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P RIVATIZAÇÃO : A E XPRESSÃO C ONCRETA DA C RISE DO T RABALHO

3.1. A delimitação dos contornos da privatização

Muito embora o segmento siderúrgico estatal continuasse crescendo e se modernizando até fins dos anos 80 por conta de projetos executados durante o terceiro estágio de expansão do Plano Siderúrgico Nacional, que custou ao país um esforço hercúleo em termos de concentração de investimentos públicos, a criação do Programa Nacional de Desburocratização em 1979 e o estabelecimento da Comissão Especial de Desestatização e do Programa Nacional de Desestatização em 1981 já sinalizavam a disposição do governo federal de limitar a criação de novas empresas públicas e transferir à iniciativa privada as que não fossem “imprescindíveis” ao controle do Estado. Segundo Pessanha (1981), a pressão dos empresários nacionais pela privatização remonta aos anos 70 e não se tratava da ruptura da aliança entre eles e o Estado, mas da troca progressiva de papéis entre ambos, em que o segundo ocuparia maiores espaços deixados pelo primeiro. No entanto, estava fora de questão a desnacionalização dos grandes setores produtivos, até porque o setor privado não tinha capacidade de investir nessas indústrias.

Mais tarde, em 1985, durante a Nova República, a substituição da Comissão Especial de Desestatização pelo Conselho Interministerial de Privatização, que abrangia o espectro de todas as empresas estatais (exceto os monopólios públicos protegidos pela Constituição de 1969), e a instituição do Programa Federal de Desestatização em 1988, indicava mais claramente a direção que tomaria as empresas estatais no sentido da privatização. À medida que se buscava o aperfeiçoamento institucional da política de desestatização no sentido da persuasão do Congresso Nacional, de empresários, e mesmo de trabalhadores, o tema ganhava mais concreção na agenda política do governo Sarney. Todavia, as divisões dentro e fora do governo tornariam difusa e inviável a

implementação de tal proposta. Milagres (1993) concluiu que a ausência de consenso político em torno da privatização frustrou as expectativas mais ambiciosas de reestruturação do Estado, ao confinar-se à tônica do início da década, de diminuição da expansão do setor estatal.

Com o fito de contornar as resistências políticas na esteira do Plano Verão, o governo lançara mão da Medida Provisória que instituía a privatização de todas as empresas públicas (permitidas pela Constituição), mas tal tentativa foi derrotada no Congresso Nacional por uma esmagadora votação de 350 a 77 votos, inclusive de alguns partidos integrantes da coalizão governista. Com isso, os resultados objetivos pretendidos pelo governo Sarney fracassaram se comparados à proposta inicial de alienar todo o setor produtivo estatal do país. Apesar da sua pouca expressão dentro do universo do Setor Produtivo Estatal, ainda assim, as privatizações deslanchadas à época representaram a alienação de 38 empresas. As privatizações das siderúrgicas no período que cobriu o último governo militar e o primeiro governo civil limitaram-se à reprivatização de empresas que estavam sob o controle do BNDES e à venda para o setor privado de algumas empresas genuinamente públicas, todas de pequeno porte.

Em face da resistência ostensiva à privatização, já que a desestatização levada a efeito até então se deu somente por meio de medidas provisórias e por iniciativa isolada do BNDES, à revelia das principais forças sociais e interesses econômicos do país, a estrutura patrimonial do setor produtor de aço ficou cindida entre o setor privado, voltado para a produção de aços não-planos, e o estatal, especializado na fabricação de aços planos. Apesar da reprivatização de três controladas da Siderbrás (Cosim, Cofavi e Usiba) e de duas subsidiárias do BNDES (Cimetal e Nossa Senhora Aparecida)38 diminuir a participação estatal na oferta de aços não-planos de 16% para apenas 4,3% (Passanezzi Filho, 1992:35), a forte mobilização política contrária à desestatização preservou inteiramente o segmento mais importante da siderurgia brasileira, garantindo o monopólio público da produção de aços planos.

