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CAPÍTULO 4 O PORQUÊ DA REFLEXÃO SOBRE OS AGRICULTORES

4.3 A DEFASAGEM DA FORMAÇÃO TRADICIONAL E A FORMAÇÃO

a escola tradicional com profunda aversão à sensorialidade e à singularidade, continuando indiferente aos novos paradigmas e exigências do mundo moderno. A escola deveria, em primeiro lugar, partir do ensinamento da natureza, conforme nos aponta Speyer:

“Ora, os primeiros conhecimentos da criança na zona rural dizem respeito à natureza. Mas os conteúdos que lhe são oferecidos nos programas escolares partem do princípio de que o homem, para ser culto, deve ser letrado; seu conhecimento para ter valor, deve ser científico, pois se dirige a conviver no mundo tecnológico e urbano”. (Speyer, 1983, p. 16)

Ainda hoje, a escola apresenta uma visão fragmentada e distorcida dos objetivos educacionais, não ensina as habilidades e as competências necessárias à vida moderna na pequena empresa familiar do mundo agrícola. A educação deveria valorizar a cultura campesina, utilizando-a como ponto de partida em seu planejamento e ações.

Os agricultores familiares se vêem de mãos atadas não conseguindo, ou tendo enormes dificuldades, para resolver e/ou encaminhar suas dificuldades cotidianas que são, na maioria

das vezes, as mesmas dificuldades e problemas enfrentados por qualquer empresa do mercado, tais como:

Inovar e ser criativo; ou seja, procurar buscar novos produtos que sejam possíveis de ser produzidos na região, buscar informações e conhecimento sobre como melhorar / avançar no produto já existente na tentativa de baratear os custos de produção, melhorar a qualidade agregando valor e acima de tudo ousar, ser criativo, como diz Lima “um empreendedor que percebeu antes dos concorrentes, a necessidade de colocar um novo produto no mercado”(Lima, 2003, p 213);

Tomar decisões e/ou fazer escolhas. Neste sentido é necessário ampliar o leque de possibilidades e saber escolher a coisa certa no momento certo para que se tenha êxito;

Resolver problemas, pois, quando se propõe desafios os problemas surgem naturalmente, sendo necessário preparo e amadurecimento na condução e resolução das questões, tornando imprescindível saber investigar, pesquisar e eventualmente correr riscos;

Desenvolver projetos, porque é praticamente inviável permanecer em qualquer setor produtivo de maneira amadora. É necessário se tornar profissional, ou seja, projetar e planejar suas idéias, conforme exposição do professor Fernando Curi Peres, Secretário do Pró-Jovem São Paulo13: “é fundamental trabalhar o projeto em suas fases, ou seja, diagnóstico, estudo de mercado, engenharia do projeto e avaliação

Ter espírito de liderança, com condições de liderar e ou gerenciar o próprio negócio, administrar associações de produtores e cooperativas agrícolas na tentativa de romper o isolacionismo, individualismo e auto-suficiência, sempre presente nos agricultores, promovido pelas formas artesanais de trabalho;

Ter ética e honestidade para oferecer aos consumidores produto de qualidade com confiabilidade e segurança, prezando sempre pela integridade dos produtos colocados no mercado consumidor;

Desenvolver e demonstrar auto-estima, mostrando que a “imagem de Jeca Tatu” é coisa do passado e que o agricultor familiar se moderniza, acompanhando a evolução do mercado;

Ter uma visão holística do mundo, sair do seu espaço, não o negando, mas mostrar o valor do seu local na inserção planetária, procurando introduzir as inovações tecnológicas, tais como computador e noções básicas de línguas universais.

Quero incluir a questão da criatividade por que entendo ser relevante para expressar o meu pensamento. Concordo com Lima quando diz “a criatividade é a ferramenta que forjou o mundo. Ela está presente em tudo que é humano” (Lima, 2003, p 92). Graças às pessoas criativas temos todas as coisas que facilitam nossas vidas, mas que, infelizmente, também geram tristezas e desgraças (bombas e mortes), “Para não falar dos sistemas filosóficos, das teorias econômicas e das hipóteses astronômicas. Criatividade é uma extensão da inteligência” (Lima, 2003, p 92).

Entre alguns agricultores, inclusive com baixa escolaridade, percebemos a presença de uma desenvolta criatividade e utilidade prática em seu seio. Este fato desperta-nos curiosidade, sendo assim, buscamos relacionar a criatividade a algumas idéias do sociólogo italiano Domenico de Masi sobre esse tema. Segundo ele:

“A criatividade está muito mais ligada a capacidade de introspecção do que aos recursos disponíveis , ou mesmo a ressonância do que o encontro de duas ou três pessoas criativas podem produzir, quando se estimula intelectual e reciprocamente com suas idéias” (De Masi, 2000, p. 220).

