Capítulo II Traduzir a cultura do chá
2. Apresentação da obra
2.2 A cultura do chá nas línguas ocidentais
A cultura do chá chinês tem-se espalhado pelo mundo desde as primeiras edições e
reedições do Clássico do Chá
39, escrito por Lu Yu na dinastia Tang (618-907), no ano de 780.
Esta monografia sobre o chá está traduzida em chinês moderno numa edição comentada de
1983 da autoria de Fu Shuqin
40e Ou Yangxun
41, publicada pela Hubei People’s Press. Esta obra,
no que ao chá diz respeito, poderá ser a mais traduzida para outras línguas, incluindo Espanhol,
Inglês, Francês, Italiano, Russo, Alemão e Português. Apesar de ser uma obra curta, com pouco
mais de uma centena de páginas, é concisa e divide-se em dez capítulos. O livro retrata a origem
do chá, a planta e as suas qualidades medicinais, os seus utensílios, a sua produção e os
instrumentos de produção, a apanha e secagem das folhas e a sua fermentação, o método de
infusão, as regras de apreciação do chá, a sua história, as regiões produtoras de chá e a
classificação dos mesmos, e ainda formas de armazenar esta bebida. O último capítulo é
dedicado ao chá como tema de caligrafia e pintura (Sun, 2013).
Para além do Clássico do Chá, há outros géneros de literatura que transmitem a sua
cultura, como os poemas de escritores que nutriram outrora um grande apreço por esta bebida.
Poetas como Li Bai
42, Bai Juyi
43, Jiao Ran
44, Lu Tong
45e Su Shi
46, representam nos seus trabalhos
artísticos a cultura do chá. O poema abaixo tem como objetivo descrever os passos de
apreciação do chá, desde a recolha da água, passando pela infusão até ao estado de espírito
no final deste ato. Note-se que o ato de beber chá na cultura chinesa difere da portuguesa no
facto de este ser uma forma de reflexão e de introspeção. A prova de chá é vista como uma
maneira de cultivar a mente.
Águas indomáveis em lume fulgurante,
Procurei nas suas profundezas e nelas vi o luar, estou certo.
Resquícios de folhas flutuam na água escaldante,
Ouvindo-se apenas o borbulhar fragrante.
Não! Três chávenas não quebram o meu pensamento deserto
47,
39 茶经Chájīng, escrito por 陆羽 Lùyǔ (733-804). 40 傅树勤 Fùshùqín
41 欧阳勋 Ōuyáng xūn
42 李白 Lǐbái, viveu entre 701 e 762, durante a dinastia Tang (618-907), é tido como o primeiro poeta a escrever sobre chá. 43 白居易, Báijūyì, poeta e oficial do governo da dinastia Tang, viveu entre 772 e 846.
44 皎然, Jiǎorán, poeta e monge budista, viveu entre 730-799 e foi um dos três grandes monges poetas da dinastia Tang. 45 卢仝, Lútóng, poeta conhecido por ser um ávido amante do chá, viveu entre 790 e 835.
46 苏轼 Sūshì poeta e calígrafo que viveu entre 1037 e 1101, durante a dinastia Song (960-1279).
Findo e aprecio a azáfama dançante.
Su Shi, “A água do rio”
48A poesia é, infelizmente, uma área da cultura do chá ainda pouco explorada em Portugal,
havendo uma centralização nos aspetos medicinais que a bebida traz a um estilo de vida
saudável.
Relativamente a obras mais recentes, há um leque de guias que contemplam vários
aspetos culturais do chá, semelhante ao livro do qual a tradução se reviu para a realização deste
trabalho. Encontram-se também livros de gastronomia que mostram receitas que incluem o chá,
embora a sua grande maioria seja produzida por autores de línguas ocidentais que se interessam
pela culinária chinesa. Vê-se, portanto, uma oferta crescente de divulgação da cultura do chá
nas línguas ocidentais, sendo que Portugal está a acompanhar a onda de interesse por um estilo
de vida saudável e, consequentemente, pelo chá.
O interesse pela cultura chinesa é um fator para a produção de literatura que nos ajuda
a comparar e perspetivar culturas. As instituições académicas são uma fonte de informação e a
cultura do chá é um dos aspetos abrangidos nos seus estudos e monografias publicados. Entre
essas publicações encontra-se “A Herança de Confúcio” cujo primeiro capítulo nos introduz a
cultura do chá. A arte do chá é considerada como um dos aspetos mais marcantes da arte
chinesa de viver (Sun, 2013). Encontram-se ainda dissertações que abordam esta temática,
como é o caso de “O chá em Portugal: História e Hábitos de Consumo” (Silva, 2014), “O Café
e o Chá nas Culturas da China e de Portugal” (Zhu, 2016), “Estudo sobre os Recursos do Chá
e Plantas Medicinais para Turismo de Saúde em Terras de Bouro: uma Perspetiva Intercultural
Luso-chinesa” (Wang, 2019). Havendo publicações de outras instituições, como o “Chá dos
Açores” (Vieira, 2016).
Adicionalmente à produção literária, há ainda a emissão de documentários relativos ao
tema, como é o caso de uma série de documentários emitidos pela RTP, em parceria com a
Embaixada da China
49. Sendo esta uma forma de chegar a um maior número de pessoas, é
possível despertar a curiosidade da população portuguesa sobre a cultura do chá chinês.
poema, em tom de brincadeira. Cf. tabela 11, página 65. 48 A minha tradução de:
活 水 还 须 活 火 烹 , 自 临 钓 石 取 深 清 。 Huóshuǐ hái xū huó huǒ pēng, zì lín diào shí qǔ shēn qīng. 大 瓢 贮 月 归 春 瓮 , 小 杓 分 江 入 夜 瓶 。Dà piáo zhù yuè guī chūn wèng, xiǎo biāo fēn jiāng rùyè píng.
雪 乳 已 翻 煎 处 脚 , 松 风 忽 作 泻 时 声 。Xuě rǔ yǐ fān jiān chù jiǎo, sōng fēng hū zuò xiè shí shēng.
枯肠未易禁三碗,坐听荒城长短更。Kū cháng wèi yì jìn sān wǎn, zuò tīng huāngchéng chángduǎn gèng.
《汲江煎茶》Jí jiāng jiānchá