• Nenhum resultado encontrado

3. Jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça

3.1 Caso Gabcikovo Nagymaros

3.1.2 A decisão do Tribunal

A Hungria justificou a sua actuação de suspensão dos trabalhos em Dunakiliti e em Nagymaros com base nos danos ambientais que poderiam ter sido causados por aquela. Invocando para tal, entre outros, o risco de eutrofização das águas, assim como o risco de extinção da fauna e flora fluviais. A Hungria manifestou ainda a preocupação da qualidade da águas abastecidas pelo Rio ficar comprometida, comprometendo igualmente o fornecimento de água naquelas regiões, bem como pela diminuição significativa do caudal do Rio149

. Para o Estado Húngaro em virtude destes impactos ambientais a Hungria encontrava-se então em Estado de necessidade150

em 1989.

O TIJ analisou então a questão se saber se a Hungria poderia ter suspendido e posteriormente abandonado os trabalhos do projecto Nagymaros que incumbiam a este Estado Parte. O Tribunal considerou que a atitude da Hungria apenas pode ser interpretada como um incumprimento dos preceitos do Tratado de 1977(nomeadamente artigo 2º do Tratado) assim como do protocolo de 1989.

O TIJ passou em seguida à questão de saber se o estado de necessidade alegado pela Hungria poderia excluir a ilicitude da sua conduta. Após interpretação do conceito de estado de necessidade à luz dos critérios da comissão de direito internacional do artigo 33º da responsabilidade internacional dos Estados. De acordo com esses critérios este estado de necessidade teria de ter sido ocasionado por um “interesse

148 Parágrafo 22. 149 Parágrafo 40.

150 "state of ecological necessity", ibidem.

43 essencial”151

do estado, conflictuante com a obrigação internacional que estaria assim ameaçado por um perigo grave e iminente152

e que a actuação do Estado fosse o único meio de acautelar esse interesse. O TIJ reconhece que as preocupações manifestadas pela Hungria relativamente ao ambiente nas zonas afectadas pelo Projecto Gabtikovo- Nagymaros dizem respeito a um interesse essencial do Estado nos termos do artigo mencionado artigo 33º. Contudo o Tribunal considera que por mais sérias que as incertezas do impacto ambiental do projecto fossem, elas não podem consubstanciar a existência de um perigo objectivo não preenchendo assim um elemento essencial para a determinação de um Estado de necessidade. O Tribunal esclarece ainda que

“perigo” invoque a ideia de risco, de outro modo estaríamos perante um dano

material já concretizado mas , segundo o TIJ, não pode haver um estado de necessidade sem um perigo devidamente estabelecido, não basta a existência de um qualquer perigo. O argumento da Hungria não conveceu assim o tribunal, pois não conseguiu demonstar que em 1989 a Hungria estava perante um perigo real grave e iminente e que as medidas tomadas pela Hungria, a saber a suspensão dos trabalhos do projecto, teriam sido o único meio de acautelar os interesses em causa. Embora a ideia de perigo iminente invoque o aspecto temporal o Tribunal considera que o carácter irreversível ainda que a longo prazo teria constituído fundamento para um eventual estado de necessidade mas o qual a Hungria também não logrou provar. Aqui reside um ponto importante da decisão do Tribunal, que consiste no reconhecimento de um estado de necessidade ecológico, ao considerar que o carácter de irreversibilidade pode constituir um perigo objectivo e iminente. No entanto no caso em análise não considerou provada a seriedade do risco153

. Podemos então considerar com o juiz HERCZEGH que o TIJ concedeu um lugar muito modesto às considerações ambientais.

O Tribunal realça o papel das negociações que estavam em curso entre os Estado como meio para viabilizar outras soluções154

. Vejamos a importância que tem para o TIJ a cooperação entre Estados.

151 "essential interest" parágrafo 53

152 by a "grave and imminent peril" parágrafo 53.

153O perigo era grave e iminente posto que seria muito provavelmente concretizado se o sistema de

barragens tal como previsto em 1989 tivesse sido construído. MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. L'arrêt rendu par la Cour internationale …, cit. p300

44 Da decisão do Tribunal constam outras pretensões materais tanto por parte da Hungria como por parte da Eslováquia mas vamos agora passar à resposta do TIJ relativa à pretensão da Hungria de a sua resolução do tratado de 1977 teria por base as novas exigências do Direito Internacional relativa à proteção ambiental, as quais precludiam a execução do Tratado.

O Tribunal considerou, com efeito, que deu-se a emergência de novas normas peremptórias em direito do ambiente desde a data em que foi assinado o tradado- 1977.

A consciência da vulnerabilidade do ambiente e o reconhecimento de que os riscos ambientais têm de ser avaliados continuamente tornaram-se mais fortes nestes últimos anos155

. Repara-se pela utilização das palavras do tribunal que ele não considerou ainda que a avaliação de impacto ambiental se tratasse de uma obrigação.

A Hungria pretendia igualmente que o Tratado se desse por terminado pelo incumprimento recíproco das obrigações. O tribunal apesar de considerar que, de facto, houveram incumprimentos da parte de ambas as Partes mas não considerou que isso levaria ao término do Tratado.

