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2 OS PERCURSOS DE MERCANTILIZAÇÃO DA FINLANIDADE

2.3 DÉCADAS DE CRESCIMENTO EXPONENCIAL DO TURISMO (1970-

2.3.1 A década de 1970

Nesse período, foi notado que a maior parte dos atrativos turísticos de Penedo associados à imigração finlandesa está relacionada a atividades produzidas pelos próprios imigrantes e por seus descendentes. O evento de maior destaque referente ao turismo foi a comemoração dos cinquenta anos da chegada dos finlandeses no Brasil, que mobilizou os imigrantes para sua realização e proporcionou maior divulgação do destino.

Conforme afirma Gilmar Mascarenhas (2005), naquela década, Penedo ainda não era uma opção conhecida de destino turístico no estado do Rio de Janeiro. A localidade era conhecida como “Fazenda Penedo”, pertencente à cidade de Resende, que, apesar do potencial, ainda não era um núcleo turístico devido ao “número reduzido de hotéis, boas vias de acesso e de maior energia elétrica” (FIRJAN, 1977 apud MASCARENHAS, 2005, p. 118).

Para Eva Hildén (1989), houve crescimento da urbanização, da cadeia hoteleira e do número de turistas naqueles anos. Esse crescimento se deu, em parte, segundo a autora, pela chegada da energia elétrica às residências de Penedo. Isso foi possível graças à Cooperativa de Eletrificação Rural de Resende. A eletrificação fez com que chegassem mais hotéis e os meios de hospedagem, por sua vez, trouxeram mais turistas, consolidando Penedo como um destino turístico.

Gustavo Praça (2018), em entrevista, concorda que na década em questão houve um aumento de hotéis na localidade. Segundo ele, a qualidade da destinação piorou por conta desse grande aumento repentino de pousadas. A piora se deu pelos impactos do crescimento desordenado de visitantes de estabelecimentos hoteleiros. A hospedagem “caseira” dos finlandeses foi dando lugar a uma hospedagem profissional para atender ao crescente público que vinha para Penedo.

Parece ter ocorrido também um aumento de atrativos para serem conhecidos pelos visitantes. Se, nos anos 60, o carro chefe do turismo finlandês era a convivência com os imigrantes em suas casas – improvisadas como pousadas –, as festividades do Clube Finlandês aos sábados, a partilha das refeições e hábitos como a sauna, na década seguinte foi possível listar doze novos motivos para visitar Penedo, conforme aponta a tabela abaixo.

102 TABELA 3: atrativos turísticos de Penedo na década de 1970

Ano de registro Atrativo turístico

Breve caraterização Fonte 20/01/1970 Massagem Massagista finlandês

Godofredo Bertell65.

Jornal do Brasil –

Caderno B 20/01/1970 Tapeçaria Tapetes produzidos

principalmente pela artista Eila Ampula66.

Jornal do Brasil – Caderno B 08/04/1972 Características ambientais do lugar Temperatura fria e existência de eucaliptos67. Jornal do Brasil – Caderno B

31/08/1972 Sauna pública Lugares destinados a banhos de sauna mediante pagamento.

Jornal do Brasil

05/08/1973 Atelier Eila Ampula

Espaço de exposição das obras da artista.

Jornal do Brasil

25/10/1973 Velas decorativas Produção de velas coloridas e perfumadas68. Jornal do Brasil – Caderno de Turismo. 25/10/1973 Sítio das Castanheiras

Casa de Dona Liisa Uuskallio.

Jorna do Brasil –

Caderno de

Turismo Ano de 1974 Grupo de danças

finlandesas Danças típicas da Finlândia do início do século XX. Sérgio Fagerlande, (2015ª , p. 314) 19/01/1979 Objetos em cerâmica Comercializados como artesanato por Helkka e Maarit.

Jornal do Brasil –

Serviços – Caderno B

19/01/1979 Festa dos 50 anos Evento realizado em

20/01/1979, em

comemoração aos 50 anos de imigração para Penedo.

Jornal do Brasil –

Serviços – Caderno B

Fonte: elaboração própria.

