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C APÍTULO 4 A I NDONÉSIA E A ASEAN NO PERÍODO PÓS S UHARTO (1998-2017)

4.1. Habibie e Wahid (1998-2001)

4.3.3. A Declaração Bali Concord III e a rivalidade EUA-China

A evolução do ambiente estratégico na Ásia Oriental, marcada pela ascensão económica e militar de uma China simultaneamente mais participante nos temas re- gionais e mais assertiva na defesa dos direitos que reclama no Mar do Sul da China, aliada à postura mais ambiciosa da Indonésia nos temas regionais e internacionais, determinada a moldar a arquitectura regional de forma favorável aos seus interesses, criou as condições para que a Presidência indonésia da ASEAN em 2011 fosse dedi- cada ao tema das relações externas da ASEAN.

Foi durante a Presidência indonésia que a inclusão dos EUA e da Rússia na EAS se tornou uma realidade. O convite a estas duas potências tinha sido formal- mente lançado pela Declaração de Hanói, em 2010 (apesar da objecção, à porta fecha- da, da China, segundo Murphy, 2018:58). O alargamento da EAS aos EUA, em parti- cular, correspondia a um aspecto importante da estratégia de política externa inclusiva de Jacarta (hedging), fundada no entendimento de que a participação de mais estados, com diferentes posições e interesses, tem a capacidade afastar ou neutralizar (Novot- ny, 2010:248).

Os EUA tinham dado sinais claros de pretenderem revitalizar os laços com a Ásia, reinvestindo diplomaticamente na região. Parte da estratégia norte-americana consistia em estabelecer relações económicas mais estreitas com as nações asiáticas através do TPP e equilibrar o défice nas relações comerciais com a região (o maior mercado de importações dos EUA). Washington decidiu investir na participação nos fóruns multilaterais liderados pela ASEAN, descrita por Hillary Clinton como “o ful- cro de uma arquitectura regional em evolução”, um compromisso que se materializou no marco importante da assinatura do TAC, em 2009, e da nomeação do primeiro embaixador residente na ASEAN. A estratégia do “pivot” da Ásia-Pacífico, já em curso no terreno, é expressamente enunciada por Barack Obama, em 2011, no Parla- mento australiano79, sendo secundado pela Secretária de Estado norte-americana, num

79 As palavras de Barack Obama foram: “I have [therefore] made a deliberate and strategic decision:

as a Pacific nation, the United States will play a larger and long-term role in shaping this region and its future” (citado em Shambaugh (2013:14). A este propósito, é relevante ter em consideração o que comenta Shambaugh (2013:17) a propósito da estratégia do “pivot”: “is not a new policy; it is a

artigo publicado na Foreign Affairs (oportunamente) intitulado “America’s Pacific Century”.

Com o ensejo de imprimir a marca normativa da Indonésia na EAS, SBY lo- grou obter o acordo dos líderes sobre a Declaração da EAS sobre os Princípios das Relações Mutuamente Benéficas (os “Princípios de Bali”). Embora o documento não contenha novidades assinaláveis, o compromisso alargado revelou, pelo menos, a abertura ao respeito pelas normas da ASEAN e pela centralidade da organização no desenvolvimento do EAS. A centralidade tem sido politicamente articulada como res- peitando à definição e condução dos processos e temas regionais por meio de meca- nismos liderados pela ASEAN (Caballero-Anthony, 2014:570-1), no entanto é ques- tionável que a ASEAN, enquanto grupo de pequenas e médias potências, seja capaz de liderar um grupo que envolve as maiores potências globais e influenciar o curso do regionalismo (Weatherbee, 2013:19). Para além da fraca capacidade institucional da organização, não existe um líder com autoridade para ser a voz da ASEAN, até porque a organização não tem uma única voz política (Weatherbee, 2015:113; Caba- llero-Anthony, 2014:564). Se a centralidade significa que a ASEAN se mantém como o hub ou o lugar institucional no qual instituições regionais como a ARF ou a EAS têm reuniões, as declarações continuarão a ser mensagens cuidadosamente trabalhadas para não serem ofensivas e a ASEAN não tem voz. Se, diferentemente, a centralidade implica a tomada de decisões políticas ou a criação de uma agenda política para aqueles fora do centro (China e EUA), então é uma ideia cuja realização é muito difícil. Mesmo uma abordagem mais optimista reconhece que para a ASEAN per- manecer numa posição de centralidade tem de nortear a região com iniciativas, ideias e propostas que visem os problemas emergentes de segurança regional e internacional, incluindo os problemas não tradicionais, ou seja, “being in a position to lead in sol- ving shared security problems” (Caballero-Anthony, 2014:571-2). Ademais, importa igualmente saber de que modo a ASEAN se mantém central nas políticas externas dos seus membros, enquanto princípio organizador (Ba, 2009:358).