Na visão de Schneider (1991), as privatizações realizadas tiveram pouco a ver com o Conselho de Desestatização criado pelo governo Sarney, mas ocorreram decerto por conta da atuação do BNDES. Tratava-se de uma orientação pragmática deste banco, que entendia a privatização como um meio de fortalecer uma intervenção desenvolvimentista nos setores situados na fronteira do desenvolvimento tecnológico. Em outras palavras, o BNDES estaria buscando uma

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As outras duas empresas do segmento de aços não-planos – Cosinor e Aços Finos Piratini – foram privatizadas posteriormente pelo governo Collor, no biênio 1991/92.

reciclagem alocativa de seus recursos. Assim, dada a posição pouco privatizante do governo, o fato surpreendente é que seu programa de desestatização tenha ido tão longe. E, se isto ocorreu, devia-se fundamentalmente à preocupação de funcionários de escalão intermediário daquele banco em “racionalizar” o Estado desenvolvimentista. O setor privado não apenas teria influenciado, como também teria lutado contra nos bastidores, apesar de professar publicamente seu apoio ao programa39. Por outro lado, na medida em que as firmas objeto de venda não se constituíam nas peças-chave do jogo político de Sarney, este era capaz de endossar as propostas da burocracia do Estado.

Mas foi com o lançamento do Programa Nacional de Desestatização, promovido pelo governo Collor a partir de março de 1990, no contexto do novo plano de estabilização econômica do país – Plano Brasil Novo (mais conhecido por Plano Collor) –, que as medidas em prol do processo de privatização (antes rechaçadas pelo Congresso Nacional e pelos movimentos sociais) foram catalisadas e materializaram-se na alienação de um amplo arco de grandes empresas públicas, notadamente as siderúrgicas, petroquímicas e de fertilizantes. As privatizações destes setores prosseguiram, especialmente do setor siderúrgico, mais ou menos num ritmo moroso e de forma conturbada até o final do governo Itamar Franco, devido principalmente ao fôlego inicial da oposição política e sindical à época40, como discutiremos neste capítulo.

Na verdade, as privatizações desse período tinham como intenção primordial corrigir as distorções de natureza macroeconômica por que vinha passando o país desde as décadas pretéritas, principalmente no que se refere à tentativa de promover a redução do déficit e da dívida pública, preterindo do escopo do programa de privatização políticas coordenadas voltadas para a reestruturação e modernização industrial das empresas. Em suma, o PND era parte de um conjunto de medidas que visava predominantemente o ajustamento fiscal das contas do país, conjugado com a política de abertura ao exterior e com a desregulamentação da atividade econômica; medidas estas que consubstanciaram as reformas liberais embutidas no Plano Collor.

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Paula (1998:123) lembra que fração significativa das lideranças empresariais do país voltava seus interesses contra a privatização das siderúrgicas porque suas empresas se beneficiavam diretamente da compra de produtos de aço a preços subsidiados e, no caso dos fornecedores, pela preferência por insumos e contratação de firmas de construção de origem nacional. Visto dessa ótica, a aversão à privatização é explicada pelo temor gerado pela desarticulação da aliança entre as empresas estatais e segmentos importantes do capital privado nacional.

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Mais tarde, com a vitória do governo Fernando Henrique em 1994 e com as alterações na Lei no 8.031/90/inclusão de emendas na Constituição, ampliou-se os setores produtivos e de serviços contemplados no programa de privatização, atingindo até mesmo os monopólios estatais (empresas de telecomunicações, eletricidade, navegação de cabotagem, e gás e petróleo).

O avanço das medidas direcionadas ao Setor Produtivo Estatal mediante a criação em 1991 do Programa de Gestão das Empresas Estatais, sob o controle da então recém criada Comissão de Controle das Empresas Estatais, visava à primeira vista a maior eficiência e competitividade das empresas através da redução geral dos custos. Entretanto, pelo menos no caso da siderurgia, os resultados supostamente pretendidos com a formação desta agência não foram atingidos pelas empresas a contento, a não ser no que se refere à gestão da mão-de-obra, em relação à qual tais políticas conservadoras já começavam a exibir contundentemente a face da redução absoluta dos custos do trabalho como eixo estratégico para garantir o aumento dos ganhos de produtividade das empresas e, mais do que isso, torná-las vendáveis.