65 Informação complementada, retirada da reportagem do Jornal do Brasil relativa à data de 20 de março de 1972, no Caderno B.

66 Foi encontrada, em uma reportagem de 19 de junho de 1975, no Jornal do Brasil, uma menção de produção de tapeçaria pela família Bertell, sem muitos detalhes. De acordo com Eva Hildén (1989) e Sérgio Fagerlande (2015), esse tipo de artesanato se tornou comum em Penedo. No entanto, os trabalhos de maior destaque são da artista Eila Ampula. Nos jornais pesquisados foram encontrados diversos registros sobre a tapeçaria da artista. Não houve ocorrências de outras pessoas atuando na confecção de tal produto. 67 Segundo a reportagem, essas duas características do destino turístico davam a sensação de se estar na Finlândia.

68 A reportagem não menciona quem eram os responsáveis por esse tipo de artesanato. De acordo com Sérgio Fagerlande (2015; 2018) quem fazia esse tipo de trabalho naquela década eram Martii e Aili Aaltonen. Com o sucesso do produto, outras pessoas, imigrantes finlandeses e outros comerciantes locais, passaram a fabricar e a vender artefatos semelhantes.

103 A principal atração do lugar não era mais a convivência próxima com os imigrantes finlandeses, mas as atividades por eles oferecidas como um produto turístico. Esses atrativos faziam um apelo às tradições trazidas da Finlândia, mas, na verdade, tratavam-se de invenções capazes de favorecer e de facilitar a comercialização de produtos aos turistas como uma forma de sobrevivência.

Dentre os atrativos de maior destaque citados na tabela anterior encontram-se as obras de Eila Ampula, as massagens de Frederico Bertell e os produtos feitos artesanalmente, comercializados por diversos imigrantes. Houve também a criação do grupo de danças folclóricas e a festa dos 50 anos da imigração finlandesa. Estes dois últimos reforçaram a ideia de Penedo como um atrativo turístico finlandês.

A artista plástica Eila Ampula (1997), ao narrar sua história, conta que decidiu pintar na adolescência. Ela relata que nunca gostou de estudar. Interessou-se pelas artes em Penedo. Toivo Suni, um dos imigrantes próximos a Toivo Uuskallio, pintava por hobby e foi quem incentivou Eila Ampula a investir nas artes. Outra influência importante em seu trabalho, segundo ela, foi Portinari.

Segundo Ampula, o próprio Portinari disse a ela “que não precisava de cursos para aprender a pintar. Que iria aprender sozinha” (1997, p. 30). Foram apenas dois encontros com o artista, mas foi o suficiente para encorajá-la a expor seus trabalhos. Desde então, ela se dedicou à produção de obras de arte. Sua expressão artística de maior reconhecimento foi a elaboração de tapetes. De acordo com Eva Hildén (1989), suas obras se tornaram famosas em Penedo como uma expressão das artes plásticas dos imigrantes finlandeses.

FIGURA 27

Tapeçaria confeccionada por Eila Ampula, Santa Ceia. Fonte: CAMEJO (2008)69.

69 Disponível em: <http://ruicamejo.blogspot.com/2008/11/morre-aos-92-anos-eila-ampula-mais.html>. Acesso em: 12 de dezembro de 2018.

104 Outra história interessante é a de Godofredo Bertell. Segundo Danuzia Bárbara (1979), responsável pela matéria sobre os cinquenta anos da colônia finlandesa, publicada no Jornal do Brasil, Godofredo Bertell era um agricultor que veio para Penedo em 1929. Por conta do fracasso da colônia, decidiu mudar-se para a cidade do Rio de Janeiro. Lá, aprendeu a fazer massagens e se tornou famoso nesta área. Bertell conta à repórter que, no seu portfólio de clientes, estava o presidente Getúlio Vargas. Ao retornar para a colônia, na década de 1970, resolveu abrir um espaço para massagens junto ao hotel e ao restaurante de sua família70. Sua massagem classificada como “finlandesa” tornou-se um dos atrativos turísticos.

