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A crise no serviço de Ater e a reforma do Aparelho do Estado

2. A TRAJETÓRIA DO SERVIÇO DE EXTENSÃO RURAL: DOS

2.3 A TRANSIÇÃO DA CENTRALIZAÇÃO À COORDENAÇÃO DOS

2.3.2 A crise no serviço de Ater e a reforma do Aparelho do Estado

Cabe uma pequena síntese antes de ingressar-se propriamente nos anos de 1990. As políticas públicas no meio rural que são trazidas com iniciativas setoriais, territoriais e regionais em função do desenvolvimento rural, cuja transposição ensaística de pacotes tecnológicos nos anos de 1970, 1980 e parte de 1990 deixavam à margem os agricultores da escala de produção prevista no sistema agrícola brasileiro (FAVARETO; DEMARCO, 2004). Os autores trazem a contextualização histórica temporal dessas iniciativas:

[...] os anos 70 tiveram como principal marca a massificação das políticas e processos sociais desencadeados com a chamada modernização conservadora (privilégio à grande propriedade, tecnificação e mecanização das lavouras, grande oferta de crédito); os anos 80, por sua vez, trouxeram uma crise desse mesmo modelo e que se materializou nos custos sociais, ambientais, e na inviabilidade do padrão de financiamento anterior; os anos 90, no rastro da crise, foram os anos de ascensão da agricultura familiar como segmento reconhecido socialmente e alvo de políticas específicas até então inéditas e, associado a isso, foi o período em que se consolidou a idéia de que o envolvimento dos agentes influencia positivamente a boa aplicação de recursos públicos (FAVARETO; DEMARCO, 2004, p. 135-136).

De acordo com a argumentação dos autores sobre os “anos 90”, nessa década há o desmantelamento do serviço público de extensão rural. Há a extinção da Embrater, cuja competência era coordenar o serviço no país. Com isso, o país fica “sem política de Ater, sem uma oferta efetiva de participação federal na oferta de serviços de Ater, quer no que diz respeito ao orçamento da União, quer do ponto de vista da orientação para a ação” (CAPORAL, 2014, p.26)25. Passa-se a responsabilidade da extensão rural aos governos estaduais, municipais e organizações não governamentais (ONGs) (DIAS, 2007).

A extinção da Embrater, para Caporal,

[...] foi determinado por exigências dos organismos financeiros internacionais, ao impor os pacotes de ajustes estruturais que determinava a diminuição do Estado e exigia cortes em gastos em setores que não afetassem demasiadamente os problemas sociais. E, a empresa nacional de extensão se enquadrava em tal categoria, uma vez que não exercia atividades de execução direta de serviços junto aos agricultores e famílias rurais, senão que formava parte do nível superior da administração federal (CAPORAL, 1998, p. 311-12).26

Durante o Governo Itamar Franco, houve várias alterações com implicações na Ater. Em 1992, os serviços de Ater ficam a cargo do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária (MARA); em 1993, a Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) retira a competência da Embrapa e transfere à coordenação ao Sibrater; em 1994, no Governo Itamar, é criado o Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (Dater), com poucos recursos e pouco prestígio no então Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma agrária (MAARA).

25 Conforme Peixoto (2010) a Embrapa além de assumir o acervo da Embrater, cria a Secretaria de Assistência Técnica e Extensão Rural (SER/Embrapa).

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fue determinado por las exigencias de los organismos financieros internacionales, alimponer los paquetes de ajuste estructural que determinaban la disminución del tamaño delEstado y que exigían cortes en los gastos en sectores que no afectasen demasiadamente a losproblemas sociales. Y, la empresa nacional de extensión se encuadraba en tal categoría, unavez que no ejercía actividades de ejecución directa de servicios junto a los agricultores y familiasrurales, sino que formaba parte del nivel superior de la administración federal.

Nesse cenário, o percurso retraçado capta as inquietações:

Assim, apesar da manutenção oficial, do Sibrater nas instâncias governamentais, em verdade a década de 1990 foi marcado pela intensa mobilização do Terceiro Setor prestador de serviços de Ater no Brasil, uma vez que o Estado passou a reconhecer que cabia iniciativa privada a organização de serviços considerados não-essenciais. Portanto, os serviços públicos federais de Ater foram, na prática, extintos a partir do desmonte da Embrater (BERGAMASCO, et al., 2017, p. 329)

A extensão rural é absorvida pela tendência reformista do Estado, provocando uma crise no sistema, o Estado compensa com “políticas humanísticas”:

Como se supunha, o mesmo Estado que causou o enfraquecimento do aparelho de extensão, seguindo o modelo que se tornou moda em outros países, ele passou a financiar programas assistência técnica especial, para atender às necessidades de setores específicos população rural, não sendo mais exercida exclusivamente por empresas públicas. Este é o caso, por exemplo, dos projetos Contacap e do projeto Lumiar, ambos patrocinados pela Incra - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, destinado a prestar assistência técnica aos agricultores residentes nos novos assentamentos promovidos por esta entidade (CAPORAL, 1998, p. 315- 316)27.

