• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I CONTEXTO POLÍTICO EUROPEU NO FINAL DO SÉCULO XIX E

3. O despoletar da guerra e a problemática da participação de Portugal

A 28 de Junho de 1914, em Sarajevo, o assassinato do herdeiro do Império Austro-Húngaro arquiduque Francisco Fernando e de sua esposa por um estudante sérvio foi o pretexto para a crise de Verão do mesmo ano dominada, na realidade, por considerações de segurança e equilíbrio de forças. Em 28 do mês de Julho, apesar da pressão inglesa, a Áustria estimulada pelo comando alemão declarou guerra à Sérvia, fazendo accionar o sistema de alianças e precipitando as nações num conflito geral. A diplomacia e hesitação dos militares e dos políticos mostraram-se totalmente incapazes de evitar a catástrofe.

A 4 de Agosto cinco impérios encontravam-se em guerra: Áustria-Hungria contra a Sérvia e o império germânico contra a França; a Grã-Bretanha e o império russo contra a Alemanha e Áustria-Hungria e os impérios francês e inglês contra a Alemanha. Era convicção dos ingleses, mas particularmente dos alemães, que o conflito se resolveria em pouco mais de seis meses.

Todas as diligências levadas a cabo por Sidónio Pais, na altura chefe de Missão de 1ª classe e ministro plenipotenciário de Portugal em Berlim, no sentido de estabelecer as melhores relações de Portugal com a Alemanha e evitar a entrada do seu país no conflito, não correspondiam à intenção do governo de Lisboa.

Em 7 de Agosto, o Chefe do Gabinete Bernardino Machado declarava no Parlamento, em nome do Chefe do Estado, do Congresso e do povo português a solidariedade, amizade e fidelidade à aliança com a Inglaterra, surpreendendo o governo britânico com a atitude tão apressada e solícita de Lisboa. O próprio secretário de Estado, Sir Crowe, declarava a Manuel Teixeira Gomes que o Foreign Office não esperava que os acontecimentos se precipitassem, atribuindo a apressada resolução do governo português a alguma acção provocatória do ministro da Alemanha54.

Todavia não foi pacífica a tomada de decisão da entrada de Portugal na guerra. Os Democráticos liderados por Afonso Costa e grande parte dos Evolucionistas chefiados por António José de Almeida eram claramente a favor de uma intervenção imediata. Afonso Costa afirmara categoricamente no Parlamento a sua posição e a do Partido: “Temos uma aliança, e

53 Ferro, 2008: 21.

34 aliança com a nobre, altiva e gloriosa nação inglesa, que entrou na luta em defesa da paz e da velha Europa”55.

Leote do Rego confirmava as mesmas intenções: “Quem não é por nós é contra nós … que vergonha, que ignomínia que seria, com efeito, para a República uma declaração de neutralidade”56. Porém, os Unionistas de Brito Camacho e de Sidónio Pais sustentavam que o País deveria manter a neutralidade, isto é, esperar por um pedido da Inglaterra, invocando a velha aliança dos dois Estados. Só nesse caso Portugal deveria satisfazer o seu compromisso. No campo da História, da Defesa e das Relações Internacionais, a problemática da participação de Portugal naquela que ficou conhecida por Grande Guerra continua, nos dias de hoje, a suscitar perguntas para as quais há necessidade de procurar explicações. Severiano Teixeira e António Telo são consensuais nas respostas às questões porque foi e como foi Portugal para a Guerra: a tese colonial, segundo a qual o país participaria no conflito para salvar as colónias; a tese europeia-peninsular, que consistia no afastamento do perigo espanhol; a conquista de um lugar no concerto das nações no fim do conflito e, finalmente, e não menos importante, a defesa do regime republicano57. Para os republicanos radicais, particularmente Afonso Costa, Bernardino Machado e João Chagas, que viam esgotar-se pouco a pouco o seu sonho, “a guerra neste campo era uma bênção”58.

Tanto os republicanos radicais como os moderados perceberam que as conjunturas, tanto interna como externa, estavam intimamente ligadas. Era sua convicção, pelo menos aparente, que a perda das colónias e o derrube do regime estariam condicionados à posição que Portugal tomasse em relação ao conflito e às potências vitoriosas.

Mas as “reservas” britânicas em relação ao empenho do governo português prolongaram-se até 1916. Em 6 de Fevereiro, o conselho de ministros reunido sob a presidência do Chefe do Estado resolveu fazer a requisição geral dos navios alemães nos portos portugueses. A decisão veio na sequência de um pedido de Sir Edward Grey, justificando que os navios que se encontravam nos países cuja simpatia estava com a Grã-Bretanha na sua luta com a Alemanha poderiam ser utilizados, em vez de permanecerem desaproveitados59. Perante algumas exigências do governo de Lisboa, em 17 de Fevereiro de 1916 Sir Lancelot Carnegie pediu

55 Ramalho, 2001: 75. Citado do jornal O Século de 8/8/1914 56 Ramalho, 2001: 75. Jornal O Século de 23/8/1914

57 Teixeira, 1998: 56-62. 58 Telo, 2010: 300.

59 Portugal No Conflito Europeu 1ª parte (1920: 230-232) “Documentos apresentados ao Congresso

da República em 1920 pelo MNE, negociações até à declaração de guerra”, também conhecido por

35 “ao Governo da República em nome da aliança a requisição de todos os barcos inimigos ancorados em portos portugueses”60.

Em 23 de Fevereiro foi publicado em suplemento ao Diário da República o diploma da requisição dos navios alemães, tendo as autoridades portuguesas tomado posse dos mesmos sem incidentes. No mesmo dia, através dos representantes de Portugal em Haia, Berna e Estocolmo, Augusto Soares fazia transmitir um telegrama ao ministro de Portugal em Berlim, Sidónio Pais, informando-o da decisão do governo de Lisboa em requisitar os navios alemães e que deveria avisar o governo germânico da resolução. A 26 de Fevereiro, através de Haia, Sidónio Pais dava conta do encontro com o secretário de Estado alemão sobre a requisição dos navios, considerando a situação extremamente grave. No dia seguinte, um protesto do governo alemão chegou ao ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Soares, exigindo a imediata revogação da medida. A 28, Augusto Soares recomendava a Sidónio Pais que se preparasse para uma hipótese de retirada. E em 9 de Março de 1916 a Alemanha declarava guerra a Portugal. No dia seguinte, os republicanos radicais mostraram-se eufóricos: João Chagas escreveu no seu Diário: “Aleluia! A Agência Wolff anuncia o rompimento das relações diplomáticas da Alemanha com Portugal.”61. Para os republicanos radicais era “a

dádiva de Marte”.

A partir dessa data, Tancos passou a ser o núcleo central de formação base das tropas que deveriam partir para a frente da guerra no final de Janeiro do 1917. Para esse efeito, Afonso Costa mandara formar uma divisão de Instrução e duas divisões auxiliares. A primeira a partir, formada por 3 brigadas de infantaria, 7 grupos de artilharia e 4 de metralhadoras, 9 baterias de morteiros ligeiros e médios, serviços auxiliares (saúde, engenharia, transmissões e logística) teria cerca de 34 mil homens e uma reserva de 5.70562.

Foi bastante agitada a preparação dos militares destinados à guerra. Além da falta de condições mínimas, havia o fraco empenho dos oficiais, incluindo a sublevação de algumas companhias, bem como a propaganda antibelicista e antiafonsista. Todavia, o motivo revelador da urgência de Afonso Costa e de toda a confusão subjacente era que as tropas portuguesas partissem para a Flandres sem qualquer inspecção médica. Esta era feita apenas nos portos de desembarque em França, onde se verificou que grande número de militares estava incapaz de exercer qualquer serviço.

60 Idem: 233.

61 Chagas, 1929: 217-219. 62 Telo, 2010: 377-378.

36 Em finais de Janeiro de 1917 embarcaram para França, a bordo de navios ingleses de acordo com a Convenção Militar de 1917 entre Portugal e o governo inglês, as primeiras tropas do Corpo Expedicionário Português (CEP), comandado pelo general Fernando Tamagnini de Abreu e Silva. Pelo mesmo acordo, a Inglaterra deveria assegurar o transporte dos militares até à linha da frente, dar-lhes formação e fornecer armamento e equipamento.

Não cabe neste estudo indicar o tipo de armamento utilizado, nem fazer uma análise extensiva do período desde a chegada das tropas à linha da frente até às vésperas de 9 de Abril de 1918.

37 CAPÍTULO II - PORTUGAL E A GUERRA - A POLÍTICA INTERVENCIONISTA DO PARTIDO DEMOCRÁTICO E A FRACTURA DA SOCIEDADE CIVIL E MILITAR

Neste capítulo serão abordados os fundamentos básicos da divisão da sociedade civil e militar, a política de guerra do Partido Democrático que dominava o Parlamento e o Governo, a posição dos antiguerristas e a entrada na guerra. Nesta sequência, sucederam-se as primeiras fracturas na instituição militar na mobilização para Tancos e a caminho da Flandres. Oficiais e soldados não entenderam a decisão política e por isso ocorreram desordens e tumultos das tropas portuguesas nos transportes ingleses, provocando grande descontentamento no almirantado britânico. Abordar-se-á a organização do CEP na frente, o dispositivo militar, a estratégia, logística, clima psicológico e moral das tropas, as insubordinações, desobediências e deserções, a falta de oficiais subalternos, o dispositivo do CEP nas vésperas do 9 de Abril, as ofensivas alemãs a partir de 15 de Março, movimentações inimigas nas linhas da frente portuguesa, a controvérsia da rendição das tropas e a clivagem entre os oficiais do regimento de infantaria 13 de Vila Real.

Documentos relacionados