Vemos, assim, que os recursos tecnológicos educacionais podem ser os princípios responsáveis pela “geração” de uma mente criativa, na verdade eles podem ser auxiliadores, mas não são determinantes. Assim, cabe ao formador o papel de estimular o formando numa busca da introspecção, curiosidade, utopia e realização de ideais.

13 Palestra proferida em 13/11/2002 no II Seminário Internacional da Pedagogia da

Torna-se necessários, então, encontrar as condições básicas para o desenvolvimento do sonho, como nos diz o próprio autor:

“A criatividade para mim não é só ter idéias, mas saber realizá-las. É unir fantasias e concretude. O burocrata é só concreto e quem alimenta veleidades é só um sonhador. Para que se obtenha um grupo, é preciso fazer conviver pessoas sonhadoras e pessoas concretas”. (De Masi, 2000, p 289).

Conseguir superar esta barreira no meio rural, geralmente conservador, é um exercício de grande habilidade para o agricultor empreendedor. Implantar um projeto diferenciado na propriedade rural, como ocorre nos outros setores da sociedade, é um risco, e leva tempo para que se decida ou não por esta opção, que terá que acontecer, inexoravelmente, conforme nos aponta De Masi:

“Os burocratas têm medo da inovação, os criativos tem medo do imobilismo. As duas posições serão cada vez mais inconciliáveis. Mas vencerão os criativos, porque a sociedade pós-industrial se alimenta de invenções, não tem outra saída, premia a iniciativa e joga para fora do mercado o imobilismo”. (De Masi, 2000, p 268).

Segundo Jobert, no mundo atual, é cada vez mais freqüente a procura por profissionais inteligentes, competentes, capacitados para o trabalho. No meio rural não pode ser diferente. Os agricultores familiares precisam acompanhar as mudanças e tendências que vêm ocorrendo, e ligar-se às novas situações que são colocadas, pois cada vez mais as pessoas necessitam de “capacidade de adaptação às mudanças, de iniciativa, de autonomia, de comunicação, de antecipação e, mais geralmente, aptidões não apenas físicas e cognitivas mas também comportamentais”. (Jobert, 2001, p 227). E como o próprio autor citado anteriormente, as situações produtivas estão se organizando numa velocidade de “fluidez e da versatilidade dos mercados” (Jobert, 2001, p 227), não acompanhar estas mudanças é sinal de estagnação.

Assim, o autor caminha para a questão da inteligência, sugerindo que “a inteligência interessa-se mais pelo resultado do que pela maneira de alcançar” (Jobert, 2001, p 231) o

que aqui no nosso querido Brasil seria certamente confundido com o “malandro” que vive sempre procurando dar um “jeitinho” em tudo. É despachante disso, é representante daquilo, é promotor de eventos entre mil coisas. Contudo, conforme descrito pelo antropólogo Roberto da Matta:

“o malandro, portanto, seria um profissional do“jeitinho” e da arte de sobreviver nas situações mais difíceis. Aqui, também, temos esse relacionamento complexo e criativo entre o talento pessoal e as leis que engendram – no caso da malandragem – o uso de “expedientes”, de “histórias”, e de “contos-do-vigário”, artifícios pessoais que nada mais são que modos engenhosos de tirar partido de certas situações, igualmente usando o argumento da lei ou da norma que vale para todos”. (Da Matta, 2001, p 102)

Convém aqui ressaltar que se deve, sim, estimular o uso da inteligência no objetivo de buscar melhores resultados com o menor esforço empregado, mas pautado em conduta íntegra, para aproveitar ao máximo a capacidade da mente humana, conforme diz Jobert “permite ao astuto obter o resultado com o menor esforço” (Jobert, 2001, . 231).

Outro aspecto abordado que mencionarei é a questão da cooperação. Também é cada vez maior a busca por pessoas capazes de trabalhar em equipe, seja na empresa familiar ou institucional. No meio rural, não ocorre de modo diferente, já mencionei anteriormente a necessidade de organização associativa, cooperativa e também sindical. Segundo Jobert:

“A inteligência singularmente utilizada pelos sujeitos precisa ser tornada visível para os outros, com a dupla intenção de garantir a sua cooperação no trabalho e de submeter a sua maneira de trabalhar ao julgamento de outros com vista a obter um reconhecimento da sua pessoa”. (Jobert, 2001, p 234).

Apesar dos discursos sobre meio ambiente e educação ambiental, ainda endeusamos o homem em detrimento da natureza. Restrepo convida-nos a deixar a pretensão de ser o “centro hierárquico do ecossistema” e abandonar a sua chefia, porque ele e pluricêntrico, reconstruindo-se a cada instante, cabendo aos seres humanos a prática da ecoternura para a

melhor conexão com nosso ecossistema, visto que “só a partir da ecoternura é possível criar um conhecimento que tem presente o contexto que nos rodeia”. (Restrepo, 1999, p 85).