O problema geostratégico mais premente é, sem dúvida, a crescente rivalidade Sino-Americana. Esta constitui um dilema para a ASEAN: o seu envolvimento numa tentativa de mediação ou de balanceamento confere-lhe maior estatuto regional, po- deepening and a broadening of previous commitments (…)”, mas “nonetheless does illustrate a new level of commitment - a it also indicates a new level of strategy” (Shambaugh, 2013).

rém existe o risco de a EAS se tornar uma arena de competição, o que os membros da ASEAN querem evitar (Murphy, 2018:58). Existe também o perigo de diliuição da relevância política da ASEAN (Sebastian, 2013:11).

O Equilíbrio Dinâmico e o Indo-Pacífico

Em face das crescentes fluidez e incerteza estratégicas do ambiente regional, associada à crescente rivalidade sino-americana, a Indonésia decidiu empreender pelo caminho da reconceptualização. Subjacente à visão estratégica de Jacarta encontra-se a ideia de equilíbrio dinâmico, também cunhada “doutrina Natalegawa”, foi referido pela primeira vez num discurso de SBY, aquando da visita de Obama à Indonésia, em 2011. Os traços conceptuais da ideia de equilíbrio dinâmico estão patentes num dis- curso de SBY, proferido em Tóquio, em Dezembro de 2013:

“”Dinamic” because change is a constant and indeed inherent in the region. The region’s architecture must therefore be constantly adaptative. “Equilibrium” because such a state of constant change does not suggest a permanent state of “acharchy” or the uncertainty common to a diffuse multipolar system. Nor, on the other hand, of the imposed “order” of an unchecked preponderance of a single po- wer. Instead, countries of the region develop norms and principles, codes of conduct, and as the case may be, legal frameworks, to build a spirit of partnership and coope- ration in addressing issues of common interest” (citado em Acharya, 2015:11).

Segundo Natalegawa, esta abordagem às tensões na região não só rejeitava a hegemonia de uma qualquer potência na região, como se afasta da abordagem con- vencional da balança de poder, pois o objetivo não era criar ordem por meio do inves- timento militar, alianças ou corrida ao armamento, mas manter a ASEAN no centro, como um maestro numa orquestra (Acharya, 2014:12).

Este conceito, que espelha a preferência maioritária da elite indonésia por um sistema internacional multipolar (Novotny, 2010:132), reflecte um paradigma em que em que não existe um poder preponderante e em que a ordem regional se desenvolve

por meio de um processo de enmeshment dos actores regionais numa estrutura com- plexa de interdependência (Mendes, 2017:84; Roberts e Widyaningsih, 2015:274; Weatherbee, 2013:18). Na essência, consubstancia uma abordagem à gestão das rela- ções da ASEAN com as grandes potências (Acharya, 2015:10) e exprime, nas entre- linhas, a necessidade de criação de mecanismos para uma relação estável, pacífica e cooperativa China-EUA (Weatherbee, 2013:19). A arquitectura regional emergeria de múltiplos pilares fundacionais, reforçados pelo crescente número de parcerias bilate- rais (Weatherbee, 2013:19).