FIGURA 28

Godofredo Bertell fazendo massagem. Fonte: Institute of Migration, Turku.

Paralelos a esses dois casos, existiam, no período em questão, os diversos trabalhos de artesanato produzidos pelos finlandeses. Entre eles, destacam-se a produção de velas decorativas iniciadas por Martti Aaltonen, a loja de trabalhos manuais de Helkka e Maarit e os condimentos produzidos no Sítio das Castanheiras, de Liisa Uuskallio. Conforme conta Eva Hildén (1989), não ocorria apenas a compra do produto. Junto à experiência eram contadas as diversas histórias da colônia, o que, segundo a autora, agregava valor cultural ao artigo comercializado. Não se tratava, portanto, de simples produtos à venda, mas da própria finlanidade comercializada através deles.

70 A família Bertell veio para a região em 1929, junto com Toivo Uuskallio. Foi uma das primeiras a investir na hospedagem de visitantes. Na década de 1970 há uma ocorrência da abertura de uma sauna e de um restaurante separados da hospedagem, algo não muito comum para o período.

105 FIGURA 29

Marti e Aili Aaltonen em sua loja de artesanato com velas. Fonte: Revista Manchete (1975)71.

Cabe ressaltar que os atrativos do período anterior, como o artesanato em bucha, as geleias, os doces, a sauna e o Clube Finlandês permaneceram ainda como uma tradição que deveria ser conhecida pelo turista em Penedo.

Os produtos que tiveram sucesso em sua comercialização perante os turistas passaram a ser vendidos também por outras pessoas não pertencentes ao grupo, sob a insígnia de serem de origem finlandesa. Um retrato disso pode ser visto principalmente no artesanato.

71 Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=004120&pasta=ano%20195 >. Acesso em: 18 de dezembro de 2018.

106

FIGURA 30 FIGURA 31

Carmen Mena Barreto e sua confecção de cortinas e almofadões72. Fonte: Revista Manchete (1975)73.

Wanda Carrano e seu artesanato, considerado por ela finlandês74. Fonte: Revista Manchete (1979)75.

As saunas, pelo seu sucesso na década anterior, ganharam autonomia com relação aos hotéis, já sendo possível, à época, frequentar uma sauna sem estar hospedado em Penedo. Elas eram chamadas de “saunas públicas”. Mediante pagamento, era possível usufruí-las. No período, já existiam brasileiros e outros imigrantes além dos finlandeses frente ao negócio das saunas, conforme consta em reportagem no Jornal do Brasil76.

72 Jornalista aposentada e mãe de Baby Consuelo. Informações contidas na reportagem da revista.

73 Disponível em: <

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=004120&PagFis=154046&Pesq=Hotel%20Daniel a>. Acesso em: 19 de dezembro de 2018.

74 Wanda Carrano e seu marido, João Carrano, são brasileiros, oriundos de Minas Gerais. Mudaram-se para Penedo no ano de 1955. Desde então, ela e o marido começaram a produzir artesanatos que os próprios denominam como “finlandeses”. Essas informações foram obtidas pela Revista Manchete, na mesma reportagem em que foi obtida a fotografia.

75 Edição publicada em 17 de fevereiro de 1979. Disponível em: <

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=004120&PagFis=183175&Pesq=finlandeses>. Acesso em: 19 de dezembro de 2018

76 Publicado em 31 de agosto de 1972. Disponível em:

<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_09&PagFis=65538&Pesq=sauna>. Acesso em: 19 de dezembro de 2018.

107 FIGURA 32

Sauna Pública, 1970. Fonte: Institute of Migration, Turku.

A mesma coisa pode ser afirmada em relação aos doces. Em uma das reportagens, é apresentada uma loja de doces finlandeses famosa em Penedo, a Casa Girassol, comandada por Dona Andina. Ela é uma senhora de origem portuguesa que tinha bom relacionamento com os imigrantes finlandeses e se utilizava dessa familiaridade com a finlanidade para a comercialização de seus produtos.

