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A Pnater como emancipação na hierarquia centralizada

3. A HIERARQUIA DE UMA SOMBRA OU A “SOMBRA DA HIERARQUIA”:

3.2 A DIMENSÃO DOS ELEMENTOS E CONDICIONANTES NA PNATER, A

3.2.1 A Pnater como emancipação na hierarquia centralizada

A trajetória da extensão rural, no Brasil, como já demonstrado na síntese do mapeamento realizado, tem vários encontros e desencontros conflitivos e de consensualidade, envolvendo o campo da política, social e econômica, influindo na convergência dos interesses de atores da sociedade civil no disciplinamento da Pnater, em 2010, por meio de disposição legal já citada, neste estudo.

A elevação da distinção entre o leigo e o especialista é a ideia de demonstrar a articulação e compartilhamento derivado, como consequência desse entendimento de mudanças nos serviços de Ater. Embora não se trate de uma regra, a aproximação do leigo e especialista convergiu para inúmeras caminhadas evidenciadas a partir dos estudos de grupos acadêmicos, técnicos extensionistas, associações de agricultores e movimentos sociais sobre a temática da Extensão Rural no Brasil até a formulação da Pnater (PEIXOTO, 2008, MUSSOI, 2011, BERGAMASCO et al., 2017).

O esforço de reflexão e a integração de vários setores do meio rural com os mesmos objetivos, sempre lembrando que a tendência vivenciada nos anos de 1990, era do chamado Estado mínimo, ou seja, da ideia de “quanto menos Estado melhor”. Os antecedentes históricos confirmam a redução de investimentos financeiros do Governo Federal aos orçamentos das empresas de Ater do setor público, o que gerou uma crise na Ater oficial ( BRASIL, 2004, p. 4). Além disso, a ideia do Estado mínimo tornava-se real no contexto internacional.

Contrariamente à conjuntura indicada, a Constituição Federal de 1988 garante a intervenção do Estado como essencial para a sociedade brasileira. As disposições constitucionais sacramentam o Estado como agente de políticas de intervenção em áreas sociais como também de bens de produção. Em 2003, o Governo Lula aposta na intervenção do Estado nos serviços de Ater, ou seja, reforça as garantias constitucionais previstas na Constituição de 1988, selando o pacto de conjuntura dos interesses políticos, sociais e econômicos em torno de uma política de Ater. Houve a vinculação dos problemas apontados

no meio rural e a intencionalidade política para construção participativa da agenda pública sobre os serviços de Ater com o mesmo olhar dos atores envolvidos na Ater. No ano de 2010, foram publicadas, a Lei da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural ( Pnater) e o Pronater, instrumento de orientação à implementação da Pnater, porém já destoante dos debates até então ocorridos (CAPORAL, 2011).

Enfim, destaca-se a descrição dos princípios da Pnater, os quais condicionam e orientam a compreensão da política de extensão rural, conforme descritos a seguir:

Art. 3º São princípios da Pnater:

I - desenvolvimento rural sustentável, compatível com a utilização adequada dos recursos naturais e com a preservação do meio ambiente; II - gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de assistência técnica e extensão rural; III - adoção de metodologia participativa, com enfoque multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural, buscando a construção da cidadania e a democratização da gestão da política pública; IV - adoção dos princípios da agricultura de base ecológica como enfoque preferencial para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis;V - equidade nas relações de gênero, geração, raça e etnia; e VI - contribuição para a segurança e soberania alimentar e nutricional (BRASIL, 2010, art. 3º e incisos).

Os princípios descritos guardam a expectativa de harmonizar, integrar e ser instrumentos de garantias de eficácia do ordenamento jurídico prescrito. Assim que desenvolvimento sustentável, gratuidade, acesso e qualidades dos serviços de Ater, adoção de metodologia participativa, adoção da agricultura de base ecológica, equidade nas relações de gênero, raça, geração e etnia e a contribuição à segurança e soberania alimentar e nutricional passam a ser as colunas de sustentação à aplicação das normas e regras nos serviços de Ater.

Logo, infere-se que a Pnater, ao prescrever os princípios, confere os fundamentos de implementação de Ater ao passo que o descumprimento dos princípios ordenados viola, claramente, todo o sistema de Ater considerando que

É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (MELLO, 2013, p. 300).

De modo geral, pode-se afirmar que as ações extensionistas no Brasil perseguem a defesa dos seis princípios da Pnater, porquanto a contar desta descrição há previsão de doze

metas ou propósitos previstos no art. 4º da Lei, que são tratadas como objetivos da Pnater36. Tais objetivos devem ser cumpridos pelos agentes extensionistas e entidades prestadoras de Ater, representação oficial ou prestadores do setor privado. Da mesma forma, embora possa não se saber o dia de amanhã, por enquanto a Anater tem previsto no § 1º, art. 3º do Decreto nº 8.252/2014, a observância dos princípios estipulados na Pnater.

Pode-se argumentar que os arranjos institucionais justificam a compreensão de uma política pública, a partir da identificação nos espaços de interesses dos elementos que integram a equação de quem coordena o resultado dessa equação. Embora, em apertada síntese, percebe-se que há uma pluralidade de interesses proporcionados pelas ausências ou presenças de políticas seja numa visão macro ou de uma visão mais localizada nas normativas de Ater.