A proposta de política agrária do Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) reconhecia a urgência de atendimento às demandas sociais, principalmente os conflitos no campo28, propondo alterações legislativas, com fim de acelerar a implementação da reforma agrária no país, como o aumento do Imposto Territorial Rural (ITR), o rito sumário em processos de desapropriação, critérios de avaliação das terras desapropriadas, programas de aumento de crédito aos assentados – Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera) e Programa Nacional de Fortalecimento dos Agricultores Familiares (Pronaf).

No ano de 1997, rearticula-se a União Democrática Ruralista (UDR) como entidade representante dos proprietários rurais. Surgem, também, milícias organizadas por fazendeiros com a função de enfrentamento ao movimento de ocupações e invasões de terras, milícias

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Como se suponía, el mismo Estado que causó la debilitación del aparato de extensión, siguiendo el modelo que se puso de moda en otros países, pasó a financiar programas especiales de asistencia técnica, para atender necesidades de sectores específicos de la población rural, ya no realizados exclusivamente por las empresas públicas. Es el caso, por ejemplo, de los proyectos CONTACAP y del proyecto LUMIAR, ambos patrocinados por el INCRA – Instituto Nacional de Colonización y Reforma Agraria, destinados a prestar asistencia técnica a los agricultores que viven en los nuevos asentamientos promovidos por esta entidad.

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Nos anos de 1990, as condições sociais no meio rural enveredavam pelo aumento das ocupações, o massacre de trabalhadores sem-terra em Eldorado do Carajás (PA), ainda que o governo tenha criado o Ministério Extraordinário de Política Fundiária. No entanto os movimentos sociais eram excluídos ou ignorados do debate, principalmente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

estas denunciadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Nesse mesmo período, ainda surgem grupos de sem terras independentes do MST.

Ainda, em 1997, por iniciativa do Estado – Ministério Extraordinário de Política Fundiária – foi criado o projeto Lumiar – Projeto Lumiar de Assistência Técnica aos Assentamentos, com a coordenação compartilhada pelo Incra, Ministério da Agricultura, bancos do Brasil, do Nordeste, da Amazônia, entidades representativas dos trabalhadores rurais e uma representação dos governos estaduais, de preferência a Secretaria da Agricultura (BRASIL,1997, p. 20).

Para Caporal,

[…]o projeto Lumiar, parte da justificativa de que o Brasil, "praticamente desmantelou o seu sistema de extensão rural e assistência técnica”, no que exige que o Incra implemente projetos para a "promoção e assistência técnica" aos agricultores recém-assentadas pelo programa de reforma agrária. O projeto conta com osrecursos do orçamento do próprio Instituto, os quais visam o recrutamento de técnicos por organizações dos agricultores, mediante contratos com cooperativas de profissionais, empresas públicas, ONG, etc., aprovados pelo INCRA para este fim. A avaliação deste tipo de iniciativa ainda não foi realizada (CAPORAL, 1998, p. 316).29

Apesar de o projeto Lumiar ter sido extinto no ano 2000, com denúncias de malversações de recursos públicos e gestões deficitárias, foi uma experiência emergencial e inovadora, diante do contexto de conflitos agrários, para os atores e Estado, no âmbito governamental e não governamental, importantíssimo para construção da Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) e a Assessoria Técnica, Ambiental e Social (Ates).

Outro momento importante no debate e construção de Ater está no IV Grito da Terra ocorrido no ano de 1997. Em resumo, tem-se, nas décadas de 1980 e 1990, a transição política de governos centralizadores a uma descentralização das decisões, principalmente, a implementação das políticas públicas, reivindicação fruto das lutas de grupos, movimentos populares e sociais, durante o processo de democratização (1985). Com isso, estreitavam-se os laços nas relações entre cidadão, grupos, movimentos populares, sociais, sindicatos e demais organizações de representação com o Estado, mas ainda não se configura a

29[…] el proyecto LUMIAR, parte de la justificativa de que Brasil, “prácticamente desmanteló su sistema de extensión rural y asistencia técnica”, lo que exige que el INCRA ponga en marcha proyectos para el “fomento y asistencia técnica” a los agricultores recientemente asentados por el programa de Reforma Agraria. El proyecto cuenta con recursos presupuestarios del propio Instituto, los cuales son destinados a la contratación de técnicos por organizaciones de los agricultores asentados, mediante la firma de contratos con cooperativas de profesionales, empresas públicas, ONG’s, etc., autorizadas por el INCRA para este fin. La evaluación de este tipo de iniciativa aún no ha sido realizada.

participação social, pois a participação era momentânea pressão compulsória dos movimentos e o Estado assoberbado com tantas reivindicações, não encontrava soluções.