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3 AS REAÇÕES ÀS VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS

3.1 A CULTURA DO MEDO E O SEU REFLEXO NAS ESCOLAS

Os avanços tecnológicos trouxeram inúmeras vantagens para a sociedade global, nunca o homem se comunicou tanto como nos dias atuais. O implemento da telefonia móvel, e sobretudo a expansão da internet, permitem que indivíduos que estejam separados por longas distâncias se comuniquem através de som e de imagens em tempo real. O que proporciona o acesso de milhares de pessoas em todo o mundo a eventos que ocorram em qualquer lugar do planeta.

É justamente este o princípio difundido pelos canais de telenotícias com transmissões ao vivo, que possibilitam ao telespectador se inserir no evento em tempo real, como se fizesse parte deste. A transmissão simultânea permite uma maior interatividade, na medida em que possibilita a sensação do indivíduo estar sempre informado com a realidade que o envolve, ou que lhe é de seu interesse. Todavia, tais vantagens possuem um preço não muito agradável para boa parte da sociedade quando a temática abordada é a violência.

As excessivas transmissões diárias de eventos violentos pelos diversos meios de comunicação transportam o indivíduo a uma realidade cruel, muitas vezes desconhecida ou ignorada. Não é a intenção deste trabalho abordar as questões inerentes ao desejo humano em assistir ou presenciar eventos de violência gratuita, ou os prejuízos que estes podem causar para a sua saúde física e mental25, objetos de interesse das ciências médicas (NIJAINE e MINAYO, 2004). Mas sim em observar como tais eventos transmitidos podem gerar nos indivíduos um medo generalizado, melhor definido como a “cultura do medo”.

Para Soares e colaboradores citado por Eckert (2010, p.2) a “cultura do medo” é compreendida como “uma certa estrutura simbólica de articulação entre representações”. Já Débora Pastana (2003, p. 94) considera a cultura do medo como um “retrato desta forma hegemônica de pensar sobre a criminalidade e a segurança pública atuais”. Neste momento não se questiona quais são os reais fatores que formam tal fenômeno. Mas como estes são capazes de alterar o imaginário social e criar situações de violências preconcebidas, que muitas vezes não possuem alicerces sólidos que as justifiquem.

A divulgação indiscriminada das diversas formas de violência e de criminalidade geram, segundo Alba Zaluar (SILVA, T., p. 290, 2005), “um clima de medo irracional e paranoia”. O que faz com que os indivíduos mudem o seu estilo de vida, e passem a incorporar na sua rotina a violência, e assim desenvolver uma fala própria, e porque não dizer uma “fala do crime26” padronizada (CALDEIRA, 2000, p.27-56). Caracterizada por reforçar uma visão negativa e preconceituosa.

A análise dos eventos de violência pelos cidadãos passa a ser quase que homogênea, e a sua percepção é quase estandardizada. Conforme observou Eckert (2010, p.2), nos estudos e reportagens que abordam a violência não é raro observar que quando se questiona aos entrevistados sobre as causas da violência urbana no imaginário da população urbana a

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Neste artigo busca-se apontar as principais contribuições das pesquisas sobre violência na mídia e seu impacto na infância e adolescência, identificadas na literatura internacional e nacional do campo da saúde. No âmbito internacional, a produção científica se concentra principalmente nas áreas da medicina, psicologia e pediatria; e no nacional, há uma maior contribuição da área da psicologia, embora ainda bastante escassa se comparada à internacional. Do ponto de vista da saúde pública no Brasil, os trabalhos são quase inexistentes, fazendo-se necessário sério investimento na busca de uma compreensão cultural específica voltada, primordialmente, para a prevenção da violência e para a promoção da saúde de crianças e adolescentes (NIJAINE e MINAYO, 2004, p.202).

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A fala do crime seria todo e qualquer tipo de conversa, comentário, ou meio de comunicação que possuam como temática central o crime e o medo. Que apresenta como característica ser fragmentada e repetitiva, o que permite que seja cada vez mais amplificado e enraizado no imaginário dos cidadãos. O que acaba por proporcionar na visão social do indivíduo que o produz ou reproduz como o grande responsável pelas mudanças e crises socioeconômicas.

tendência é conceber um "inimigo" em comum. Que se expressa na figura genérica do "bandido", o “outro”, que ameaçaria uma irreversibilidade na crise urbana.

O fenômeno da violência segundo Novo citado por Maurício, Oliveira e Chamon (2010) é uma questão social, que trás grande incômodo e se manifesta de múltiplas formas. Na busca de explicações teóricas, encontra-se aquela teoria que acredita ocorrer à construção de uma cultura da violência, ao afirmar existir um imaginário social sobre a violência, que permeia a forma como as pessoas vivem seu cotidiano e enfrentam as situações.

