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PARTE I – CONTEXTUALIZANDO O PERCURSO

3. A FORMACAO DE PROFESSORES: PERSPECTIVAS POLÍTICO-

3.3. A década de 1990: a consolidação das políticas educacionais

O período da década de 1990 se consolidou pela abertura política que direcionou os debates acerca da formação de professores a partir de levantamento e dados mais claros acerca da realidade educacional brasileira, eclodindo também em um processo em que o Estado passou a assumir a sua responsabilidade pela realidade social e, consequentemente, trazendo para si o controle sobre a situação política, social e econômica do país.

Para Silva e Abreu (2008, p. 526), a partir da década de 1990, o Brasil passou a viver um cenário de reformulação educacional. Os principais sinalizadores dessa mudança são, dentre outras várias leis e diretrizes, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais, Sistema de Avaliação da Educação Básica, as Diretrizes Curriculares Nacionais propostas pelo Conselho

Nacional de Educação e as políticas de financiamento, tais como a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Básico, dentre outros.

Conforme as autoras, todas essas alterações em termos de regulação nos diferentes níveis de ensino foram determinadas nesse período a partir de processos de avaliação da realidade escolar brasileira que trouxeram à tona uma realidade não condizente com o processo de desenvolvimento almejado pelo governo. Trata-se de dados alarmantes do início da década de 1990 que necessitaram de intervenções rápidas e pontuais como o elevado índice de analfabetos adultos, próximo a 18 milhões de brasileiros e as altas taxas de evasão e repetência escolar no Ensino Fundamental. Este cenário negativo se tornava ainda mais marcante no Ensino Médio, pois os indicadores demonstravam que menos de 25% dos alunos da faixa etária própria desse nível de ensino eram atendidos.

Nesse contexto, o Brasil e diversos outros países em desenvolvimento delinearam suas expectativas educacionais a partir das orientações de organismos mundiais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a UNESCO, dentre outros. Unanimidade entre todos os organismos foi a ideia de que o processo de globalização estava se instaurando e, dessa forma, as movimentações econômicas e sociais entre os países estariam doravante interligadas e fixadas ao setor produtivo. Logo, faz-se necessário estabelecer um processo educacional homogêneo aos países e um entendimento de que as desigualdades sociais estão determinantemente ligadas e encontram soluções no âmbito da educação.

Muitas das orientações prescritas pela UNESCO, assim como pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano, foram incorporadas pela política educacional brasileira que, ao longo da década, ocupou-se da implementação da reforma educacional. As bases para essa reforma foram traçadas, como é possível constatar, com base em uma intensa interlocução entre os atores locais e as agências internacionais (SILVA; ABREU, 2008, p. 528).

Há que se destacar que boa parte das assertivas do poder público se centrou, a partir de então, em projetos voltados à avaliação do Ensino Básico e de Diretrizes que, juntas, poderiam melhorar a qualidade da educação brasileira a partir da elevação dos índices de acesso à escola e do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, os professores passaram a se tornar peças-chave no alcance dessas metas. Exemplo disso é

a perspectiva do poder público presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica– Resolução CNE/CP de 2002 (BRASIL, 2002), que traz em sua essência as perspectivas teóricas acerca das competências e habilidades como base da formação e da avaliação docente, bem como uma preocupação exacerbada pela relação teoria-prática.

Nesse sentido, na concepção de Silva e Abreu (2008, p. 530 – grifos das autoras):

[...] é possível constatar a concepção de teoria e prática presente no ideário oficial: a reflexão deve ser tomada pela ótica da prática, do que nos atinge cotidianamente, ou seja, retirar a formação de professores da formação científica e acadêmica própria do campo da educação, localizando-a em um novo “campo” de conhecimento: o da “epistemologia da prática”. Verifica-se, portanto, nas políticas de formação docente a sua redução aos aspectos técnicos da atuação docente pela focalização, nestes programas, da sala de aula e das metodologias de ensino.

Segundo Xavier (2009, p. 2), a abertura política desse período trouxe para o seio das instâncias das quais emanam as políticas educacionais, principalmente no âmbito da Educação Básica, o debate a partir dos pesquisadores da área de Educação, para os quais a formação de professores tornou-se uma questão central. A consequência disso foi a formulação, a partir de então, de inúmeras leis e documentos produzidos no decorrer das últimas décadas, tendo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/1996) como o marco histórico do período. Esse documento, tratando o professor agora como Profissional da Educação, colocou a sua atuação como agente de mudanças e responsável pela formação das futuras gerações, considerando-o como um elemento central à implementação das reformas da educação básica.

Por outro lado, vale destacar que, constituídos em um cenário de reforma do Estado Capitalista e de globalização da economia, os debates acerca da formação dos profissionais da educação, passaram a tratá-los em alguns momentos como culpados das mazelas do sistema educacional, em outros como vítimas do próprio sistema e, até mesmo, como únicos salvadores do sistema educacional brasileiro.

Para Freitas (2002, p. 2), as perspectivas acerca da reforma da educação após a década de 1990 se dispõem de tal maneira porque têm a avaliação como a chave-mestra que abriu caminho para todas as políticas educacionais a partir de então implantadas,

todas assumidas como bandeiras do desenvolvimento socioeconômico pelos mais diversos setores públicos e privados, assumindo, inclusive, condição preponderante para a adequação do país aos anseios do mundo agora globalizado.

Ainda, segundo essa autora, a partir da LDB o poder público passou a constituir um processo de regulação educacional no qual o campo da formação de professores passou a adquirir um papel central, respondendo a questões como quais são os conhecimentos necessários a todos os educandos e como desenvolver o aprendizado de tais conhecimentos. Nesse sentido, as Diretrizes para a Formação de Professores surgiram sob o norte de como preparar os professores (competências necessárias) para educar no Ensino Básico e como avaliá-los nessas tarefas educativas.