Pesquisa do Dieese sobre as negociações coletivas das empresas estatais, realizada no bojo do processo de privatização, não deixa dúvida quanto a este aspecto, uma vez que concluiu que a “diretriz geral imposta às administrações das estatais era de reduzir custos, seja através de demissões, seja através de corte dos salários ou ainda pela diminuição das cláusulas sociais com impacto econômico. Para tal valeram todos os instrumentos disponíveis, como atacar diretamente as direções sindicais, marketing contra o corporativismo dos trabalhadores e até mesmo substituição de negociadores empresariais. (...) Desta forma, as negociações resultaram em perdas salariais, redução dos benefícios sociais e restrição às atividades sindicais” (Dieese, 1992:8-9).

Mas antes do programa de desestatização do governo Collor começar a selar o destino dos trabalhadores das grandes siderúrgicas e da maior parte do complexo industrial estatal, a oposição sindical no meio operário já se fazia sentir desde o início dos anos 80 e, portanto, não coube tão- somente às forças sociais situadas ao lado esquerdo do espectro político-partidário o combate à privatização (Ferraz, 2000). Os encontros e congressos dos trabalhadores das empresas estatais, promovidos ao longo daquela década, já ecoavam de forma reiterada as manifestações contra a privatização, cuja proposta tornava-se cada vez mais presente no horizonte das lutas sindicais.

Afora as tentativas deliberadas dos governos elencadas aqui, a política de privatização é tangível também a partir de outro ponto de vista, a saber, as cláusulas constantes nos acordos com o Fundo Monetário Internacional. As “recomendações” de enxugamento da máquina estatal para fazer face ao desequilíbrio das contas públicas rebatiam diretamente sobre os trabalhadores sob a forma de contenção da contratação de mão-de-obra e de arrochos salariais, e eram interpretadas por estes últimos como o prenúncio de um possível processo de desestatização. As greves nacionais de dezembro de 1985 e outubro de 1986, desencadeada em praticamente todo o setor produtivo estatal,

inclusive nas siderúrgicas, além do intuito imediato de rejeitar os pálidos reajustes reais de salários propostos pelas empresas, eram motivadas também pelo objetivo, sempre presente nas pautas de reivindicações, de reprovar abertamente as ameaças de privatização.

Mudança de rumo: a engenharia política do PND

A reação organizada repetidas vezes pelos metalúrgicos do setor produtor de aço desde então, cujas greves procuravam responder contrariamente à intenção de entregar a grande siderurgia estatal à iniciativa privada, radicalizou-se sob o governo Collor. O vigor da resistência operária, todavia, se deparou com a construção de um forte consenso social em torno da defesa da privatização que gradativamente deixou os sindicatos atuarem praticamente isolados, cada vez mais desguarnecidos de qualquer tipo de estofo político e apoio popular mais amplo capaz de sustentar de forma duradoura a sua invectiva contra o Programa Nacional de Desestatização e, assim, poder enfrentar as demissões ocorridas no setor público que, a passos largos, andavam lado a lado com o arrocho salarial.

Segundo Almeida (1998), nos finais dos anos 80 já estava se quebrando a unanimidade em torno da privatização na opinião pública e entre os chamados policy makers. Para a autora, o predomínio de uma visão pragmática sobre o papel econômico do Estado permitiu que, ao longo da discussão sobre a privatização das empresas públicas, diferentes justificativas para a sua transferência ao setor privado se apresentassem e contribuíssem para somar os interesses e percepções de distintos atores envolvidos no debate. Os policy makers, preocupados com o difícil equilíbrio das contas públicas, justificaram e saudaram as privatizações em virtude dos seus consideráveis recursos adicionais. O setor empresarial via realizados seus reiterados reclamos de redução do papel produtivo do Estado e aplaudia as oportunidades de negócios que se criavam com a venda do patrimônio estatal. Muitos dos altos executivos das empresas públicas aceitavam os argumentos que enfatizavam a falta de recursos orçamentários para investimentos e a excessiva rigidez das normas burocráticas que reduziam a flexibilidade das estatais e sua capacidade de competir com as empresas privadas. Já os políticos, preocupados com os seus eleitores, eram sensíveis às evidências de deterioração progressiva dos serviços oferecidos pelos grandes monopólios públicos.

