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3. O trabalho a desenvolver para estabelecer a colaboração com a biblioteca escolar

3.1. A cultura de escola e os tipos de colaboração

Como afirma Taylor (2005), nenhum factor pode assegurar por si só a colaboração. O PB deve estar consciente dos factores que a inibem ou potenciam. Kuhlthau, mencionada por Montiel-Overall (2005), defende que os factores facilitadores não se opõem aos inibidores. Por outro lado, a supressão dos inibidores não assegura necessariamente o sucesso da implementação. Acresce que os factores facilitadores podem não ser capazes de criar esforços colaborativos entre os professores e o PB. Segundo Haycock, «[C]ollaborative planning is impacted by the individuals involved, school climate, time for planning, the organization of the school, the facility and collection and training; of these, the characteristics and actions of the people involved are most important» (Collaborative Programme Planning and Teaching,1999).

Maria do Céu Roldão (2007), aludindo à colaboração entre professores dirigida à promoção de aprendizagens curriculares, refere que, apesar de serem por demais conhecidas as vantagens do trabalho colaborativo, na prática o essencial do trabalho docente, ou seja, o que acontece dentro da sala de aula, continua a ser realizado individualmente. Entre nós, as práticas autenticamente colaborativas têm sido referenciadas pela investigação como produzindo bons resultados, ainda que sejam excepcionais e difíceis de introduzir no quotidiano das escolas. Por este motivo, consideramos pertinente começar por analisar processos de mudança que, como a integração da LI no currículo que nos ocupa, assentam na transposição das fronteiras entre as disciplinas e as salas de aula, a fim identificarmos diversos obstáculos.

O projecto curricular de turma (PCT) traduziu-se numa «mudança à superfície, não estrutural: muda o discurso, muda algum do formalismo, ganham-se novas rotinas, acredita-se até que se mudou, mas o problema central permanece sem solução: não há dados que mostrem que houve, de facto, melhoria das aprendizagens dos alunos» (Freire, citado por Roldão, 2006: 75). Assim, oficialmente a reforma é feita quando,

afinal, no terreno, as práticas pouco mudaram, sem sinais evidentes de oposição.

Entre os factores condicionantes contam-se «as dificuldades na construção de uma cultura curricular e profissional, baseada na colaboração e construção conjunta e reflexiva de conhecimento»; assim como a falta de consistência, clareza e continuidade das políticas educativas; o modo de organização da escola e do trabalho docente e a ausência de uma cultura de avaliação (Roldão, 2006: 75). Roldão refere, também, a dominância de uma lógica de segmentação dos saberes em função das disciplinas e que, na altura, considerava poder atingir as Áreas Curriculares não Disciplinares (ACND). Os modos organizativos do trabalho assentam predominantemente no modelo transmissivo, dirigido à turma, e em modos de trabalho e em recursos uniformizados, naturalizados no quotidiano e cultura das escolas, e portanto inquestionáveis. De acordo com um estudo de Dácio, relativo ao 1º Ciclo, mencionado por Roldão (2006: 66), refere-se que:

A sala de aula é considerado o espaço onde os professores agem de acordo com aquilo que pensam, interpretam e acreditam, sem necessidade de partilhar ou debater com outros ou de seguir normativos. É por esse facto o espaço onde se sentem mais confortáveis e onde consideram que têm mais autonomia de decisão. Poucas são as decisões partilhadas que se referem ao campo pedagógico ou curricular, são normalmente actividades extracurriculares que fazem parte deste tipo de decisões.

De acordo com Fullan & Hargreaves (2001), podemos integrar o quadro acima exposto na cultura denominada como individualista. O tipo de cultura, particularmente as culturas individualistas e colaborativas, são aquelas que têm implicações muito diferentes para a mudança e o desenvolvimento. Ao individualismo associam-se a incerteza e o isolamento que sustentam o “conservadorismo educativo” e as formas de ensino “seguras”, com baixo impacto no sucesso escolar. Face à pressão da mudança surge a impotência para a enfrentar. O individualismo marca as condições de ensino mais generalizadas e persistentes. Roldão (2007: 26) defende que a génese do individualismo dos docentes «resulta de um conjunto de factores organizacionais, históricos, simbólicos e também pessoais, cuja desmontagem é necessária para se transformar o paradigma de trabalho individual em favor de uma colegialidade autêntica e mais eficaz». Para além do peso da “máquina organizacional”, acresce o facto de os professores terem sido socializados desde o início da carreira no trabalho individual. Segundo Perrenoud (2002: 60-61), esta “contra-socialização” a par das crenças pessoais sobre a educação e a aprendizagem reduzem quer o impacto das tentativas de “pilotagem” das práticas dos docentes (verificando-se que estes frequentemente as