O Tribunal considerou assim que o tratado de 1977 ainda estava em vigor entre as Partes e que ainda havia um vínculo legal entre Estas mas reconhece que o que teria sido uma correcta aplicação do Tratado em 1989 seria agora um erro, ciente de que alguns dos objectivos do Tratado então, não se verificavam em 1997, em especial naquilo que diz respeito à produção de energia. Ainda assim, existiam outros objectivos que as partes deviam negociar para que a implementação do projeto inicialmente previsto fosse feito com as devidas adaptações consideradas pelas partes. É nesta linha que o TIJ torna-se para a questão do impacto ambiental. O TIJ considerou que o impacto ambiental do projeto e as suas implicações são um problema chave neste conflito, frisando que os riscos ambientais devem ser avaliados tendo em conta a prática actual à data da decisão do TIJ que como referimos anteriormente evoluíram desde 1977. O TIJ considera que isto estava de acordo com as preocupações ambientais das partes manifestadas pelas partes mas afirmando que no que diz respeito à proteção ambiental, vigilância e prevenção são requeridas tendo

155 Parágrafo 111.

45 em conta o carácter muitas vezes irreversível dos danos ambientais e as limitações intrínsecas ao mecanismo de reparação deste tipo de danos156

. Neste sentido o tribunal considerou que:

Decorrente de novos entendimentos científicos e de uma crescente percepção do risco para a humanidade – para as gerações presentes e futuras – da continuidade de tais intervenções a uma velocidade cada vez mais acelerada e irreflectida, foram desenvolvidos novas normas e padrões, explicitadas em um grande número de instrumentos durante as últimas duas décadas. Tais normas devem ser levadas em consideração e os novos padrões devem receber a importância apropriada, não apenas quando os Estados consideram novas atividades, mas também na continuação de atividades iniciadas no passado. Esta necessidade de reconciliar o desenvolvimento econômico com a proteção do ambiente está adequadamente expressa no conceito de desenvolvimento sustentado.157

Esta enfâse aqui colocada parece reconhecer a emergência de novas normas em direito internacional contemporâneo ficando-se contúdo pela referência. O TIJ não explícita quais seriam estas normas não contribuindo, assim, para mais desenvolvimentos neste campo. Se o TIJ considera que o desenvolvimento traduz a necessidade de reconciliar o desenvolvimento económico com a protecção do ambiente, o reduz à função de conceito não sendo claro se pretende dar algum valor jurídico a este conceito. Parece que o TIJ utiliza este conceito como uma forma de contrabalançar e ponderar os interesses, de um lado, ligados ao desenvolvimento e, do outro, ligados à protecção ambiental, descartando-se a hipótese de princípio jurídico.

156 Traduzido do ingês:“The Court is mindful that, in the field of environmental protection, vigilance and prevention are required on account of the often irreversible character of damage to the environment and of the limitations inherentin the very mechanism of reparation of this type of damage”. Paragráfo 140.

157 Traduzido do inglês: Throughout the ages, mankind has, for economic and other reasons, constantly interfered with nature. In the past, this was often done without consideration of the effects upon the environment. Owing to new scientific insights and to a growing awareness of the risks for mankind -for present and future generations - of pursuit of such interventions at an unconsidered and unabated pace, new norms and standards have been developed, set forth in a great number of instruments during the last two decades. Such new norms have to be taken into consideration, and such new standards given proper weight, not only when States contemplate new activities but also when continuing with activities begun in the past.

This need to reconcile economic development with protection of the environment is aptly expressed in the concept of sustainable development. Parágrafo 140.

46 Este entendimento vai ser posteriormente largamente reproduzido, falando-se num princípio de integração. Este é um caso paradigmático de uma contraposição desses interesses. Por um lado, o projecto Gabcikovo Nagymaros destinava-se à produção de energia eléctrica para o fornecimento de electricidade às populações bem como melhorar a navegação no Rio Danúbio e controlar as inundações, tudo isto visaria melhorar a qualidade de vida da população, e, por outro, a sua construção afectaria o ambiente, afectando também a população. A acção do homem tem necessariamente impacto sobre a natureza, e como bem reconhece o TIJ neste acórdão assim tem acontecido por muitos anos. Esta teria sido uma óptima oportunidade para o Tribunal discorrer sobre este assunto à luz desta ponderação de interesses, ou seja à luz de um princípio de desenvolvimento sustentável, de forma autónoma, ao invés de se ater à letra do tratado. Consideramos com o juiz WEERAMANTRY158 que o

princípio de desenvolvimento sustentável se manifesta na ponderação dos interesses em causa, a saber, o desenvolvimento económico da Eslováquia e a protecção ambiental por parte da Hungria. É inclusive o princípio de desenvolvimento sustentável que impõe a tomada em consideração dos princípios que se destinam a proteger o ambiente e desse forma a fazer uma interpretação actualizada do Tratado de 1977. Um reconhecimento por parte do TIJ imponha-se necessário para estabelecer um tal princípio jurídico. O Tribunal não quis abrir um precedente sobre possibilidade de os interesses ambientais puderem precludir o cumprimento de obrigações decorrentes de Tratados.

Contudo sendo esta uma primeira decisão em que se aborda o conceito do desenvolvimento sustentável seria de esperar que em outras ocasiões o TIJ pudesse ir mais longe sobre a natureza jurídica deste conceito e concretizar emergência destas novas normas de direito internacional que aqui se referem.

158 How does one handle these considerations? Does one abandon the Project altogether for fear that the latter consequences might emerge? Does one proceed with the scheme because of the national benefits it brings, regardless of the suggested environmental damage? Or does one steer a course between, with due regard to both considerations, but ensuring always a continuing vigilance in respect of environmental harm? Weeramantry Project Gabcikovo-Nagymaros, separated opinion p. 89

47

3.2 Caso relativo às fábricas de celulose no Rio Uruguai