Para Fazenda (1998, p. 160), a partir da década de 1990 o tema “formação de professores” passou a ocupar um relevante espaço em todos os setores da sociedade. No entanto, próprio das sociedades modernas, a partir dos meios de comunicação é que o assunto passou a tomar dimensões importantes e ser socialmente disseminado, tanto nas instâncias públicas quanto naquelas de competência privada. Boa parte das abordagens dos meios de comunicação diz respeito a se os professores estão bem formados ou capacitados para atuarem nas suas profissões. Tal preocupação, segundo a autora, é justificável, haja vista:

Na sociedade contemporânea, cada vez se torna mais necessário o trabalho do professor como mediação nos processos constitutivos da cidadania dos alunos, o que concorre à superação do fracasso e das desigualdades escolares (FAZENDA, 1998, p. 161).

Faz-se necessário evidenciar que no período pós década de 1990, o Ministério da Educação – MEC passou a relativizar melhor o âmbito do processo formativo na Educação Básica e a lançar um olhar mais criterioso ao Ensino Superior. Assim, várias mudanças ocorreram no órgão, que implantou departamentos responsáveis pelas expectativas de formação superior, inclusive para as Licenciaturas e para a EAD – Educação a Distância. Ressalte-se que, em boa parte, a formação superior na modalidade em EAD passou a receber uma maior atenção do poder público devido a sua perspectiva de ferramenta para diminuir os índices de professores brasileiros sem formação superior.

Nesse contexto, as Ciências da Educação, sob uma perspectiva transdisciplinar e multidisciplinar, passaram a discutir aspectos da formação docente que até então estavam relegados às Ciências Sociais. Dentre esses aspectos, destaquem-se os estudos acerca da constituição identitária docente como uma expectativa de intervenção sobre o ensino-aprendizagem e os destinos da Educação Básica. É relevante lembrar que a valorização das formações inicial e continuada perpassa significativamente os aspectos acerca da profissão docente, haja vista a constituição de um professor não se estabelecer única e exclusivamente a partir dos conhecimentos específicos que ensina.

Nesse contexto, segundo Fazenda (1998), a identidade do professor já começa a se constituir no início de sua formação profissional e irá ganhar evidência no âmbito prático, na sala de aula, no relacionamento cotidiano com alunos, com as normas, com a sociedade e o contexto prático e normativo do seu trabalho na escola.

A identidade não é um dado imutável nem externo que possa ser adquirido. É um processo de construção do sujeito historicamente situado. A profissão de professor, como as demais, emerge em dado contexto e momentos históricos, como respostas às necessidades postas pelas sociedades, adquirindo estatuto de legalidade [...]. Outras profissões não chegam a desaparecer, mas se transformam, adquirem novas características para responder a novas demandas da sociedade. Esse é o caso do professor e essas considerações apontam para o caráter dinâmico da profissão docente como prática social. É na leitura crítica da profissão diante das realidades sociais que se buscam os referenciais para modificá-las (FAZENDA, 1998, p. 164).

Dessa forma, há que se considerar que boa parte das reflexões acerca da formação de professores tem sido praticada mediante a articulação entre as teorias educacionais existentes e a prática cotidiana de sala de aula, construindo-se, assim, novos saberes a partir dessa tendência reflexiva acerca do desenvolvimento profissional sem o estabelecimento de aspectos limítrofes no que tange à constituição profissional docente.

Por fim, no que diz respeito a este breve apanhado histórico, vale destacar que a história da educação e, consequentemente, a formação docente têm íntima ligação com as ideologias adotadas pelos governos, tanto no âmbito local, quanto global.

Em tese, as expectativas ou planejamento governamentais deveriam se constituir como instrumentos para catalisar as necessidades dos campos científicos, econômicos e sociais das várias instâncias e grupos que compõem a sociedade, tudo com o propósito

de equilibrar as tensões e os movimentos instituídos socialmente. No entanto, na prática, o que vimos é que, a rigor, em função do nível de abertura política, os períodos históricos demonstram que houve sempre uma busca incessante pelo controle dos grupos. A partir disso, dependendo da estrutura política, alguns setores ganharam espaço de participação em detrimento a outros. Nessa perspectiva, destaque-se que os últimos períodos por que passou a educação foram sedimentados por uma estrutura política de âmbitos econômico e social centrados nas expectativas de uma nova ordem globalizada, que instituiu novos poderes e novas formas de perceber e delinear a sociedade e a formação de seus vários setores produtivos e organizacionais.

Assim, considerando o forte papel das políticas públicas para o ensino e sua estreita ligação com as ordens econômicas locais e globais, há que se destacar que todas as decisões e direcionamentos para a educação são constituídos por meio de documentos oficiais que têm o papel preponderante de concretizar as estruturas sócio-educacionais objetivadas pela sociedade, representada neste caso pelo Estado.

Enfim, a partir da segunda parte deste trabalho, passaremos a analisar alguns documentos oficiais que podemos considerar como “textos privilegiados”, pois circulam largamente no meio educacional e, portanto, são estabelecidos como norteadores da educação brasileira e da constituição dos sujeitos que a produzem e por ela são produzidos. Por isso, visando estabelecer uma análise dialógica acerca da constituição de tais documentos, seguiremos um percurso que se estabelecerá desde as suas esferas de circulação e condições de produção, até a constituição dos sujeitos envolvidos em seus processos dialógicos, a partir de suas vozes, conflitos e identidades discursivo e socialmente produzidas.

4. PROCEDIMENTOS NECESSÁRIOS PARA O DIÁLOGO COM O CORPUS: