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3 A NOÇÃO DE DOCUMENTO EM DOCUMENTAÇÃO

3.1 A CONSTITUIÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO

3.1.4 A D OCUMENTAÇÃO NO B RASIL

No Brasil, as questões relativas à constituição da Documentação puderam ser observadas, relata e detalha Ortega (2009a), em ações como: envolvimento de brasileiros no IIB no início do século XX; criação, em 1954, do Instituto Brasileiro de Bibliografia e

Documentação (IBBD34); e a criação do Grupo Temma na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo – ECA/USP.

“Os princípios documentários em geral e a obra de Otlet são conhecidos no Brasil principalmente em função de a CDU ser adotada em práticas profissionais e compor os conteúdos de ensino de cursos de graduação de Biblioteconomia” (ORTEGA, 2009a, p. 1835). Nesse sentido, o estudo das técnicas e dos fundamentos da Documentação brasileira associou-se, em geral, às práticas bibliotecárias e se evidenciaram nas denominações de cursos ou de departamentos acadêmicos.

[...] supomos que desde então várias expressões compostas foram e são utilizadas pela área, levando a dificuldades de construção identitária, co- mo: Bibliografia e Documentação, Informação e Documentação, Bibliote- conomia e Documentação, Ciência da Informação e Documentação, Bi- blioteconomia e Ciência da Informação, Biblioteconomia e Gestão da Infor- mação (ORTEGA, 2009a, p. 26).

Apesar de, com frequência, representarem a área e exercerem influência reci- procamente, Biblioteconomia e Documentação têm objetivos próprios. A Biblioteconomia se ocupa, primordialmente, em gerenciar serviços de bibliotecas em função do acervo que possui ou adquire; a Documentação busca representar os conteúdos de documentos para fins de recuperação, sem se prender a uma instituição documentária específica: “[...] o ponto comum entre Biblioteconomia e Documentação é o trato com a informação bibliográfica, de tal modo que, se a primeira não opera somente no âmbito de bibliotecas, a segunda não as exclui.” (ORTEGA, 2010a, p. 304).

Em nível de pós-graduação, preferiu-se a adotar a denominação “Ciência da Informação”, influenciada pela corrente estadunidense. Contudo, o Grupo Temma iniciou seus trabalhos ancorado na Documentação francesa, buscando aportes teóricos inicial- mente na Linguística, nos termos de Jean-Claude Gardin, e, posteriormente, na Semiótica, na Lógica, na Comunicação e na Terminologia, para dar cientifização à área denominada de ‘Análise Documentária’ (ORTEGA, 2009a, p. 19). Depois, a herança europeia alcançou outros ambientes acadêmicos como a Escola de Biblioteconomia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP, Campus Marília), por meio dos estudos realiza- dos na USP, posteriormente fazendo suas próprias interlocuções com pesquisadores espanhóis.

Apesar disso, observamos que a Documentação brasileira recebe mais

34 O IBBD, posteriormente, passou a ser denominado de IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia).

35 A CDU, “Classificação Decimal Universal”, é instrumento documentário adotado para a classificação biblio- gráfica de muitos sistemas de informação documentária brasileiros.

influência da corrente estadunidense que tende a entender a Documentação “[...] como Biblioteconomia Especializada (como se evidencia pelos termos documentação médica, documentação agrícola etc.); ou abordada segundo o tipo de documento tratado (documen- tação audiovisual, fotográfica, fílmica etc.)” (ORTEGA, 2009a, p. 19).

Em nossa análise, seguimos a proposta de Rendón Rojas (2011) na qual a abordagem da Biblioteconomia36 e da Documentação apresentam um núcleo central co- mum, que, além delas, abrange a Arquivística e a Museologia.

Esse núcleo compartilha objetos, conceitos e teorias sobre: usuários, informa- ção, documentos, fontes de informação, instituição informativa-documentária, fluxo de infor- mação, ciclo social do documento, gestão informativa-documentária, ações comunicativas e outros. Nesse sentido, cada disciplina, certamente, possui suas particularidades: “por exem- plo, ainda que classificar e organizar seja comum para a Biblioteconomia e para a Arquivís- tica, o princípio geral é válido para ambas; cada qual o faz com diferentes critérios” (REN- DÓN ROJAS, 2011, p. 85, tradução nossa).

