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PARTE I – CONTEXTUALIZANDO O PERCURSO

6. A LDB/96 – LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO:

6.3. O ensino superior a partir da LDB

Há de se destacar que, em vista do que discutimos até o momento, a LDB demarcou profundamente a Educação Brasileira em todos os seus âmbitos, sendo que um nível de ensino está determinantemente ligado ao outro, influenciando constitutivamente as expectativas de um sobre o outro, bem como configurando consequências que vão alterar também as operações entre um nível e o outro. A título de mero exemplo, citem-se a necessidade de aumento de vagas no Ensino Superior e a importância a ele relegada.

Todas as perspectivas da LDB têm a sua gênese constituída em momentos anteriores à sua promulgação. Destaque-se, como momento demarcador, a redação do novo texto da constituição em 1988. Neste, o Ensino Superior possui pouco destaque, estabelecendo genericamente a área em questão apenas a partir do seu artigo 207, que lhe assegura “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, apontando que as instituições de Ensino Superior “obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Outras perspectivas conceituais e diretivas caras ao funcionamento do Ensino Superior Brasileiro ficam implícitas na constituição de 1988, nos artigos referentes aos princípios da educação em geral. Dessa forma, é somente a partir da LDB/1996 que o dimensionamento e o papel do Ensino Superior frente aos anseios da sociedade se tornam mais claros e mais preponderantes discursivamente nos aspectos regulatórios da União.

Na LDB, além dos espaços em que se discute a educação em âmbito geral, o capítulo 10IV é totalmente dedicado ao Ensino Superior Brasileiro, mais precisamente

no artigo 43 ao 57. No artigo 43, são discutidas as finalidades do Ensino Superior, no artigo 44 definem-se os seus cursos e seus programas e no artigo 45 estabelece-se que esse nível de ensino será explorado por instituições de ensino superior públicas ou privadas, estabelecendo até o artigo 57 discussões sobre processos autorizativos, supervisão, emissão de diplomas, o papel da união frente ao ensino superior etc.

Ressalte-se que as questões relacionadas ao Ensino Superior Brasileiro, no período em que foi criada a LDB, tinham enorme importância frente às expectativas governamentais brasileiras no que concerne às relações políticas com outros países. Assim, para esse nível educacional, foram estabelecidas várias determinações do poder público, a partir de outros Decretos11, Resoluções e Leis, os quais demonstram a emergência por que passava o governo brasileiro em assentar o Ensino Superior no patamar do que se espera em uma sociedade globalizada.

Vale destacar que o incentivo à abertura de instituições privadas com fins lucrativos, aliado à aceitação de que é possível formar academicamente profissionais sem a necessidade de produção de conhecimentos e sem pesquisa, foi determinante para que o capítulo IV da LDB fosse ampla e rapidamente legislado nos anos seguintes à promulgação da Lei.

Neste aspecto, revelada a partir das mudanças que hoje vemos no Ensino Superior Brasileiro, a ideologia do Estado vai se estabelecer, determinantemente, no que percebemos hoje em termos da dificuldade de constituição identitária da própria Universidade, haja vista perceberem-se claramente as expectativas globalizadas do mercado e da economia incutidas discursivamente na essência da formação acadêmica na atualidade. Apesar de não ser o nosso foco de análise, vale a pena fazermos uma reflexão sobre o modelo neoliberal de sociedade instituído nas últimas décadas: a política e o Estado são representantes de uma determinada classe social, a qual, naquele dado momento da história em que foi instituída a LDB/1996, constitui-se e se apresenta como detentora do poder. Dessa forma, o poder público representa os interesses desta classe e defende suas ideologias. Conforme Chauí (2001, p.84), “a ideologia é o processo pelo qual as ideias da classe dominante tornam-se ideias de todas as classes sociais, tornando-se ideias dominantes”. Ou ainda:

11 Destaquem-se a Lei 9.131 de 24 de novembro de 1995, Decreto 2.306, de agosto de 1997, Decreto

a educação procede ideologicamente em dois níveis: enquanto processo, pois transmite e reproduz conteúdos culturais, impondo-os às classes dominadas; enquanto ideologia pedagógica ou sistema de pensamento, que tem por objetivo camuflar, através de um discurso articulado, as reais relações de violência material e simbólica (SEVERINO, 1986, p.48)

Nessa linha de raciocínio, vale destacar que o processo educacional ou a forma com que se constitui a educação, através dos conhecimentos, valores e ideologias que ela transmite, faz-se como um meio de estabelecer e reproduzir as forças vigentes na sociedade. Nesse sentido, as normas que estruturam a sociedade são fios condutores dos modos com que o Estado pretende determiná-la.