Com o insulamento dos sindicatos perante a opinião pública, o processo de privatização da siderurgia no PND desdobrou-se em situações concretas muito particularizadas, variando

significativamente de empresa para empresa. Cada caso, entretanto, revelou-se um tipo de específico que deixa transparecer todos os elementos estruturais presentes na privatização da grande siderurgia na sua inteireza e que, de um modo ou de outro, ilustra toda a complexidade do processo de articulação das forças políticas do país contra a manutenção do status público das empresas. A análise do processo de privatização mostra como ele encerrou em si mesmo um outro processo que, a rigor, expressa como as mesmas forças políticas em questão estavam pactuadas para debelar o poder e o capital político acumulado pela representação sindical dos metalúrgicos das usinas siderúrgicas, em particular, e do movimento sindical, em geral, a fim de que a plataforma neoliberal do governo Collor fosse conseqüente também no que diz respeito à transformação das relações de trabalho.

É com esse propósito que privilegiamos o exame mais detido da privatização, dando ênfase aos casos da Cosipa e da CSN, como procedemos no capítulo anterior, com o objetivo de compreender amiúde as vicissitudes desse processo e de trazer à tona os elementos envolvidos nas alterações internas ao campo de correlação de forças estabelecido entre as empresas e os sindicatos – e seus nexos com as transformações ocorridas no plano macropolítico –, porquanto a privatização das duas empresas se constituem em casos críticos de mudança de trajetória e se prestam enquanto momentos-síntese da reconfiguração da tessitura das relações entre capital e trabalho na siderurgia brasileira.

Antes de avançar esse ponto, porém, devemos nos debruçar nesta seção sobre a base material e ideológica que deu sustentação política e conferiu a racionalidade global própria da engenharia política que conformou o PND.

Embora o Plano Collor não tivesse inicialmente uma base de sustentação política estável e organizada desde a corrida pela eleição, tampouco seu projeto de privatização achasse total ressonância na sociedade civil, o uso arbitrário do “decreto” e da “medida provisória”, que, aliás, deram origem ao PND, conferiu em grande medida poderes extraordinários à Presidência da República para barrar as negociações com o poder legislativo e, com isso, agilizar e apressar o processo a fim de tornar exeqüível o desmonte de parte do aparelho produtivo estatal. Martins (1991), escrevendo no “calor dos acontecimentos”, ressalta que a autonomia política do governo decorria do desinteresse pela formação de uma maioria permanente no Congresso e nas estruturas partidárias, recursos dispensáveis porque a atitude do presidente voltava-se para o reforçamento do

monopólio exercido pela burocracia sobre as decisões econômicas e a abertura de canais diretos e pessoais de comunicação com a opinião pública.

As conclusões tiradas por Martins (1991) confirmam-se quando nos reportamos ao estudo elaborado posteriormente por Almeida e Moya (1997:122-123), que partindo de um exame quantitativo da base normativa do programa de desestatização em vigor até setembro de 1996, constataram que a produção legal sobre a questão concentrou-se na edição de decretos (52%) e de medidas provisórias (18%) e resoluções federais (3%), em detrimento de leis (17%), decretos legislativos (6%) e emendas constitucionais (4%). Ainda no momento de aprovação do PND, o veto do então presidente a um dos dispositivos da lei, que restringiu as possibilidades de participação do Parlamento no processo de privatização (Almeida e Moya, 1997:130), patenteia a prerrogativa do governo inferida pelos autores. Quanto ao papel jogado pelo poder judiciário, a sua linha de atuação limitou-se grosso modo ao retardamento do processo de privatizações (Couto, 1998).

A data do levantamento das informações realizado por Almeida e Moya (1997) sugere o prosseguimento do estilo centralizado na condução do PND em todo o período que compreendeu a transferência integral do segmento siderúrgico estatal para a iniciativa privada. Contudo, o governo de Itamar Franco (set/1992 a dez/1994), a despeito do caráter anti-liberal atribuído ao conjunto da sua administração, mais do que mera continuidade, pautou a política de privatização no aprofundamento da autonomia gozada pelo Executivo. Não por acaso as privatizações consumadas durante o seu breve mandato, apesar de mais moderadas que a dos seus antecessores quanto ao número de empresas vendidas, resultaram na entrega das principais “jóias da coroa” do setor produtivo estatal e no maior número de demissões, indo mais longe do que todos eles.

