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A reconciliação pós-konfrontasi e a nova ordem regional de segurança

C APÍTULO 2 A I NDONÉSIA E A ASEAN NA ERA DE S UHARTO (1967 1998)

2.2. A Indonésia e a ASEAN na era de Suharto (1967-1998)

2.2.1. A reconciliação pós-konfrontasi e a nova ordem regional de segurança

A ASEAN, constituída pela Declaração de Banguecoque, em 8 de Agosto de 1967, foi criada com o objectivo imediato de assegurar o sucesso da reconciliação. A participação da Indonésia na cooperação regional foi fruto da confluência da necessi- dade sentida pelo regime de expurgar o legado da konfrontasi nas relações regionais e de promover a reabilitação internacional (Emmers, 2004:13), com vista a assegurar o sucesso do plano de desenvolvimento da Indonésia (Suryadinata, 1997:35). Resultou também de um desejo de promover a aceitação da primazia política da Indonésia no Sudeste Asiático (Leifer, 2013:142), embora a sua intenção de assumir um papel de primus inter pares no novo concerto regional de estados tivesse um significado decla- ratório, tendo apenas aceitação regional limitada (Leifer, 2013:143). Da parte dos ou- tros países signatários, a capacidade para deter as pretensões hegemónicas da Indoné- sia, vinculando-a a um compromisso para com a paz e a segurança regionais, foi a variável determinante.

Ainda que a Declaração de Banguecoque tenha articulado propósitos operati- vos de tipo económico19, a segurança regional interna foi a primeira preocupação dos fundadores, visando a associação um papel político e de segurança (Emmers, 2004; Leifer, 2013a). A inclusão de apenas um ponto sobre segurança foi propositada, para evitar a impressão de que a associação serviria como um pacto de defesa ou uma

19 Os propósitos e objetivos da ASEAN, delineados de forma ampla, programática, agregavam-se em

sete linhas gerais: a) acelerar o crescimento económico, o progresso social e o desenvolvimento cultu- ral na região; b) promover a paz regional e a estabilidade através do respeito pela justiça e pelo direito; c) promover a colaboração ativa e a assistência mútua em assuntos de interesse comum; d) fornecer assistência mútua em matéria de formação e instalações científicas; e) colaborar de forma mais efectiva para maior utilização da sua agricultura e indústria, a expansão do comércio, a melhoria da estrutura de transportes e comunicações e a melhoria das condições de vida dos seus povos; f) promover os estudos do Sudeste Asiático; e g) manter cooperação próxima e benéfica com as organizações internacionais e regionais existentes.

aliança militar (Severino, 2008:11); e, quanto aos objetivos económicos, visaram afas- tar aquelas preocupações, demonstrar o compromisso com o desenvolvimento económico e persuadir os povos da região de que os governos tinham o desenvolvi- mento das suas condições de vida como ponto fundamental (Severino, 2008:41).

Os signatários da Declaração de Banguecoque confiavam que a estabilidade regional dependia do estabelecimento de relações pacíficas entre os seus membros e da promoção conjunta do crescimento económico regional. Os membros da ASEAN contavam com a capacidade que o crescimento económico regional lhes conferiria para afastar a ameaça comunista que pairava sobre a região: quer ao nível interno, cerceando a intervenção dos partidos comunistas nacionais, quer ao nível externo, contendo a influência - ou a ingerência - da China. Aliás, a ameaça comunista é dificilmente separável das questões internas também porque eram as coligações inter- nas que eram ameaçados e as elites nacionais queriam proteger os seus modelos de poder (Solingen, 2008:270; Ojendal, 2004:523).