Cabe destacar, ainda na década de 1970, a festa de comemoração dos cinquenta anos da colônia finlandesa. Houve a mobilização, por parte dos imigrantes finlandeses, para fazerem um evento não somente na intenção de rememorar a chegada ao Brasil, mas também de realizar a promoção de Penedo como um atrativo turístico finlandês (PRAÇA, 2018). O evento foi amplamente divulgado por jornais e revistas da época, segundo Sérgio Fagerlande (2015b).

Em reportagem feita pelo Jornal do Brasil na véspera do evento, a jornalista Danúzia Barbara77 divulgou a data e a programação da festa. A realização seria no dia 20 de janeiro de 1979. Haveria em Penedo a inauguração de um monumento em homenagem aos cinquenta anos da colônia, um coquetel de comemoração e um baile, no Clube Finlandês.

77 Reportagem publicada em 19 de Janeiro de 1979. Disponível em: <

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_09&PagFis=193029&Pesq=sauna%20p% C3%BAblica>. Acesso em: 19 de dezembro de 2018.

108 FIGURA 33

Festejos dos 50 anos da imigração finlandesa. Fonte: Revista Manchete (1979)78.

Sérgio Fagerlande (2015b) confirma o acontecimento das atividades relatadas por Bárbara (1979). Ele conta que os finlandeses, no referido dia, vestiram-se com os trajes “folclóricos nacionais” (conforme podem ser vistos nas figuras acima) e dançaram polkas,

jenkas, tango e outros ritmos que consideravam “tradicionais” da Finlândia. Ele explica,

em entrevista, que os “trajes nacionais” são inspirados em roupas de festa trazidas pelos imigrantes a Penedo. As peças receberam adaptações para as atividades de dança e uma presença maior das cores azul e vermelho. Helena Hildén (2018) explica que o azul representa os lagos da Finlândia e o vermelho é uma cor usual no país, pois se destaca em uma paisagem embranquecida pela neve.

Em seu livro de memórias, Eva Hildén (1989) faz um breve relato sobre a cerimônia que antecedeu o coquetel e o baile:

No dia 20 de janeiro de 1979, celebramos a festa principal, que começou solenemente com a execução dos hinos da Academia Militar das Agulhas Negras. No palanque estavam o prefeito municipal, Noel de Carvalho, e outras autoridades locais, e alguns visitantes oficiais da Finlândia. Houve discursos e a declamadora finlandesa Lempi Ikävalko apresentou o poema de sua autoria, “Como uma revoada de pássaros”, alusivo à vida dos penedenses durante os cinquenta anos de existência da colônia (HILDÉN, ibid., p. 106).

Sérgio Fagerlande (2015b) complementa que, na referida data, foi lançado um livreto com depoimentos de imigrantes sobre a vida em Penedo, da sua chegada ao dia da

78 Edição publicada em 17 de fevereiro de 1979. Disponível em: <

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=004120&pasta=ano%20195>. Acesso em: 18 de dezembro de 2018.

109 comemoração. A obra foi financiada pela Prefeitura de Resende com o apoio do prefeito Noel de Carvalho Neto.

A exceção à regra da construção de atrativos turísticos pelos finlandeses neste período é a tradição da Lua de Mel. Segundo Gustavo Praça (2018), seu pai foi o responsável por essa invenção. No tempo em que possuía uma agência de viagens chamada Itatiaia Turismo, ele buscava oferecer aos recém-casados a oferta de hospedagem em Penedo. Segundo Praça (2018), seu pai fazia uma busca minuciosa nos cartórios para vender a essas pessoas os hotéis em Penedo e, como havia dificuldades de comunicação para as reservas diretas entre turistas e rede de hospedagem, ele atuava como um intermediário. Após ter vendido sua agência de viagens, resolveu se mudar de vez para Penedo e abrir um hotel, ao qual deu o nome de Hotel Daniela. Ele continuou a atuar no seguimento da “Lua de Mel”, trazendo diversos casais ao seu meio de hospedagem. Cabe lembrar que Frederico de Carvalho79 sempre buscou manter uma imagem de um hotel representativo da colônia finlandesa, no qual oferecia alguns doces e pães produzidos pelos imigrantes, além da sauna.

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