A vida passa agora a ser subjugada a essa cultura, onde os atos e as atividades diárias são planejados de acordo a “vontade” desta. Os indivíduos passam a planejar para onde ir, como fazer e como se comportar com o único fim de que suas ações não sejam maculadas pela violência que assola o mundo. Não que de fato esta venha a ocorrer, mas o receio de fazer parte das estatísticas da criminalidade faz com que os indivíduos assim o pensem, e alterem a sua forma de agir, pensar e se comportar em público.

A concepção da realidade apesar de única para cada indivíduo não é definida apenas por este. Os conceitos e as construções sociais não são criações particulares que surgem à medida que cada indivíduo reflete sobre o assunto. Mas sim transmitidos pela sociedade em virtude de uma construção anterior definida como institucionalização. Esta é compreendida como uma tipificação recíproca de ações habituais por tipos de atores, que quando transmitida é assimilada pelo indivíduo, e assim passa a fazer parte de seu mundo e de sua compreensão da realidade objetivada (BERGER e LUCKMANN, 2009, p.79).

O conhecimento social, como anteriormente exposto, é transmitido e não criado ao acaso. E para que de fato seja assimilado27 por cada indivíduo deve ser legitimado por seus transmissores, ou seja, devem receber algum tipo de significação que reforce a anteriormente transmitida (BERGER e LUCKMANN, 2009, p.88-89). A violência se enquadra neste contexto, a sua concepção é muitas vezes obtida pelo que os “outros” dizem ser real ou acreditam que ocorre.

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A sociedade é uma realidade objetiva e subjetiva. Que será reconhecida a partir de um processo dialético em curso composto de três momentos: exteriorização, objetivação e interiorização. (BERGER e LUCKMANN, 2009, p.173). A interiorização seria a “apreensão ou interpretação imediata de um acontecimento objetivo como dotado de sentido, isto é, como manifestação de processos subjetivos de outrem, que desta maneira torna-se subjetivamente significativo” (compreensão de nosso semelhante e apreensão do mundo como realidade social dotada de sentido). Somente após a interiorização o indivíduo se torna membro da sociedade, e ocorre por haver uma identificação com os símbolos a serem interiorizados. A sociedade, a identidade e a realidade cristalizam subjetivamente no mesmo processo de interiorização (BERGER e LUCKMANN, 2009, p.174-179).

Não se questiona a existência da violência, já que esta pode estar presente em qualquer ambiente social, por não depender de limitantes sociais preestabelecidos. Mas por ser tratar de uma concepção construída ao longo dos anos, deve-se verificar se de fato é uma legítima construção social ou um equívoco intencional dos meios de comunicação sensacionalistas a fim de garantir a audiência, e por consequência o lucro.

Apresentado esse impasse é válido retomar a discussão ao que se entende e se concebe por cultura do medo. “A insegurança no mundo moderno está cada vez mais ligada à ascensão da violência, que, por sua vez, promove a base e o fortalecimento de um imaginário do medo” (TEIXEIRA e PORTO, 1998, p.51-52). Já é possível observar que violência, ou o que se imagina que seja, está presente por todos os lados.

Para Pastana (2003, p. 91) o medo é concebido através de uma exteriorização cultural, que se apresenta de forma coletiva na sociedade. As consequências desta cultura são sentidas e observadas através de inúmeras ações concretas antiviolência. Como o crescente consumo de bens e serviços voltados à segurança privada.

Vive-se na atualidade uma cultura de corrida para a fortificação da segurança dos centros comerciais e empresariais. Mas isso já não é nenhuma novidade na história da humanidade, já que sempre se buscou proteger as riquezas e as informações relevantes. Todavia, o que não se imaginava é que ser retornaria ao isolamento familiar e a “fortificações” dos lares, a partir do medo da violência e da criminalidade generalizada, épocas em que não existia a atuação do Estado como ente jurídico responsável em tutelar os direitos e as garantias dos cidadãos, entre estas, promover a segurança dos indivíduos tidos de bem.

Hoje se vive em uma sociedade definida como democrática, que para alguns a única democracia existente é a solidariedade do medo da violência e do crime. O que imprime nos indivíduos o desejo de se protegerem através do fortalecimento da segurança privada de suas casas e propriedades.

