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A Declaração de Guerra e a preparação do CEP; Tancos e a Divisão de Instrução

CAPÍTULO I CONTEXTO POLÍTICO EUROPEU NO FINAL DO SÉCULO XIX E

5. A Declaração de Guerra e a preparação do CEP; Tancos e a Divisão de Instrução

país a entrar no conflito, veio alterar a correlação de forças no mediterrâneo, permitindo aos aliados uma superioridade naval e deixando não só de se temer um eventual alinhamento da Espanha com Berlim, mas tornando também a Inglaterra mais receptiva às insistências do governo de Lisboa, como afirma António José Telo172. Por outro lado, a aprovação pelo Reichstag em Berlim de uma guerra submarina imediata e irrestrita em Março de 1916, tornara-se cada vez mais preocupante para os aliados. Os combates navais à superfície encontravam-se num impasse sem vencedores e vencidos já que, tanto dum lado como do

171 Costa, 1925: 66-67. 172 Telo, 2010: 330.

76 outro, ora se considerava uma grande vitória ou uma grande derrota, como testemunha Vera Brittan após a Batalha da Jutlândia, em que morreram afogados 6097 marinheiros britânicos e 2551 alemães: “Estamos a celebrar uma gloriosa vitória naval ou a lamentar uma ignominiosa derrota173? Para os britânicos, o resultado da batalha da Jutlândia terá sido uma desilusão já que, apesar da sua frota naval ser muito superior em número à dos alemães, não conseguiu quebrar-lhe ou anular-lhe o poder. Depois deste combate considerado uma punição, os alemães decidiram não arriscar de novo uma batalha naval e aumentaram a campanha submarina.

Sob variados pretextos, tanto navios de guerra como navios mercantes eram afundados pelos submarinos alemães. E seria por esta via que os germânicos, pensando ainda no arrojado e bem-sucedido projecto de Tirpiz, estariam convencidos de que iriam ganhar a guerra.

A nova correlação de forças no mediterrâneo e o crescimento da ameaça submarina fizeram com que se alterasse a posição britânica sobre Portugal, o que viria de encontro às intenções do Partido Democrático no poder. Como a posição de vários partidos políticos, de algumas elites conservadoras e da sociedade em geral era contra o que consideravam ser uma simples oferta de entrar na guerra, o governo tentava por todas as formas convencer a Inglaterra a fazer o pedido em nome da aliança, nem que para isso fosse necessário ir contra a opinião pública. Se isso viesse a acontecer, estaria justificada a posição interna em relação à intervenção portuguesa e beneficiaria de todo o tipo de apoio da aliada. A oportunidade aconteceu em Fevereiro de 1916, com a questão dos navios alemães abrigados em portos portugueses desde Agosto de 1914, quando começara a guerra. Embora o incentivo tenha partido do governo francês, foi contudo a Inglaterra a dar o passo. João Chagas, apercebendo-se da desesperada situação interna dos radicais portugueses e movimentando-se com alguma influência nos meios diplomáticos e governativos de França, igualmente republicana ao contrário duma Inglaterra monárquica, pediu a intervenção urgente da França junto da Grã-Bretanha174. Foi na sequência deste apelo que o primeiro-ministro Aristides Briand propôs que Portugal requisitasse os navios alemães que se encontravam nos portos portugueses e que os alugasse depois à França. Para António Telo (2015), “este aluguer solucionava o problema financeiro nacional, levava à beligerância e permitiria manter os radicais no poder”175. Em fins de

Dezembro de 1915, a França comunicou ao governo britânico que iria pedir a Portugal a requisição dos referidos navios. Esta posição de força do governo francês colocava os ingleses

173 Guilbert, 2007: 382. 174 Telo, 2015: 241. 175 Telo, 2015: 241.

77 num dilema: deixar o assunto nas mãos de Paris, significando que Portugal entrava na guerra apoiado pela França, pondo em causa a velha aliança, ou assumirem os britânicos a chefia do processo176. Foi esta a decisão tomada pelo governo de Londres, informando Paris de que iria dar indicações a Lisboa para a requisição dos navios, aceitando também o pedido de financiamento de Afonso Costa.

O Memorandum de Sir Carnegie de 17 de Fevereiro dirigido ao governo da República iria ser fatal para os militares, e um grande alívio para os democráticos radicais. A guerra estava à vista. Em nome da aliança, o governo britânico solicitou ao governo português “a requisição urgente de todos os navios inimigos estacionados em portos portugueses, os quais deveriam ser usados para comércio português”177. Esta seria a justificação que o governo de Lisboa deveria apresentar ao de Berlim. O telegrama de 23 de Fevereiro que o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Soares enviou a Sidónio Pais através da delegação de Portugal em Haia, e cujo conteúdo deveria apresentar ao governo alemão, era revelador de grande hipocrisia: “Governo tomou decisão de requisitar navios alemães surtos em portos portugueses em face das necessidades do país”178. Esta tarefa tornara-se extremamente desconfortável para o embaixador de Portugal em Berlim, cujo esforço para o desenvolvimento das relações económicas, sociais, políticas, diplomáticas e particularmente na aceitação do regime republicano tinha obtido um resultado altamente positivo. Em 26 de Fevereiro, Sidónio apresentou-se no ministério dos Negócios Estrangeiros alemão tendo sido recebido pelo secretário de Estado, a quem comunicou a decisão do governo português. O executivo alemão exigiu a revogação do decreto que permitia a requisição dos navios, pedindo uma resposta no mais curto prazo possível. Em 2 de Março Sidónio tentou ainda, em vão, chamar a discussão para o terreno do Direito, afirmando que os navios não se destinavam a inimigos da Alemanha. Porém o seu amigo Jagow, secretário de Estado, não se deixou iludir pelas “boas” intenções dos governos de Lisboa e de Londres, terminando bruscamente a conversa com Sidónio e dizendo-lhe que em breve seria dada uma resposta ao governo português179. Seria este o último acto diplomático do ministro plenipotenciário da legação de Portugal em Berlim. O governo alemão estava muito bem informado através do seu ministro em Lisboa, Sr. Rosem, das pretensões do executivo português. Perante as várias provocações e recusas de negociações a

176 Telo, 2015: 241.

177 Portugal no Conflito Europeu. Documentos apresentados ao Congresso da República em 1920 pelo

Ministro dos Negócios Estrangeiros, 1ª Parte, Doc. 330, p. 233, Lisboa, Imprensa Nacional, 1920.Também conhecido por Livro Branco da Primeira Guerra Mundial.

178 Portugal no Conflito Europeu, ou Livro Branco, doc. 333: 236. 179 Idem, doc. 352: 249.

78 Alemanha não transigiu e, em 9 de Março de 1916, respondeu com a declaração de guerra a Portugal: “O Governo Imperial vê-se forçado a tirar as necessárias consequências do procedimento do Governo Português. Considera-se de agora em diante como achando-se em estado de guerra com o Governo Português”180. A explosão de alegria de João Chagas é significativa do estado de espírito do grupo de republicanos radicais, que apostavam tudo na política de forçar a beligerância: “Alleluia! A Agência Wolff anuncia o rompimento das relações diplomáticas da Alemanha com Portugal”181. A “dádiva de Marte” tinha descido

finalmente sobre os republicanos radicais. A satisfação do ministro de Portugal em Paris atingiria o delírio quatro dias depois, ao ser recebido no ministério dos Negócios Estrangeiros anunciando que chegara o momento mais alto da história de Portugal: “Ao subir esta manhã as escadas do MNE, Portugal subia a uma das eminências da sua história, o momento mais alto da nossa história”182.

Se, por um lado, a Inglaterra tinha necessidade dos navios alemães abrigados em portos portugueses por outro pode depreender-se que, pela justificação a apresentar ao governo alemão, não estaria ainda interessada na entrada directa de Portugal na beligerância. A colaboração militar portguesa implicava a formação de uma força moderna capaz de ser enviada para as linhas da frente em França, onde os meios e as tácticas de combate tinham evoluído consideravelmente, em nada comparáveis com as campanhas militares levadas a cabo pelo exército português nas colónias africanas. Tudo envolveria um grande esforço técnico, logístico e financeiro de que Portugal não dispunha e que a Inglaterra não estaria disposta a suportar. Por isso, recomendou ao governo de Lisboa que se preparasse apenas para defender as costas e os portos do seu território e, em particular, as colónias africanas. Não era esse, de modo algum, o objectivo de Afonso Costa. Os democráticos radicais, como já se afirmou anteriormente, pretendiam a todo o custo entrar directamente na beligerância com forças militares. Para isso Afonso Costa, aproveitando a oportunidade de ouro para levar Portugal para o conflito obrigando a Grã-Bretanha a ceder, serviu-se da arma dos navios apreendidos à Alemanha, como afirma António Telo183. Nesse sentido, nos meses de Junho e Julho de 1916 deslocou-se a Londres acompanhado de Augusto Soares a fim de negociar as condições da participação das forças portuguesas. Após todos os esforços dos ministros, a Inglaterra acedeu ao envio do corpo expedicionário português para França assumindo todos

180 Idem, doc. 35: 250.

181 Chagas, 1932, Vol III: 217. 182 Chagas, 1932, Vol. III: 220. 183 Telo, 2010:336.

79 os custos de transportar, armar e treinar as tropas portuguesas. Por sua vez, Portugal cederia à Inglaterra 80% dos navios alemães, número que viria a ser reduzido mais tarde para 65% devido às precárias condições económicas em que vivia a população portuguesa por falta de navios comerciais que pudessem ser fretados para importação de produtos de primeira necessidade. Afonso Costa alcançara finalmente o objectivo ambicionado: ir para a guerra ao lado da Inglaterra, ainda que isso custasse o endividamento e o empobrecimento do país, a fome e a miséria da população. Numa entrevista concedida ao jornal O Século em 7 de Agosto de 1917, Norton de Matos punha de parte todos os problemas do país de índole política, social ou financeira para se concentrar exclusivamente na questão da guerra: “os dinheiros da Nação temos de gastá-los na guerra”184. Acrescente-se que esta contradição, segundo Alves de Fraga, não poderia ser explicada por Afonso Costa e pelo Partido Democrático185 à opinião pública.

Era demasiado claro que o governo alemão tinha todas as razões para desconfiar da justificação apresentada pelo governo português para apreensão dos seus navios: não seria para satisfazer as necessidades do país, mas para serviço da Inglaterra e dos aliados, justificando assim a expressão do Memorandum enviado a Portugal considerando-o “vassalo da Inglaterra”186.

Em 25 de Novembro de 1914, na perspectiva da entrada na guerra o governo resolvera criar a Divisão Auxiliar Portuguesa constituída por um efectivo de 22 461 homens. Porém esta iniciativa governamental, impulsionada particularmente pelos militares afectos ao Partido Democrático, teve uma oposição significativa das forças armadas que, em Janeiro de 1915 como já foi referenciado colocariam Pimenta de Castro no poder, no sentido de ser interrompida a hipotética preparação da divisão auxiliar. Os democráticos conspiraram e, em 14 de Maio do mesmo ano, voltaram de novo ao poder reiniciando as actividades de preparação da força expedicionária. Declarada a guerra a Portugal pela Alemanha a 9 de Março de 1916, o deputado do Partido Democrático Alexandre Braga, numa sessão do Parlamento do dia seguinte, propôs a formação dum ministério de expressão nacional com representação de todos os partidos no sentido de acalmar, pelo menos temporariamente, o ambiente conflituoso da vida política. Como era de prever, aderiram de imediato os

184 O Jonal O Século, 7 de Agosto de 1917, “Entrevista com o Senhor Norton de Matos”. 185 Fraga, 2010: 160, nota 11.

186 O barão Rosen, ministro da Alemanha em Lisboa, quando ao ler a nota da declaração de guerra ao

Ministro dos Negócios Estrangeiros considerando Portugal como vassalo da Inglaterra, Augusto Soares ergueu-se e interrompendo Rosen perguntou-lhe quantos passaportes desejava. No dia seguinte abandonava Portugal, acompanhado até à fronteira por um secretário do MNE. Brito Camacho,