Existia também a intenção de afastar a ideia do Sudeste Asiático como arena das grandes potências e o entendimento de que a resolução de conflitos regionais beneficiaria de um fórum de negociações multilaterais próprio (Severino, 2008; Ojen- dal, 2004:523), todavia tinha um carácter secundário, dada a falta de consenso sobre a ameaça externa. A Declaração de Banguecoque incluiu a référencia ao carácter tem- porário da bases estrangeiras em território da ASEAN como uma deferência para com a posição da Indonésia e a sua preferência por uma ordem regional autónoma (Suryadinata, 1997:35), associada à política externa bebas-aktif. Porém, a visão indo- nésia desafiava o histórico de influência das potências externas na balança de poder regional (Leifer, 2013a).

A cooperação militar foi rejeitada para evitar reacções hostis por parte do Vietname e da China, por falta de recursos para uma eventual defesa colectiva e, sobretudo, por profundas divergências internas (Emmers, 2004:14). Não existia con- senso quanto às ameaças externas, sendo que quatro dos cinco membros da ASEAN tinham relações de defesa bem estabelecidas com potências externas.

Foi definido um quadro institucional muito simples: a ASEAN teria uma Reu- nião Anual de Ministros dos Negócios Estrangeiros, um Comité Permanente, Comités ad-hoc e um Secretariado Nacional em cada país membros. Assente na cooperação

intergovernamental, não foi prevista qualquer forma de votação de propostas: a atuação da ASEAN iria pautar-se de acordo com um processo de consultas mútuas e de criação de consensos, inspirado no estilo particular de decisão dentro da sociedade javanesa, constituído pelo musyawarah (consulta) e pelo mukafat (consenso)20. A ên- fase seria na conciliação, na reciprocidade, no progresso paulatino, no processo acima da substância, nas redes pessoais e no distanciamento em relação a assuntos melin- drosos (Solingen, 2008:270-271). Este processo de tomada de decisões foi, mais tarde, cunhado ASEAN Way.

A diferentes perspectivas estratégicas externas ficaram patentes no debate conducente à Declaração ZOFPAN (1971). A reaproximação sino-americana e a subs- tituição de Taipei por Pequim no Conselho de Segurança da ONU impeliram o novo Primeiro-Ministro da Malásia (1970), Abdul Razak, a propor a neutralização da Indo- china e possivelmente de todo o Sudeste Asiático, garantida pelas três potências (Chi- na, URSS e EUA). A proposta contrariava a preferência estratégica de Jacarta por uma ordem regional autónoma (Emmers, 2004:67, Leifer, 2013a:7) e, sobretudo, questionava a liderança natural da Indonésia, que demonstrava um forte sentido de regional entitlement (Leifer, 2013:149). Ademais, aceitação da proposta malaia signi- caria uma acomodação da China que abria as portas à interferência de Pequim nos assuntos regionais e a China era percebida pelo régime de Suharto como a principal ameaça de segurança (Leifer, 2013; Weinstein, 2007). Foi uma oportunidade para Adam Malik persuadir os seus parceiros sobre o mérito da sua visão estratégica, em- bora o apoio à posição de Jacarta pelos outros membros da ASEAN se tenha fundado em razões próprias: a Tailândia, as Filipinas e Singapura confiavam nos EUA para manter a estabilidade regional e a proposta malaia envolveria o encerramento de bases militares estrangeiras na região (Emmers, 2004:68).

Foi a primeira vez que os membros da ASEAN assumiram uma posição colec- tiva, ainda que num contexto ad-hoc, sobre a política regional externa da ASEAN. A fórmula da ZOFPAN “constituted an exercise in creative ambiguity intended to ex- clude any possibility of justification for external power intervention” (Leifer,

20 Estes dois elementos davam corpo à ideia de que “a leader should not act arbitrarily or impose is

will, but rather make gentle suggestions of the path a community should follow, being careful always to consult all the other participants fully and to take their views and feelings into consideration before delivering his synthesis conclusions” (Herbert Faith, citado em Acharya, 2001:68)

2013:150), que correspondia a um compromisso aceitável, sem imposição de obri- gações práticas, que continha o tipo de abordagem à ordem regional advogada pela Indonésia (Suryadinata, 1997:35).