Ainda que seja pouco claro se o equilíbrio dinâmico tem carácter descritivo ou prescritivo (Sebastian, 2010:10), se é um pré-requisito para a estabilidade regional ou se é um resultado de uma dada actuação e, se sim, a que tipo de concreto de actuação se refere (Weatherbee, 2013:19), o conceito pode ser interpretado como uma nomen- clatura alternativa para designada estratégia de omni-enmeshment. O equilíbrio di- nâmico, como doutrina estratégica, funcionaria sobretudo (ou apenas) como um en- dosso da abordagem da ASEAN, sendo (meramente) descritivo. Neste caso, o pro- blema da centralidade da ASEAN na perspectiva estratégica de Jacarta deixaria de se colocar. Apesar da Indonésia insistir que a centralidade da ASEAN deve ser mantida no quadro do equilíbrio dinâmico, surgiram dúvidas sobre se a nação arquipelágica não estaria, na verdade, a divisar uma abordagem pós-ASEAN às relações regionais. Para Sebastian (2013:22), a centralidade da ASEAN e o equilíbrio dinâmico são mu- tuamente inclusivos e complementares.

Ímplicito na ideia de equilíbrio dinâmico parece estar o reconhecimento de que o quadro de segurança concebido no período da Guerra Fria, a ZOFPAN, que alme- java a autonomia da região e a correlativa limitação da interferências das potências externas, já não responde adequadamente ao ambiente estratégico (Acharya, 2015:11)80. A este propósito, é muito interessante notar que, em 1991, o Ali Alatas comentou que a ZOPFAN era um “processo evolutivo”, reconhecendo que os países do Sudeste Asiático não tinham como manter as grandes potências fora da região, pelo que a segurança regional seria melhor assegurada, não pela exclusão daquelas potências, mas por meio de um “equilibrium among them and between them and Sou- theast Asia” (Ali Alatas, citado por Acharya, 2015:12). A força das circunstâncias

80 Severino (2008:13-4) considera que a referência à neutralidade se mantém válida, pois continua a

indica que Jacarta não pode actuar sozinha e prescindir do multilateralismo, sendo que este também não é frutífero se apenas se limitar a dar primazia às grandes potências. Ademais, o repúdio da ingerência das grandes potências na região constitui uma direc- triz normativa histórica da ASEAN (ainda que nem sempre observada) promovida pela Indonésia.

A abordagem indonésia pressupõe a capacidade da interdependência para su- perar manifestações de rivalidade de grandes potências, em particular da China, por meio da criação de relações assentes num conjunto de normas moralmente vinculati- vas de cooperação pacífica (Acharya, 2015:11). A convicção de que as normas po- dem, per se, limitar as rivalidades entre a China e os EUA parece, contudo, ser insu- ceptível de frutífera.

Sendo inicialmente uma abordagem ao ambiente estratégico da região Ásia- Pacífico, a proposta de equilíbrio dinâmico adaptou-se à “crescente elasticidade das fronteiras geo-políticas” (Shekhar, 2014:46) e à emergência da ideia Indo-Pacífico81. Sobre este, Marty Natalegawa, numa conferência sobre a Indonésia no CSIS, em Washington, em 2013, referiu-se ao Indo-Pacífico como uma geografia triangular definida pelo Japão a Norte, a Austrália a Sudeste, a Índia a Sueste, com a Indonésia no centro. Para o chefe da diplomacia indonésia, o futuro residia na conexão inter- oceânica e, neste, a Indonésia tinha um lugar-chave, por ser o arquipélago que medeia os dois oceanos. Como desafios, Natalegawa invocou os défices de confiança, as pre- tensões territoriais não resolvidas e a gestão do impactos das mudanças internas e in- teresse indonésio na discussão de uma proposta de criação de um tratado para o Indo- Pacífico similar ao TAC.