Quadro 3.1 – Privatização em cada mandato presidencial (1981-1994)

Mandato No de empresas Total em US$ milhões No de demitidos

João B. Figueiredo 20 188,51 4.864

José Sarney 18 548,30 22.707

Fernando Collor de Mello 18 3.397,80 43.469

Itamar Franco 16 11.800,00 50.157

Transformada em lei41, a regulação do programa de desestatização portanto praticamente não levou em consideração nenhuma das emendas aditadas pelo Congresso42 e, muito pelo contrário, reforçou o encapsulamento do poder executivo, ao dar plenos poderes ao BNDES, agência na qual a equipe de tecnocratas responsável pela condução da privatização estava finamente sintonizada com os ditames do governo nesta matéria. A autonomização e centralização que marcaram as decisões do governo é traduzida também pelo critério de composição da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização que, além de ser presidida pelo próprio presidente do BNDES, encarregado de conduzir o programa na época, a nomeação dos seus componentes não estava orientada para representar os diferentes setores da sociedade. O veto à participação de um representante dos sindicatos na comissão ilustra claramente o alijamento dos trabalhadores desse processo.

A internalização do núcleo decisório no foro do BNDES pode ser explicada pela experiência adquirida pelo banco durante as re-privatizações consumadas na década de oitenta e pelo papel de relevo que este jogou, quando liderara de forma autônoma e “desideologizada” o processo de desestatização de uma série de pequenas empresas não-prioritárias ao desenvolvimento, como já vimos neste capítulo. É bem verdade que o pretexto utilizado era justamente o de recompor o poder de investimentos estratégicos do Estado no desenvolvimento do país. Entretanto, esta posição não casa com o que veio a ocorrer, por exemplo, com a privatização da Usiminas em 1991, uma empresa que, se vista de qualquer ângulo ou sob qualquer aspecto, não se encaixava neste perfil.

Se é verdade que não havia consenso em prol da privatização, também não existia unanimidade no extremo oposto. De fato, segundo Schneider (1992), o governo Collor contou desde o início da sua administração com dois fatores fundamentais a seu favor. Por um lado, a onda de privatizações que acorreram dos países avançados na esteira das políticas neoliberais implementadas nos anos 80, no Brasil se refletiu no apoio efetivo dos administradores públicos e das empresas privadas e, de outro, o apelo popular das suas propostas, que ganharam relevo no cenário nacional, tendo em vista as circunstâncias singulares que cercaram a eleição de Collor como primeiro presidente eleito popularmente em 29 anos, bem como o discurso moralizante contra o Estado

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O Programa Nacional de Desestatização foi criado a partir da promulgação da Lei 8.031 em 12 de abril de 1990, a qual foi regulamentada em 16 de agosto do mesmo ano pelo decreto 99.463.

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Scheneider (1992:13) narra um exemplo inconteste disso: “Assessores na Comissão Econômica da Câmara de Deputados tinham trabalhado para fundir as Medidas Provisórias de Collor com os projetos anteriores e sua emenda passou com uma votação de 370 contra 90. Collor, contudo, vetou muitas das emendas, especialmente uma –

“inepto”, que embalou a sua campanha eleitoral, sobretudo a tônica na tão propalada “caça aos Marajás”.

Com tudo isso, o governo ainda precisou contornar as oposições de vários grupos sociais organizados para deslanchar satisfatoriamente o programa. Para tanto, contemplou inicialmente o setor siderúrgico, onde havia menor resistência, posto que não era prestador de serviços púbicos e onde, aliás, os interesses dos trabalhadores encontravam-se ainda mais fragmentados por conta da extinção da Siderbrás, liquidada ainda na primeira semana de governo43. Survey realizado em 1994 por Lima & Boschi (1994) junto às elites implicadas na privatização (congressistas, sindicalistas, administradores públicos e empresários) confirma o quanto a estratégia perseguida pelo governo estava adequada aos seus fins. A pesquisa revelou que as fortes divergências de posicionamento