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4 CAMINHO METODOLÓGICO

4.4 A MOTIVAÇÃO PELA PESQUISA

Acredito que este seja o momento oportuno para tecer breves comentários acerca do que me motivou a optar por esta temática. É bem verdade que nem tudo na vida tem uma resposta precisa, mas não foi este o meu caso, quando decidi estudar as formas de reações e de enfrentamento às violências nas escolas tinha a certeza de que havia feito a escolha certa.

A princípio quando submeti o meu projeto à banca de seleção do mestrado em Ciências Sociais da UFBA muitos estranharam a minha temática. “O que um advogado oriundo da classe média que sempre estudou em escolas particulares sabe ou tem a dizer sobre violências nas escolas públicas?”. De fato, poderia ter escolhido outra temática que tivesse, em tese, mais relação com o meu campo profissional, mas a escolha surgiu a partir de uma breve experiência que tive como professor nos tempos de faculdade.

Foram dois excelentes anos de minha vida que me marcaram de tal forma que despertaram o meu amor pela temática e pelo desejo de querer seguir a área de ensino. Isso se deu nos anos 2003 e 2004, lecionei biologia em duas escolas da rede pública estadual em Salvador na condição de bolsista de um projeto desenvolvido pelo governo do Estado em parceira com a UNEB (Universidade do Estado da Bahia), chamado de “Universidade para Todos”. Este consiste em oferecer ao alunado oriundo da rede pública aulas preparatórias para os principais vestibulares das universidades públicas do Estado, com uma dinâmica semelhante aos “cursinhos” pré-vestibulares existentes na capital.

Essa experiência permitiu que eu vivenciasse não só a realidade e as dificuldades da educação pública soteropolitana, mas possibilitou que muitos preconceitos que eu tinha caíssem por terra. Cresci muito profissionalmente, mas nada que se compare ao crescimento que tive como ser humano. O que mais guardo na memória, e porque não dizer no coração, são as dificuldades que muitos alunos tinham de chegar à escola, a falta de dinheiro para o transporte e a alimentação, o cansaço do trabalho... Bom, estou indo rápido demais, primeiro tenho que explicar como foi essa experiência, para que fique claro que falo com certa propriedade acerca da temática.

Como dito anteriormente lecionei a disciplina biologia, na época além da faculdade de Direito, também cursava a faculdade de Nutrição, o que me habilitava para dar a matéria. Em 2003 fiquei lotado no colégio estadual Ruy Barbosa, no bairro de Nazaré, onde assumi três turmas no turno vespertino. Acredito que meu desempenho foi satisfatório, já que em 2004 me foram dadas sete turmas no mesmo turno, agora no colégio Goes Calmon, no bairro de Brotas.

Não vou negar que o que me motivou inicialmente foi a bolsa, como jovem, queria ter um direito extra para satisfazer pequenos desejos consumistas. Todavia, com o passar do tempo, minha motivação mudou da água para o vinho, principalmente no segundo ano de ensino em que tive um contato mais intenso com os alunos, já que estava presente na escola de segunda à sexta.

No início evitei criar qualquer tipo de laço com os alunos, eu era de certa forma distante deles, não sabia de suas índoles e tinha receio de estar lidando com gente perigosa. É verdade, fui preconceito, mas na época escutava cada história do que se passava dentro das escolas, mas não pude mudar minha natureza, aprendi com os meus pais, e depois com a própria vida, que um sorriso e o bom humor são os melhores cartões de visitas, e sem percebe comecei a brincar com eles.

Um dia tentava ensinar a matéria com desenhos e exemplos que remetessem a piadas ou a fatos do dia-dia, outras vezes procurava algum motivo para fazer uma brincadeira com eles. Nessa altura do campeonato já havia criado vínculos que não só me permitiram ter turmas sempre cheias, mas, sobretudo ter acesso à rotina e a vida pessoal de muitos alunos. Foi a partir desse contato que aos poucos suas histórias de vida me foram revelada, e passei a perder o medo e o preconceito.

