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A D IFERENCIAÇÃO DO L ÓGOS A P ARTIR DA M OSTRAÇÃO : A

S EM L ÓGOS A P ARTIR DAS F ORÇAS S EGUNDO O L ÓGOS

3.2 O L ÓGOS E A A BERTURA DO Â MBITO DA P OSSIBILIDADE

3.2.3 A E STRUTURA DO L ÓGOS : A LGO COMO A LGO

3.2.3.1 A D IFERENCIAÇÃO DO L ÓGOS A P ARTIR DA M OSTRAÇÃO : A

PREDICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO

Só depois de aparecer pela ocupação que algo pode ser tomado predicativamente e comunicado. Para Heidegger, o lógos é marcado por três momentos: mostração, predicação e comunicação. Esses três mo- mentos não são pensados como estruturas objetivas de qualquer língua ou modo universal da expressão humana, mas como formas de compre- ender um fenômeno complexo. Eles indicam os modos como o lógos pode ser compreendido na maior parte das vezes.

Acerca da mostração, já foi apontado de que modo Heidegger pensa esse sentido do lógos, a saber, como o modo originário com que algo vem ao encontro do homem dentro de um conjunto de significân- cias já estabelecido. Mas o lógos pode também ser compreendido como uma predicação. Esse segundo caráter do lógos é possível porque o que se deu como mostrado agora é guardado a partir da determinação mos- trada pela ocupação. “No enunciado expresso a própria coisa mostrada se torna então acessível e está, por assim dizer, guardada” (HEIDEGGER: 2004, 112). O que aparece como algo que se mostra a partir da ocupação é num segundo momento determinado. O lógos, na predicação, se concentra somente no que propriamente trata. Ele não tem como se fixar no ato mesmo de enunciar.

E não poderia ser diferente. Quando, no falar cotidiano, se usam as palavras e o lógos acontece, não se presta atenção no momento mesmo do falar e nem nas suas condições de possibilidade. As palavras são usadas como um acervo disponível de significados. O lógos já parte do disponível para se fazer comunicável por meio da predicação. Fun- dado na mostração, ele não fica preso nesse primeiro momento. Além disso, como estrutura existencial do homem e, portanto, temporal, ele supõe já o enlace entre o fundante (a mostração) e o fundado (a predica- ção e a comunicação). A mostração só se faz acessível depois de formu- lada a primeira sentença predicativa. Esta por sua vez só faz sentido para

um ente que é ser-com os outros e, assim, comunicativo por excelência. O momento mesmo da mostração em que se funda o lógos só pode ser visto a posteriori. O lógos não pode se prender no ato mesmo de fa- lar/mostrar já que, nesse ato, ele já está às voltas com significados já disponíveis e, por conseguinte, sujeitos à predicação e comunicação. Estas nascem essencialmente da atitude de o homem se fixar na coisa falada enquanto tal e não na estrutura objetivante que leva ao seu apare- cimento. Essa atitude leva o homem a se concentrar somente sobre aquilo do que se fala, tomando-o apenas como mera presença (Cf.: HEIDEGGER: 2004, p. 129). 63

Isso significa que o lógos já sempre trata algo como algo e no ato de enunciar ele já determina algo como algo. Dessa determinação, de tomar algo como algo, é que nasce, para Heidegger a predicação. Um objeto, um tijolo, nunca aparece como simplesmente algo que se dá em uma ocupação. Um tijolo nunca é algo inefável. O tijolo aberto pela ocupação está aí como algo disponível para o lógos. Ser disponível para o lógos significa justamente carregar a possibilidade de ser determinado

como isso ou aquilo. Isso porque para os entes intramundanos o único

meio de compreensão é sempre remeter ao conjunto de significâncias a que esse ente pertence, isto é, a compreensão de um ente sempre se dá a partir de sua determinabilidade frente aos outros entes.

Mas o lógos nunca está completo se também não leva em conta a possibilidade da comunicação. Não há linguagem privada para Heideg- ger, entendendo-se isso como um lugar onde o homem está sozinho com seus pensamentos 64. Por isso, o lógos nunca é somente uma mostração e uma predicação. Ele determina o mostrado tendo em vista sempre a possibilidade da comunicação.

Essa é a razão pela qual Heidegger afirma que

No falar vivo, uma apóphansis é enunciado nos três signifi- cados de uma vez; quer dizer, estes três significados termino- lógicos do título “enunciado” que se discorreu e se diferen- ciou de modo vazio, [percebemos agora] que cada um se re-

63 Essa é a atitude fundamental do homem diante do ente, o modo como os gregos e o mundo

ocidental compreendem o ser, segundo Heidegger. O ente é compreendido como copresença e confundido com a presença de um ente qualquer. Pode-se dizer: o ser de um ente é algo copresente a ele, seu ser é presença constante. O problema é confundir o ser com o ente.

64 Uma interioridade é a condição de existência dessa fala privada, mas essa fala privada só é

possível com o lógos que já é sempre comunicação. Isso implica que o homem não tem uma essência antes de sua “entrada” no lógos, mas sim que já vive e constrói sua interioridade a partir do encontro com outros falantes.

fere a um momento estrutural determinado do lógos. (HEIDEGGER: 2004, p. 112-3)

Quando Heidegger mais tarde em Ser e tempo está discutindo a estrutura da interpretação como um existencial constitutivo da compre- ensão é este fenômeno que ele tem em vista. Nessa obra, o filósofo afirma que “o projeto da compreensão possui a possibilidade própria de se elaborar em formas” (HEIDEGGER: 2005a, p. 204), isto é, o que é aberto pela compreensão já tem em si a possibilidade de ser articulado, elaborado e determinado de algum modo. É esse elaborar em formas, chamado por Heidegger em Ser e tempo de interpretação, o primeiro passo para a predicação e conseqüente comunicação.