A cultura do medo não possui limites, todos os espaços humanos de alguma forma são povoados por esta. Na escola o medo encontra terreno fértil, principalmente em instituições da

rede pública de ensino, e, sobretudo em bairro onde a violência já está enraizada, conforme muitos crêem a partir do que é denunciado pelos meios de comunicação28.

Não é o intuito deste trabalho constatar onde se localiza a violência escolar na cidade de Salvador, e se é que se pode determinar uma localização específica ou uma região onde esta se concentra. Não se nega a violência nas escolas, já que esta é uma realidade inquestionável merecedora de análise e de intervenção do Poder Público, mas se questiona neste momento como esses eventos podem ser distorcidos ou agigantados pela cultura do medo.

Conforme o sociólogo César Barreira29 (GLOBO, 2010) “a cultura do medo, que tem como ingredientes a violência e o individualismo, faz com que as novas gerações não circulem mais pela Cidade”. O que cria uma setorização urbana em áreas tidas como segura e outras como perigosas, a partir de critérios preconcebidos pela população.

O mesmo raciocínio é válido também para as escolas? O fato de se localizarem em regiões da cidade menos favorecidas, marcadas pela criminalidade e pela falta de atuação do Poder Público são fatores decisivos para a fixação de uma cultura do medo? Ou o que se observa é de fato mera constatação de uma realidade degradada pela violência que não possui limites? Tais indagações serão respondidas ao longo do trabalho, seja de forma direta ou indireta.

Compreender como a escola da rede pública de ensino, órgão do Estado, concebe e reage a essas violências não se trata de matéria de fácil resolução. Conforme constata Sposito (2002, p. 102-103):

A intensidade e a complexidade do fenômeno demandam um intenso trabalho de pesquisa, pois a produção de conhecimento ainda é incipiente e somente nos últimos anos tem mobilizado, de forma mais nítida, os investigadores de algumas

28“Violência atinge as escolas de Salvador: Alunos na quadra de esportes da Escola Estadual Márcia Meccia, em

Mata Escura” (28/03/2009); “Com três casos graves na semana, onda de violência em escolas preocupa Salvador” (28/03/2009) (ATARDE, 2010).

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César Barreira é coordenador do Laboratório de Estudo da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), e em entrevista realizada no dia 25/10/2009 para o jornal “Diário do Nordeste” intitulada de “Uma geração de jovens educada na violência” alerta sobre a penetrância da violência e de uma cultura do medo na sociedade atual, em especial entre os jovens cearenses: “Nesta pesquisa, percebemos que o jovem constrói, praticamente, linhas imaginárias por onde não pode passar. Por exemplo, os jovens de classe média e de classe média alta que moram na Aldeota ou no Meireles, não circulam em outros bairros com medo da violência. Os jovens das periferias de Fortaleza também não circulam muito em outros bairros devido ao medo. Existe uma classificação que eles mesmos fazem de determinados bairros que, às vezes, não conhecem. Na pesquisa, a gente perguntava a um jovem do Pirambu, qual era o bairro mais violento de Fortaleza, ele respondia ser Messejana, mesmo sem conhecer o local e vice-versa. Então existe toda uma construção imaginária e meio simbólica desses lugares violentos, passando a ter o bairro violento, a rua violenta e o bar violento, sendo uma construção que decorre do mundo adulto. Eles não circulam e não conhecem mais Fortaleza, em função do medo. O medo é uma situação muito preocupante, assim como a violência porque ela cria o medo, e o medo, a violência sendo necessário romper com esse ciclo vicioso” (GLOBO, 2010).

instituições de ensino superior e organizações não governamentais. Os levantamentos nacionais observados no final da década de 1990 apresentam uma peculiaridade. Não são estudos voltados especificamente para o exame das relações entre violência e escola. Os mais freqüentes são grandes surveys que se realizam com jovens moradores de capitais, em que suas relações com a violência são examinadas considerando-se outras variáveis. Por essas razões, um panorama conclusivo sobre o quadro da violência escolar ainda não foi realizado, sendo possível, até o momento atual, tecer algumas considerações, ainda que com certa cautela, a partir dos dados disponíveis em âmbito nacional.

A violência nas escolas é um fenômeno inquestionável, que é constantemente estampado nas páginas de jornal e no rosto da população que assiste passivamente esse fenômeno com perplexidade. Questionar a sua existência é ingenuidade, e não está de acordo com os índices divulgados por órgãos e instituições oficiais. Todavia, admiti-la como intrínseca a instituição escolar, conforme alguns meios de comunicação divulgam, é preocupante e leviano, já que cria uma atmosfera de medo e de insegurança que muitas vezes não condizem com a realidade.