Afora Biblioteconomia, Arquivística e Documentação, chamadas por Rendón Rojas de ‘disciplinas internas, há um grupo de ‘disciplinas externas’, assim denominadas por ele (2011, p. 87), que não compartilham o núcleo central do processo informativo documen- tário, mas entram em diálogo interdisciplinar com as disciplinas internas, de modo que estas, auxiliadas pelas disciplinas externas, solucionem seus problemas teóricos e práticos.

Se o diálogo com as disciplinas externas é salutar, mais ainda é o diálogo entre as disciplinas internas ou disciplinas informativo-documentárias. Nesse sentido, apesar de trabalharem sob pontos de vista distintos, Biblioteconomia e Documentação se comple- mentam, e a parte que nos interessa dentro dessa complementaridade se refere à noção de documento na Documentação, discutida na seção seguinte, e à noção de obra na Biblio- teconomia, que será abordada na seção 4.

3.2 O DOCUMENTO

Lund (2009), em artigo de revisão, mostra que a noção de documento é conceito discutido de modo amplo por pesquisadores da Europa Continental, notadamente França e Espanha, como: Escarpit (1991), Meyriat (1981), Sagredo Fernandez & Izquierdo Arroyo (1983), López Yepes (1981, 1995, 1997, 2006) e Martínez Comeche (1996).

Para fins de exposição, apresentamos os aspectos filológicos do documento e de sua evolução e do seu papel na veiculação de mensagem. Finalizamos com a noção de

unidade documentária, que é um aspecto central dentro da dissertação.

De acordo com López Yepes (apud MARTÍNEZ COMECHE, 1996), García Gutiérrez (1999) e Escarpit (1991) o termo documento é originário do latim documentum, que, em termos jurídicos, é aquilo que serve à instrução como prova. Documentum remonta aos termos gregos doceo (traduzido como aprender) e disco (traduzido como ensinar ou instruir). Desse modo, o sentido de documento se estende à aprendizagem ou à comuni- cação do saber.

O documentum, em sentido material, refere-se ao que se aprende ou se ensina, e em sentido formal, é a consequência abstrata obtida do elemento físico, tangível ou real. Martínez Comeche (1996) busca ampliar o aspecto filológico de documento, apresentando conceitos oriundos de dicionários espanhóis. Em grande parte, tais conceitos se associam aos sentidos de doutrina, de ensino, de instrução, de conselho e de prova (evidência).

Além disso, Sagredo & Izquierdo (1983, p. 173ss), baseados no “Diccionario de

la R.A.E.”, salientam as derivações da raiz ‘document’: o ‘documento’, para se referir à

materialidade; ‘documentar’, para se referir a ação; ‘documentado’, para se referir àquilo que é acompanhado por documentos ou a quem possui notícia ou prova de algum assunto; ‘documentário’, que se refere a duas vertentes, uma para designar aquilo que se apoia em documentos ou diz respeito a eles e outra que designa filmes cinematográficos com propósitos informativos; e, por último, ‘documentalmente’, para se referir ao advérbio.

Vale citar ainda que, além desses sentidos, Couzinet, Régimbeau & Courbières (2001) afirmam que o termo ‘documento' designa um exemplo ou um modelo.

Uma proposta científica para a noção de documento foi feita por Otlet na obra que citamos acima, “Traité de Documentation” (1934). A ele, seguiram-se os estudos de Briet, Escarpit e Meyriat. Lara (2010) resume os estudos nos termos apresentados no quadro da página seguinte.

Otlet vê o documento em sentido amplo, partindo do termo de caráter genérico

biblion, bibliograma ou documento que abrange tipos como: volumes, folhetos, revistas,

artigos, cartas, diagramas, fotografias, estampas, certificados, estatísticas, inclusive discos e filmes. (OTLET, 1934, p. 43). Além disso, segundo Moralez López (2008, p. 18), o termo grego biblion era usado pelos gregos para aludir ao que atualmente entendemos como obra.

Otlet (1934, p. 43) enxergava biblion como a unidade intelectual e abstrata que pode ser encontrada de modo concreto e real em diferentes maneiras. Como unidade,

biblion corresponde ao que o átomo é para a Física, a célula em Biologia, o espírito na Psi-

ser apurado segundo um princípio monográfico, a partir do que é decomposto em unidades documentárias que, posteriormente, são combinadas a partir de um ponto de vista enciclopédico e universal, nos termos apresentados adiante (seção 3.3).

Quadro 1 – Noção e abordagem do documento

DOCUMENTO

OTLET

BRIET

ESCARPIT e

MEYRIAT