Capítulo II Traduzir a cultura do chá
2. Apresentação da obra
2.1 Cultura do chá em Portugal: algumas notas de interesse para o trabalho de revisão
De forma a contextualizar a cultura do chá em Portugal, neste ponto fala-se de como o
chá se tornou parte do dia a dia dos portugueses, da forma como é consumido e produzido.
Serve também como base de comparação em relação ao trabalho de revisão realizado, o qual
retrata esta bebida na cultura propulsora do consumo de chá.
2.1.1 A introdução do chá
O termo “chá” em português é a tradução fonética da palavra em mandarim ou em
cantonês, 茶 chá, tendo a língua portuguesa adotado esta tradução, enquanto que outras
línguas europeias optaram pela tradução fonética do dialeto de Xiamen
31, t’e ou tê. O contato
com culturas que produziam e consumiam a bebida de forma contínua nos meados do século
XVI mostra uma grande probabilidade de terem sido os portugueses os primeiros a introduzir o
chá na Europa. O convívio e comércio entre portugueses e chineses dava a conhecer aos
portugueses os costumes locais, o que, por consequência levou ao consumo de chá e ao
reconhecimento deste produto com um forte contexto social.
Ao longo do desenvolvimento das relações comerciais entre a Europa e o Extremo
Oriente, o chá foi primeiramente reconhecido pelos seus efeitos medicinais e só mais tarde viria
a ser aplicado como um hábito diário e social. Como aconteceu na China, também em Portugal
o chá terá sido inicialmente consumido por classes sociais altas até chegar ao povo, sendo uma
das razões o seu preço de venda elevado. Todavia, o chá em Portugal não era tomado da mesma
forma e tão pouco existia uma cerimónia de chá como na China ou no Japão. Houve uma
adaptação do seu consumo ao gosto dos portugueses com a adição de açúcar e/ou leite
32.
Acredita-se que o costume inglês do chá das cinco terá tido uma grande influência por
parte de D. Catarina de Bragança, casada com D. Carlos II de Inglaterra em 1662. D. Catarina
de Bragança levou como parte do dote uma arca cheia de chá e o hábito do seu consumo da
corte portuguesa para a sociedade inglesa.
Edmund Waller escreveu um poema em língua inglesa no ano de 1663, relacionando o
chá com D. Catarina de Bragança. Na língua portuguesa encontram-se referências ao chá nas
obras de Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, Vitorino Nemésio, entre outros.
2.1.2 A produção de chá
Houve várias tentativas de criação de um cultivo de chá no continente, mas a sua
produção prosperou apenas nas ilhas onde as condições atmosféricas e geográficas
correspondem às necessidades das plantas do chá. Assume-se que a falta de sucesso no
continente se deva em grande parte à ausência das condições do solo e do clima necessárias
para o desenvolvimento das plantas do chá, sendo que outra razão possa estar relacionada com
obstáculos económicos e sociais.
Atualmente, o arquipélago dos Açores é o único local onde a produção prosperou a nível
industrial, sendo o seu cultivo excecional na Europa. O seu cultivo teve lugar em São Miguel,
entre 1750 e 1878, não havendo um consenso quanto a uma data específica (Vieira, 2016). No
que diz respeito à forma como se deu o início da produção de chá, não existe igualmente
concordância entre investigadores. Uma das hipóteses é a de as sementes da planta do chá
terem vindo do Brasil em 1820, país onde se cultivava chá desde 1812. Uma outra hipótese é
a de o cultivo de chá ter vindo com a chegada à ilha de dois macaenses em 1878, contratados
para ensinar as técnicas de produção de chá, trazendo consigo sementes e sugestões de adição
de outras plantas, como o jasmim (Vieira, 2016).
A produção de chá na ilha de São Miguel deve-se ao seu clima tropical e subtropical. A
exploração das plantações faz-se em dois períodos distintos que se inserem num ciclo, havendo
32 Em Portugal também se adicionava leite, um poema de Pedro António Correia Garção que descreve o chá das cinco prova que havia este hábito. Cf. a Garção, Pedro António Correia. (1825). Obras poéticas de Pedro António Correia Garção, Impressão Régia, Lisboa.
colheitas entre abril e setembro. Esta produção contribuiu significativamente para o
desenvolvimento de atividades culturais associadas ao chá promovidas pela Confraria Atlântica
do Chá
33, de forma a promover o conhecimento das várias aplicações e benefícios desta bebida.
2.1.3 O consumo de chá
Quanto ao consumo de chá por parte da população portuguesa, verifica-se uma ligeira
redução na importação do mesmo. Estatisticamente, em 2007, ano em que foi criada a
Confraria Atlântica de Chá, a importação de chá rondava as 757 toneladas. Já no ano de 2017
foram importadas 723 toneladas (cf. figura 3).
Figura 3 Importação de chá em Portugal. Fonte: FAOSTAT34
Curiosamente, a produção de chá no país sofreu uma redução na sua quantidade, tendo
entre os anos 2007 e 2017 passado de 125 toneladas para 62 toneladas, podendo esta ser a
razão para a média de importação se manter mais ou menos igual. A área usada para a
produção do chá, ou seja, a área das plantações, diminuiu para menos de metade, sendo a
mesma em 2007 de 40 hectares e em 2017 apenas de 14 hectares (cf. figura 4). Observou-se,
no entanto, que os dados recolhidos nas bases estatísticas da FAO não correspondem a
informações recolhidas das fábricas de chá nos Açores, como é o caso do Chá Gorreana que
apresenta uma produção de 33 toneladas de uma plantação com 32 hectares
35.
33 Criada em abril de 2007.
34 Cf. weblink consultado a 13 de outubro de 2019: http://www.fao.org/faostat/en/#data/TP/visualize
Figura 4 Produção de chá em Portugal. Fonte FAOSTAT36
No ano de 2019, o consumo de chá per capita em Portugal encontra-se a 0,19kg.
Comparando este número ao consumo da Irlanda ou de Inglaterra no ano de 2015, que se
encontrava já entre os 2.2kg e os 1,9kg, respetivamente, verifica-se uma diferença significativa
no consumo de chá entre os países europeus. Apesar disso, o seu consumo em Portugal tem
vindo a crescer, prevendo-se um aumento de 0,03% em 2023, ou seja 0,22kg de chá consumido
por pessoa (cf. figura 5).
Figura 5 Crescimento do consumo de chá em Portugal Fonte: Statista37
De acordo com um estudo realizado em 2015, existem no mercado pelo menos 327
produtos de chá e cerca de 21 marcas diferentes. A grande maioria destes produtos são
36 Cf. weblink consultado a 13 de outubro de 2019: http://www.fao.org/faostat/en/#data/QC/visualize
37 Cf. weblink consultado a 13 de outubro de 2019: https://www.statista.com/outlook/30020000/147/tea/portugal?currency=eur#market-
vendidos em saquetas, sendo a folha solta ainda pouco comercializada (Ribeiro, 2015). No ano
de 2018, um estudo do grupo Marktest
38mostrou a preferência dos portugueses por chás em
saquetas mais tradicionais como o chá de camomila ou cidreira (cf. figura 6).
Figura 6 Consumo de chá em saquetas de Camomila e Cidreira, em percentagem (%). Fonte: Marktest, TGI