.8 A crise de 2004 e a nova intervenção da ONU (2004-2008)

Esforços internacionais para encontrar uma solução política continuaram em janeiro de 2004. Com a ajuda dos EUA e outros apoios internacionais, os líderes da Comunidade do Caribe (CARICOM) propuseram um plano durante uma reunião, em Bahamas, com o governo e a oposição. Aristide aceitou a proposta em 31 de janeiro, mas ela foi rejeitada pela Plataforma Democrática, em aliança com a Convergência Democrática e o G-184, que juntos exigiam a saída de Aristide desde os episódios violentos de 5 de dezembro.

A situação de segurança mudou dramaticamente no início de fevereiro, começando em Gonaives. A Front de Résistance de l'Artibonite pour le Renversement de Jean-Bertrand Aristide tomou controle da cidade em 5 de fevereiro, forçando a polícia a retrair e, por conta disso, assumiu o controle da estrada de Porto Príncipe para o norte. Uma tentativa mal sucedida da PNH para retomar a cidade em 6 de fevereiro resultou em diversas mortes, incluindo vários policiais cujos corpos foram mutilados pela população. Uma semana depois, funcionários do governo disseram que houve pelo menos 40 pessoas mortas.

Nos dias seguintes, em pelo menos doze localidades houve violência por parte de grupos pró e antigoverno. Um dos incidentes mais sérios foi em St. Marc. Depois de conflitos entre grupos armados pró-oposição e a polícia, auxiliada por grupos armados pró-governo, estes últimos retomaram o controle da cidade. Em 9 e 10 de fevereiro, depois de uma visita do primeiro ministro Yvon Neptune, mais ou menos 20 pessoas ligadas a grupos de oposição foram assassinadas pelas forças pró-Lavalas apoiadas pela polícia. Em outras localidades, a maioria nos Departamentos de Artibonite, Norte, Centro e Oeste, toda polícia abandonou seus postos. Algumas delegacias de polícia foram pilhadas e incendiadas.

Guy Philippe, um ex-superintendente de polícia que fugira para a República Dominicana em 2000, depois de ter sido acusado de conspiração golpista, e Louis Chamblain,

um ex-líder de uma organização paramilitar violenta – a Front Révolutionnaire pour l'Avancement et le Progrès d'Haiti (FRAPH) – viajaram clandestinamente da República Dominicana para Gonaives e anunciaram, em 15 de fevereiro, que eles se juntariam à revolta armada da Front de Résistance. Philippe foi aceito como líder.

Enquanto isso, muitos ex-militares se reuniram na localidade de Pérnal. Ainda que os grupos que cruzaram a fronteira da República Dominicana para o Haiti fossem menores, os ex-militares aceitaram que Philippe e Chamblain assumissem o comando. Os diversos grupos armados rapidamente tomaram o controle de muitas cidades, a maioria enfrentando pouca resistência da polícia. Em algumas, os insurgentes foram entusiasticamente recebidos por multidões celebrando a saída da polícia e dos chiméres.

Uma delegação internacional de alto nível chegou a Porto Príncipe em 21 de fevereiro, chefiada pelo Ministro das Relações Exteriores das Bahamas e incluindo o Vice-Ministro das Relações Exteriores da Jamaica, um assessor do Secretário de Estado dos EUA e o Ministro do Canadá para os francofones. O propósito era conseguir que o governo e a oposição aceitassem uma agenda para a implementação de uma versão revisada do plano de janeiro do CARICOM, que levasse ao compartilhamento do poder e à escolha de um novo primeiro ministro ligado à oposição. Aristide aceitou, mas a Plataforma Democrática rejeitou o plano, afirmando que concordar com qualquer coisa que não incluísse a saída de Aristide seria uma traição às suas bases políticas.

Cap-Haitien, a segunda maior cidade do Haiti, foi tomada pela insurgência, em 22 de fevereiro, com pouca resistência. A PNH geralmente fugia quando os rebeldes se aproximavam, não somente porque estivessem em minoria, mas porque estavam enfraquecidos pela corrupção e por anos de politização.

Os rebeldes receberam apoio financeiro de homens de negócios de Cap-Haitien e da capital. A Plataforma Democrática estava dominada pelo ódio a Aristide e pareceu ver na revolta armada e seus métodos inconstitucionais um mal menor.

Declarações incitando Aristide a resolver a situação – interpretadas como pedidos de renúncia – foram feitas pelos EUA e, mais explicitamente, pela França. Julgava-se que sua partida evitaria um banho de sangue, já que as forças rebeldes controlavam metade do país e pareciam estar a ponto de entrar na capital.

Em 25 de fevereiro, partidários armados de Aristide começaram a colocar barricadas nas ruas de Porto Príncipe e atacar pessoas. Em 26 de fevereiro de 2004, o Conselho Permanente da OEA requisitou ao Conselho de Segurança da ONU para que ele tomasse

―todas as medidas necessárias para enfrentar a deteriorante situação no Haiti‖.46

Na mesma data, o presidente do Conselho de Segurança declarou que ―o Conselho iria considerar urgentemente as opções para o engajamento internacional, incluindo o envio de uma força de paz internacional em apoio a um acordo político”.47

No entanto, o Conselho não autorizou uma requisição do CARICOM para o envio de tropas para pôr fim à espiral de violência.

Nas primeiras horas de 29 de fevereiro, Aristide assinou uma carta de renúncia e deixou o país num avião americano fretado em direção à República Centro Africana. O Presidente da Suprema Corte Boniface Alexandre tomou posse como presidente interino, de acordo com a constituição haitiana.

Ao chegar à República Centro Africana, Aristide alegou que tinha sido sequestrado pelos militares americanos e que tinha sido vítima de um golpe. Essa alegação, veementemente negada pelos EUA, gerou controvérsias. O CARICOM declarou que tinha a intenção de pedir uma investigação da ONU, mas o Secretário Geral Koffi Annan disse acreditar que a constituição tivesse sido respeitada. O Ministro das Relações Exteriores da França rejeitou a alegação de Aristide de que ele ainda seria o presidente eleito democraticamente.

Horas depois de Boniface Alexandre tomar posse, o Representante Permanente do Haiti na ONU submeteu um pedido de assistência, incluindo tropas internacionais. Em resposta, o Conselho de Segurança autorizou o desdobramento imediato de uma Força Multinacional Interina (MIF) por três meses.48 A força multinacional, liderada pelos EUA e também constituída por tropas do Canadá, Chile e França, recebeu um mandato do Capítulo VII para apoiar a PNH para ―estabelecer e manter a segurança pública, a lei e a ordem e promover e proteger os direitos humanos”, além de “tomar todas as medidas necessárias para cumprir seu mandato”.49

A partir de 1º de junho de 2004, com a Resolução 1542 do Conselho de Segurança da ONU, a Força Multinacional Interina foi substituída pela Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH), que continua desdobrada naquele país caribenho até os dias de hoje.

46

Resolução 862 do Conselho Permanente da OEA.

47 Discurso do Presidente do Conselho de Segurança da ONU, S/PRST/2004/04. 48

Resolução 1529 do Conselho de Segurança da ONU, 29 de fevereiro de 2004.