80 democráticos e uma parte dos evolucionistas seguidores de António José de Almeida. Brito Camacho e os unionistas dariam a sua anuência se participassem igualmente os socialistas e os monárquicos. Os socialistas do norte, que eram contra a guerra, aprovaram uma moção em que declaravam não ter quaisquer responsabilidades no estado de guerra a que Portugal chegara e que, por isso, entendiam não dever aceitar qualquer participação no ministério que se viesse a formar. Os monárquicos recusaram também participar na constituição do novo governo uma vez que, antes da requisição dos navios, teriam tido conhecimento duma proposta do governo alemão de apoio à restauração da monarquia portuguesa em troca do seu contributo para a não intervenção na guerra. A mesma recusa proveio dos independentes do grupo de Machado dos Santos. Perante a rejeição de socialistas e monárquicos, de insultos constantes de traidor à pátria e de vendido à Alemanha a Brito Camacho por parte dos democráticos, os unionistas não quiseram participar no que viria a chamar-se governo de União Sagrada. A pronta anuência de António José de Almeida valeu-lhe o prémio da chefia do gabinete, mas as pastas essenciais ficaram na mão dos democráticos: Afonso Costa nas Finanças, Norton de Matos na Guerra e Augusto Soares nos Negócios Estrangeiros.

Após a declaração de guerra, a preocupação essencial destes governantes com o apoio precioso do francófilo João Chagas iria agora concentrar-se na forma como deveria materializar-se a participação do país na beligerância europeia, sem contudo descurar a frente nas colónias africanas. Assim em 21 de Março, sob a ordem e o apoio entusiástico do ministro da Guerra Norton de Matos, foi ordenada a mobilização da “Divisão de Instrução” e nomeado para a comandar o general Fernando Tamagnini de Abreu e Silva, comandante da 5ª Divisão Territorial, com sede em Coimbra. Foi organizado o estado-maior da divisão, tendo como chefe o major Roberto Baptista, bem como os chefes de serviços da divisão de instrução, sem qualquer interferência do comandante nomeado187. Aparentemente com este grupo estariam assegurados o controlo militar e a confiança política da divisão, independentemente de quem viesse a assumir o comando.

Afonso Costa escolhera o polígono de Tancos como região que maiores vantagens oferecia para a concentração de um número de tropas tão elevado como nunca acontecera no país. Estava localizado junto do rio Zêzere e do Tejo para o abastecimento de água, em cima de linhas de comboio próximo do Entroncamento, facilitando o transporte de pessoal, víveres e

187 Constituíam o Estado-Maior além do Comandante Geral e do C.E.M. o Sub-Chefe Major Ivens

Ferraz, capitães Vitorino Godinho e seu cunhado Maia Magalhães, Matias de Castro, Fernando Pereira, Hélder Ribeiro, Coutinho, Arrobas Machado, Abreu e Campos, quase todos pertencentes ao club da “Jovem Turquia”.

81 material188. Abril de 1916 foi a data estipulada para o início da instrução. Todavia a resistência

recorrente da obrigatoriedade de abandonar a terra natal, o afastamento da família, os efeitos da propaganda e, particularmente, a fraca liderança dos oficiais e a falta de disciplina das praças, nomeadamente de infantaria, atrasaram o calendário estabelecido. Durante a primavera de 1916 um número elevado de homens, provenientes de unidades de todo o país, afluiu a esse campo de instrução. Infantaria, cavalaria, artilharia, engenharia e administração militar criaram graves problemas decorrentes da logística, particularmente no que dizia respeito ao alojamento das tropas.

O primeiro obstáculo surgiu com o abastecimento de água, já que as fontes existentes não eram suficientes para as necessidades do efectivo de uma divisão. Resolveu-se proceder à elevação das águas do Zêzere e a tarefa de proceder ao reconhecimento e estudo indispensável foi confiada ao comandante da engenharia da divisão, major Filipe da Costa. Iniciados os trabalhos foram arrematadas as respectivas máquinas no estrangeiro as quais, por dificuldades de transporte, só chegaram a Lisboa depois da desmobilização da divisão189.

Entretanto o problema foi ultrapassado pela informação transmitida pelo tenente-coronel Abílio de Sá de que junto ao polígono havia uma nascente, a do Loreto, com abundante e magnífica água suficiente para abastecer toda a divisão190. No que se refere aos abrigos e

alojamento também a questão não se tornou fácil. No mercado não havia lona para a construção de tendas e as fábricas exigiam preços elevados para as tecer. Segundo afirmação de Tamagnini, parece que alguém se lembrou de que no arsenal do exército deveriam existir as tendas de campanha utilizadas nas manobras de 1866, ordenadas pelo antigo ministro da Guerra Fontes Pereira de Melo191. A construção de um modelo de tenda de madeira para 16 militares, por iniciativa do capitão do estado-maior Matias de Castro, juntamente com as tendas do arsenal do exército e do serviço de saúde, foram a solução encontrada para o abrigo das tropas em Tancos.