6.3.1. As finalidades do ensino superior conforme a LDB

O artigo 43 do capítulo IV da LDB aponta os objetivos da Educação Superior Brasileira, a saber:

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Inicialmente, temos de considerar que as reflexões referentes à LDB aqui postas virão à tona também em outros documentos que orientam a educação brasileira e a formação do licenciado em Letras (professor de Língua Materna), este, por sua vez, o centro de nossas análises. Afinal, como já afirmamos, nenhum elemento discursivo se constitui nessa área de maneira totalmente isolada. Ao contrário, trata-se de processos condutores de significados e de constantes ressignificações.

O artigo 43 se apresenta na LDB como a proposição mais contraditória no que concerne ao momento histórico e aos objetivos circundantes da Educação Brasileira e aos caminhos determinados para o Ensino Superior. Afinal, se, por um lado, a equação almejada pelo Estado é o aumento significativo de oferta em nível de formação superior, por outro, o texto do artigo 43 sacramenta, sem meias palavras, a variante acadêmica do ensino superior, o que já vinha sendo praticado desde a reforma universitária de 1968, ou seja, a prerrogativa de uma instância privilegiada da construção do conhecimento a partir da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico. Trata-se, portanto, de algo contraditório em face da aceitação de que é possível formar bons profissionais sem a obrigação de que isso se faça de maneira dissociada da pesquisa.

Ao citar, no inciso II, o objetivo de formar diplomados aptos para o mercado de trabalho, verifica-se, de imediato, que a nova LDB busca não centralizar no âmbito do saber educacional acadêmico-científico o poder de habilitar o portador para o exercício profissional. Trata-se da realização do que já apontamos em outros momentos: o objetivo de a educação brasileira ir ao encontro da lógica mundial de inserir no mercado de trabalho o máximo de profissionais diplomados, mas considerando as necessidades econômico-sociais. Isso é uma mudança apregoada nos países que mantêm uma completa independência no sistema de ensino em relação ao sistema profissional.

No entanto, nos outros incisos do artigo 43, é possível verificar que a tentativa de manter a lógica do Ensino Superior instaurada em seu privilégio acadêmico universitário se apresenta de maneira explicita, como se fosse uma arena em que ocorre uma luta incessante entre a lógica de mercado e a manutenção da universidade como uma instância clássica de constituição do conhecimento científico.

Veremos mais adiante que essa arena discursiva instituída entre as instâncias regulatórias e os envolvidos diretamente no cotidiano universitário, apresenta-se de

forma constante em todos os documentos que regulam a formação em nível superior e que denotam forças que buscam estabelecer modos de ser e operar as Instituicoes de Ensino Superior e, portanto, a identidade docente. Essa arena é resultado de um cenário que desponta há décadas desde o momento da promulgação da LDB: enquanto as instituições universitárias privadas seguem, convictas, a lógica do mercado na oferta de seus serviços educacionais, as universidades públicas, assim como a educação pública em geral, se debatem num confronto de múltiplas faces, as quais enfrentam a necessidade de inovar para atender às necessidades surgidas no seio da sociedade, principalmente de formação de mão de obra, da modernização e do desenvolvimento tecnológico, o que, muitas vezes, leva seus defensores a ter de assumir uma posição vista como conservadora.

A partir do inciso III, o artigo 43 se apresenta como um terreno discursivo em que caminham lado a lado e se unificam ideologicamente, cidadãos, trabalhadores e estudantes. Afinal, ao mesmo tempo em que busca inserir o ensino superior num patamar em que ensino-pesquisa-extensão se constituem de maneira indissociável, o atendimento às necessidades da sociedade e do mercado se estabelecem como sua obrigação plena.

Dessa forma, entre as constatações que emergem discursivamente a partir da LDB, destaca-se o conflito de vozes e de posições discursivas com que ela se estabelece. Trata-se do dimensionamento do momento histórico-social por que passa o Ensino Superior Brasileiro, cheio de desafios frente à fragmentação de suas ideias e de seu lugar na educação. De um lado, o ensino superior enfrenta a pressão do modelo mundial de formação profissional em massa, através de seu responsável principal, o Estado, para o desenvolvimento econômico-social do país, o que poderíamos chamar de discurso da globalização, do outro lado, o poder público enfrenta a pressão do Ensino Superior, que busca assentar o conhecimento notório de várias áreas do saber como fonte legítima e suficiente para formar os profissionais para a sociedade. Nesse âmbito, as vozes da Universidade buscam não assentar os seus valores no âmbito da quantidade de profissionais, mas da qualidade destes, contexto em que a expansão do Ensino Superior ficaria em segundo plano.

7. AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇAO DE