A circunvisão descobre, isto é, o mundo já compreendido se interpreta. O que está à mão se explicita na visão da compre- ensão. Todo preparar, acertar, colocar em condições, melho- rar, completar se realiza de tal modo que o manual dado na circunvisão é interpretado em relação aos outros em relação ao ser-para como tal, ou seja, que se explicita na compreen- são, possui a estrutura de algo como algo. (HEIDEGGER: 2005a, p. 205)

A interpretação é a atitude de tomar algo como algo. O ente que se abre na compreensão é interpretado a partir daquilo com que ele está relacionado ou remetido. Isto é, a experiência de um novo objeto, de um novo tipo de material de construção, por exemplo, está dada para a compreensão, de entrada, como algo que se usa na construção e, mais explicitamente, como algo que se assemelha, por exemplo, a um tijolo. A estrutura como (als) é o modo como a compreensão se articula em possibilidades de explicitação. O novo material, por outro lado, é com- preendido como tal porque se explicitou como isso ou aquilo. Assim, se a compreensão é o momento fundamental da abertura do sentido de um novo objeto, ela depende da estrutura como da interpretação para poder explicitamente fazer referência ao todo de significâncias denominado mundo.

Mas, como foi dito, Heidegger faz notar que “o modo de lidar da circunvisão e interpretação com o manual intramundano [...] não precisa necessariamente expor o que foi interpretado na circunvisão numa

proposição determinante” (HEIDEGGER: 2005a, p. 205). A estrutura como é um modo pré-predicativo de articulação do lógos. Ela diz respei-

to à condição de possibilidade das coisas serem articuladas em proposi- ções e comunicadas.

Agora, como pode algo que se abriu para alguém na ocupação vir a ser dito no enunciado predicativamente com o objetivo de comunicar? Isso só pode acontecer, segundo Heidegger, a partir de uma mudança na estrutura do como. Heidegger fala em mudança porque não pode supor outra estrutura diferente. Seria duplicar o âmbito dos entes e novamente ter que buscar uma unidade entre eles. Assim, tanto o lógos como mostração quanto o lógos como predicação e comunicação são baseados na mesma estrutura. Somente uma modificação dessa estrutura é que leva a diferentes modos dela se dar.

Em outras palavras, pode-se dizer que a estrutura da compreensão que compreende as coisas como algo já tem em si a possibilidade de ser predicação e comunicação. Os três momentos, mostração, predicação e comunicação, não são tipos específicos de lógos. Eles se dão por inteiro a cada instante. Essa estrutura acaba por se referir também a outra estrutura que em Ser e tempo Heidegger chama de unidade do ser-no- mundo (cf. por exemplo: HEIDEGGER: 2005a, p. 184-85). Aí Heideg- ger mostra que o ser-no-mundo é formado por remissões essenciais que ele chama de ser-junto-ao-mundo, o ser-com e o ser-próprio. O primeiro deles se refere ao modo como o homem lida com os entes, a saber, como algo que vem ao encontro do homem. O segundo modo diz respeito ao modo do homem lidar com os outros entes como ele, entes que compre- endem o ser. E o terceiro momento é a possibilidade mesma de o ho- mem assumir seu próprio ser, isto é, sua história e suas possibilidades. Mas como momentos estruturais, não existe uma precedência temporal de um momento em relação ao outro. Eles todos são ao mesmo tempo. Eles perfazem o ser do homem, sua unidade estrutural e alcançam sua justificativa não de um outro momento anterior a eles, mas, fenomeno- logicamente, a partir de si mesmos.

O lógos, como fenômeno complexo que perfaz o ser do homem, também se articula estruturalmente. O lógos, quando interpretado feno- menologicamente, revela, para Heidegger, ao mesmo tempo, os três momentos. Como mostração, ele diz respeito ao ser-próprio do homem, deste que compreende o ser. Esse é o âmbito originário em que se dá a abertura fundamental da compreensão do ser. Como predicação, o lógos diz respeito ao modo do ser-junto-ao-mundo do homem. Ao serem predicados é que os entes se fazem acessíveis, se dão junto do homem. Como comunicação, o lógos mostra o aberto e acessível para o ser-com, para os outros que coabitam no mesmo mundo. É por ter à sua disposi- ção o lógos como algo que mostra o sentido dos entes que, por sua vez, se dão junto ao homem como possibilidade de predicação, que o homem pode comunicar o seu sentido por meio da fala.

Assim, quando Heidegger se propõe a estudar em que sentido al- guma coisa pode ser chamado lógos, ele não tem como separar o lógos como mostração, predicação e comunicação. Fenomenologicamente, esses momentos se dão ao mesmo tempo. O lógos nunca acontece como uma mostração meramente, ou como uma mostração para um ente qualquer. Ela se dá para um ente que além de aberto para ser é também ser-no-mundo e com outros como ele. E aquilo que se dá na mostração está sempre posto à disposição de uma comunicação por meio da predi- cação.