De acordo com as primeiras negociações entre as missões militares portuguesa, britânica e francesa, a participação de Portugal no teatro europeu consistiria numa divisão reforçada,

188 António Telo refere que a Espanha pediu explicações à Inglaterra sobre a concentração de tropas

portuguesas tão próximas da sua fronteira, pois poderiam ser usadas para atacar Espanha. A Inglaterra respondeu que aquela concentração de tropas se destinava exclusivamente à divisão e a quele local tinha sido escolhido por estar em cima de das linhas de comboio: Esclarecimentos trocados entre Madrid e Londres como se Portugal não existisse. Telo, 2010: 335-336.

189 Tamagnini, 1923, Parte I: XV.

190 Idem, Parte I: XVII). É curioso e sintomático o comentário do Comandante Tamagini: “A nascente

era bem conhecida do comandante de engenharia da Divisão, que nunca falou nela”.

82 constituída por 3 brigadas de infantaria, artilharia divisionária, elementos de apoio de combate e serviços num total de cerca de 34 000 homens, embora a intenção do governo fosse a criação de duas divisões auxiliares e duma divisão de instrução. A divisão auxiliar viria a tornar-se no núcleo do Corpo Expedicionário Português (CEP).

Parte significativa do exército não entendera a decisão política da entrada de Portugal na guerra, manifestando uma profunda relutância em marchar para a frente de batalha, agravando as rivalidades dos militares para com o governo e as clivagens dentro da própria instituição. Havia uma consciência generalizada de que o exército português não reunia as condições de equipamento, armamento e técnico-profissionais mínimas para ir combater numa frente cujos meios técnicos e tácticos se tinham vindo a desenvolver desde o início da guerra. Comandado ainda por uma boa parte de oficiais conservadores o exército não queria, efectivamente, ir para a guerra. Surtira efeito em muitos militares a forte campanha rejeitando a mobilização que os antibeligerantes, monárquicos, anarquistas, sindicalistas e unionistas tinham desenvolvido junto dos quartéis.

As primeiras reacções à política do governo e aos oficiais que incondicionalmente a apoiavam, ou que pela sua condição militar a cumpriam rigorosamente, surgiram logo na mobilização para Tancos. Foi o momento de pôr à prova a capacidade disciplinar de comando do general Tamagnini perante a facção militar que se opunha à beligerância nas condições que o governo pretendia. Em 22 de Abril de 1916, duas companhias do regimento de infantaria 21 aquartelado na Covilhã revoltaram-se incitadas por civis, recusando-se a abandonar o quartel e a seguir para Tancos. Foi o próprio comandante da divisão que se dirigiu à Covilhã, acompanhado por alguns oficiais do seu estado-maior e um batalhão de infantaria, no sentido de fazer cumprir a ordem e restabelecer a disciplina. O prestígio e a presença do general Tamagnini no quartel levaram a que as companhias sublevadas mudassem de atitude, obrigando-as a deslocarem-se para Tancos, desarmadas e escoltadas. E para exemplo de situações futuras semelhantes, houve sanções disciplinares aplicadas aos cabecilhas da sublevação, aos oficiais do regimento por incapacidade de impor a disciplina e até aos civis incitadores da revolta.

O comportamento das tropas da Covilhã constituiria um primeiro aviso e um alerta para o comandante da divisão de instrução. Para os militares, a ida para Tancos significava a concessão do passaporte de partida para a guerra o que, aliado às deficientes condições em que as tropas se encontravam naquele campo de instrução, poderia ser naturalmente favorável ao aparecimento de novos actos de insubordinação.

83 Em 22 de Julho, dias antes da marcha para o exercício final da instrução, realizou-se na charneca de Montalvo, situada entre Vila Nova de Constância e Abrantes, a cerca de 10 quilómetros de Tancos, uma parada geral. As tropas que se tinham concentrado durante cerca de três meses no polígono desfilaram, com pompa e circunstância, perante uma tribuna construída para o efeito onde se encontravam o Presidente da República, o governo, membros do corpo diplomático e adidos militares. Escreve Tamagnini que assistiram ao desfile oficiais e civis idos de Lisboa, muitas senhoras, assim como grande número de habitantes das

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