desconhecem ou apreendem de forma superficial) quer o efeito da formação profissional. Na mesma linha, Roldão (2007: 76) refere que, relativamente aos conceitos que norteiam a mudança, o leque varia entre o desconhecimento, a recusa ou a apropriação técnico-burocrática, «sendo raras as situações de uma apropriação integrada e reflectida [o que denota] a necessidade de questionar e clarificar o sentido». Por conseguinte, a dificuldade da introdução de inovações pode relacionar-se com a forma como esta é conduzida, por não se terem em conta, de acordo com Cardoso (2002: 48), as preocupações, os significados e as motivações dos que a devem implementar no terreno, sendo imprescindível o diálogo entre os envolvidos.

As culturas colaborativas, segundo Nias, mencionada por Fullan & Hargreaves (2001: 89), não se caracterizam pela organização formal, reuniões ou procedimentos burocráticos mas «consistem em qualidades, atitudes e comportamentos amplamente difundidos que caracterizam continuamente as relações entre o pessoal docente». A discussão aberta e a discórdia temporária são desejáveis. Nestas culturas, os docentes «desenvolvem a confiança colectiva necessária a uma resposta crítica à mudança, seleccionando e adaptando os elementos desta que ajudarão a melhorar o seu próprio contexto de trabalho e rejeitando aqueles que não o farão» (idem: 89). Tanto os indivíduos como a interdependência são valorizados e há uma busca de aperfeiçoamento contínuo, quer a partir do interior como do exterior. Fullan e Hargreaves (1991: 61) afirmam que «[I]t is not possible to have strong collaborative cultures without strong individual development». O seu equilíbrio é delicado, sendo difícil criá-las e ainda mais difícil mantê-las. Há que distinguir três formas de colaboração menos eficazes: a balcanização; a colaboração confortável e a colegialidade artificial. Na balcanização, comum nas escolas secundárias, distinguem-se grupos, que por vezes competem entre si. Pode conduzir à pobreza da comunicação, a um acompanhamento deficiente dos alunos e a disputas. Alguns subgrupos podem dificultar a aceitação da mudança por toda a escola, inibindo a discussão aberta e a criação de uma perspectiva global. Uma das estratégias para a obviar consiste na troca de membros entre grupos. A colaboração confortável incide sobre aspectos superficiais, práticos e imediatos e «não alcança o propósito e o valor daquilo que se ensina e como se ensina» (Fullan e Hargreaves, 2001:

100). A ênfase recai sobre a partilha e a celebração em detrimento da pesquisa, da

reflexão e da discussão. Mesmo que os docentes trabalhem conjuntamente na planificação, será pouco usual que partilhem a sala de aula. A escola tende a ser reactiva à mudança externa. Será importante ultrapassar o nível da «tomada de decisões e da

planificação cooperativas e das relações interpessoais de apoio, para abranger o trabalho conjunto, a observação mútua e a inquirição reflexiva focalizada» (Fullan e Hargreaves, 2001: 102). A colegialidade artificial caracteriza-se por um conjunto de procedimentos formais e burocráticos, destinados a impor o trabalho em conjunto, como a planificação programada, descrições detalhadas de actividades, o treino pelos pares. Visa encorajar a associação dos docentes, promover a partilha e o aperfeiçoamento das competências e do saber especializado, bem como novas abordagens e técnicas provindas do exterior. Por um lado, pode promover o surgimento de verdadeiras culturas colaborativas, que podem ser “activadas” deste modo, mas, no seu extremo negativo, a inflexibilidade administrativa pode reduzir a motivação para a cooperar.