Por outro lado, a maior complexidade dos arranjos institucionais está vinculada à diversidade no “mundo da vida” e à implementação da política e, por consequência, configura-se perante o dimensionamento complexo da política, em mudanças e alterações possíveis e adequadas e outras quase são “cláusulas pétreas”. Nos serviços de Ater, a ordenação legal elege como princípio a “gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de assistência técnica e extensão rural”. Com exceção de qualidade, os demais o mais provável é que o Estado garanta isso. Este é um condicionante estatal, em grau de hierarquia, que não se permite construções de possibilidades e, sim de certeza de recursos aos serviços de Ater.

A partir das entrevistas realizadas, percebe-se o desafio dos agentes extensionistas, na adequação do cotidiano conforme a Lei, a gestão do planejamento e a implementação da política pública associada às atividades de Ater. A possibilidade do “possível” integra o

36Art. 4º - São objetivos da Pnater: I - promover o desenvolvimento rural sustentável; II - apoiar iniciativas econômicas que promovam as potencialidades e vocações regionais e locais; III - aumentar a produção, a qualidade e a produtividade das atividades e serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive agroextrativistas, florestais e artesanais; IV - promover a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários; V - assessorar as diversas fases das atividades econômicas, a gestão de negócios, sua organização, a produção, inserção no mercado e abastecimento, observando as peculiaridades das diferentes cadeias produtivas; VI - desenvolver ações voltadas ao uso, manejo, proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais, dos agroecossistemas e da biodiversidade; VII - construir sistemas de produção sustentáveis a partir do conhecimento científico, empírico e tradicional; VIII - aumentar a renda do público beneficiário e agregar valor a sua produção; IX - apoiar o associativismo e o cooperativismo, bem como a formação de agentes de assistência técnica e extensão rural; X - promover o desenvolvimento e a apropriação de inovações tecnológicas e organizativas adequadas ao público beneficiário e a integração deste ao mercado produtivo nacional; XI - promover a integração da Ater com a pesquisa, aproximando a produção agrícola e o meio rural do conhecimento científico; e XII - contribuir para a expansão do aprendizado e da qualificação profissional e diversificada, apropriada e contextualizada à realidade do meio rural brasileiro. (BRASIL, 2010, p. 1-2).

processo de conciliação entre os interesses e as necessidades dos beneficiários locais e o que é determinado para implementar. Há entraves como

Muitas vezes existem programas que são criados, mas de vez em quando a gente tem que botar um dentinho na roda... fazer mais quadradinha... então a cada governo é mais renda, mais isso, não sei o quê... quer dizer eles botam um dinheiro lá e jogam, sabe... daí a ponta de baixo ajeita, acomoda... faz as adequações (E.3, 2017).

A afirmação traduz a distância da formulação e implementação da política pública. As atividades determinadas da unidade municipal de Torres Emater-RS-Ascar são orientadas levando em conta como prioridade as reivindicações dos beneficiários da Pnater, como o incentivo ao associativismo aos agricultores, iniciativas de cunho econômico, a partir das vocações regionais e locais, seguindo um planejamento e revisões sobre o planejamento realizado, conforme o relato:

Nós temos o Sisplam. Sistema de registros de nosso planejamento e de nossas atividades, nós temos um planejamento de 4 anos. Temos planejamentos anuais a serem realizados. Nós temos uma avaliação do que foi realizado, a cada ano, a cada final de ano; nós temos uma reprogramação do planejamento e a cada ano nós temos que entregar. Isso vale tanto para os municípios como para o estado. E nós temos que cumprir metas, para que o estado também leve essas metas para o governo (E.3, 2017).

Assim, entre elementos e condicionantes, há configurações que acabam declinando modelos até aqui estatuídos, para uma nova leitura de campos situacionais que margeiam processos provocativos aos condicionantes ainda não reflexionados no campo do público e privado. Reconheço que há delimitações claras, porém difíceis de ser compreendidas, porque metaforicamente, pode-se compreender o público e privado delimitado por ondas, em que a sua formação vem num constante, porém pode quebrar-se e vir até a arrebentação e desmanchar-se suavemente sem repuxo. Ou, a onda quebra-se antes de chegar à margem ou retorna ao mar levando consigo muita areia, ou em outras palavras, um pouco de tudo.

Nessa tentativa de transposição imaginária dos serviços de Ater, apropria-se da ideia da perspectiva da nova configuração dos serviços de Ater a partir de transformações indeléveis, ou seja, levam as margens e retornam ao mar e formam uma nova, onde repousam em outra margem. Logo, o que se vê na margem sobre a natureza dos serviços de Ater: público, privado, privatização de serviços, ou nem um nem outro? A natureza pública e privada encontra-se nos serviços de Ater, pública quando os serviços são financiados por recursos públicos, contudo compete é perceber qual a tendência, ou seja, qual é a onda.

Por essa razão, faz-se, na próxima sessão, uma tentativa de sistematizar as principais discussões sobre público, privado e privatização.

3.3 SISTEMATIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS DISCUSSÕES SOBRE PÚBLICO, PRIVADO