Os alunos deixaram de ser para mim indivíduos sem rostos, menos favorecidos socialmente, e que poderiam representar alguma ameaça a minha integridade física ou moral, para jovens, homens e mulheres com histórias de vida marcadas pelas dificuldades de sobreviver com poucos recursos financeiros, por uma rotina laboral cansativa e pela violência. Traficantes, pais e mães de família, jovens com ou sem expectativas de futuro, trabalhadores assalariados, prostitutas. Estes eram alguns dos perfis dos meus alunos, quanto mais sabia deles, menos medo tinha e mais vontade de ensinar passava a ter, eu sabia o nome da maioria, e quando não me lembrava tratava logo de memorizar.

Durante todo esse tempo que ensinei nunca sofri nenhum tipo de violência. Ao contrário, me sentia seguro com eles, eu era respeitado, o fato de ter alunos traficantes ou assaltantes não me dava mais medo, sabia que nada de ruim poderia me acontecer por ter sua simpatia. Já “puxei” várias vezes as orelhas de alguns traficantes, inclusive fiz amizades com eles, tinha acesso livre em regiões de Brotas tidas como violentas.

Ganhei bolo, biscoito, chocolates de senhoras que faziam questão de assistir minhas aulas, até descontos para fazer tatuagens já ganhei. Acredito que o que me fez ter tanto vínculo com esses alunos foi o carinho gratuito que tinha por eles. Eu me preocupava com seus estudos e brigava, até gritava com eles quando sabia que não estavam estudando em casa, percebia que alguns não obedeciam meus conselhos, não queriam estudar mesmo, mas escutavam o que eu dizia, porque sentiam que minha preocupação era sincera. Acho que o que eles precisavam era de atenção, e eu dava, nunca imaginei tratar um traficante como um filho

mal criado e ele responder “foi mal professor, eu vou estudar”, mesmo que fosse só para me dar um retorno aos meus apelos.

O que muito vi foram alunos carentes de bens materiais, mas, sobretudo de afeto. Mas a violência onde estava? Sinceramente nunca vi nada, e nem me passava na cabeça algo desse tipo, inclusive a escola em que funcionava o projeto era tão tranquila que a emoção mais forte da tarde era a gritaria dos alunos do ensino fundamental no pátio na hora do recreio.

Realidade diferente era observada por outros colegas do projeto que ensinavam biologia em outras escolas da cidade. Eles relatavam histórias de todos os tipos de violência, da presença do tráfico de drogas dentro da escola, conflitos diários entre alunos e professores, dentre outras mazelas. Eu não conseguia entender essa discrepância entre as escolas, já que quase todas elas possuíam os mesmos elementos (jovens rebeldes, tráfico, falta de expectativas profissionais, etc.). Então porque em algumas escolas havia relatos de violências e em outras não, isso sempre despertou a minha curiosidade.

Ainda mais com o passar dos anos, já afastado do ambiente escolar, em que os meios de comunicação sensacionalistas começaram a transmitir notícias que abordavam eventos de violências nas escolas com uma frequência quase que diária. Isso me deixava mais incomodado e curioso, se existem violências porque são tratadas de forma universal, ou seja, como se em todas as escolas estas tivessem cadeira cativa. E mais, nos ambientes em que de fato estas foram identificadas o que se tem feito para combatê-las ou minimizá-las, como as escolas soteropolitanas reagem a esses eventos e de que forma são desenvolvidos esses processos e mecanismos.

De fato são muitas perguntas, e gostaria que todas elas fossem respondidas. Não consigo me conforma com as respostas dadas pelos meios de comunicação ou por indivíduos que não possuem nenhuma propriedade de causa. Vivi na pele a experiência de ser professor, e por causa disso acredito que são estes os mais capacitados a responder muitas destas minhas perguntas. A partir de suas experiências pessoais e visões de mundo creio que encontrarei respostas sinceras acerca dessa temática. Não optei em escutar criminalistas, policiais ou jornalistas sensacionalistas, mas sim educadores, que como já fui um dia, têm o compromisso não só em transmitir conhecimentos, mas também em contribuir na formação de cidadãos.