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CORPO REVESTIDO

3.4.1.1 A DEPENDÊNCIA DO (EU) SIMÉTRICO

O tipo de comportamento simétrico pode se apresentar com traços peculiares dos modos vestimentares, de acordo com o que se pode perceber nas falas de algumas mulheres do Advanced

Style. Como exemplo disso tomamos a afirmação na fala da senhora Rose, na qual ela expõe sua

opinião do que entende como a construção de sentido vestimentar adequado: “Ser mais, aparecer menos.” 112

Ao apresentar a ideia de que “aparecer menos” permite construir o valor de significado eufórico de “ser mais”, pressupõe-se a valorização de uma figura que prioriza a ausência do efeito de

157 exagero dos elementos plásticos vestimentares. Ou seja, as formas vestimentares, valorizadas pela Rose, indicam um tipo de comportamento que busca priorizar as composições de vestuários a partir de elementos significantes que permitam reproduzir o sentido estético do “parecer menos” (appear less), para que seja possível, então, alcançar o valor de sentido do significado do “ser mais” (be more).

Isso nos mostrou que esse é um comportamento típico do simétrico. Trata-se da figuratização do ser a partir do valor estético da simplicidade e de nitidez das formas vestimentares. Poderíamos dizer também que esse tipo de comportamento busca na recorrência de discursos de moda o efeito da expressão minimalista113, regida fundamentalmente pela continuidade da qualidade e quantidade de

figuras simples, numa noção do mínimo necessário para o efeito desejado. Compreendemos ainda como um percurso de ações que busca na qualidade do efeito do minimalismo das formas vestimentares a exaltação eufórica de valores da presença do ser mais. Esse tipo de comportamento se reafirma como um modo de presença da exaltação do discurso de moda, que se constrói na valorização das repetições de referências significantes do eixo icástico (ordenado, nítido e demarcado).

As descrições das ações reconhecidas nas falas de outras duas mulheres, Maira e Mimi, apresentam-se bastante semelhantes quanto a necessidade da permanência e da manutenção do modo simétrico de valorização vestimentar. No caso da senhora Maira, ela fala sobre o seu modo particularizado do dever-fazer uso de um elemento significante o qual representa um valor vestimentar que a permite sentir-se íntegra: “Há algo muito cuidado sobre um laço preto. Eu só sinto que ele me completa.”114

Para Maira, a busca pelo objeto-valor aparece no percurso vestimentar representado a partir do elemento significante vestimentar (laço) de efeito cromático especificamente na cor preta. Nessa busca o regime da dependência modaliza o percurso vestimentar dessa senhora, ao valorizar como modo de necessidade da presença do “laço preto”, pois na ausência dele, ela (o eu) estaria incompleta e irrealizada. Nesse percurso o regime da dependência é percebido na necessidade do dever possuir algo significante para constituir um valor que complete o sentido de existência, transformando-se num valor indispensável, contínuo e recorrente na representação do elemento vestimentar. Percebe-se, então, que nesse percurso narrativo da senhora Maira o dever virtualizante modaliza a busca do sentido de existência a partir da representação do “laço preto”, ação vestimentar que permite

113 O “minimalismo” é um termo de referência da noção estética de movimentos artísticos, culturais e científicos

do século XX que tomou como base de expressão a utilização do mínimo possível de elementos de expressão (Cf. Argan, 1992; Bertoni, 2004). Essa noção influenciou diversas áreas de criação, como exemplo do design, artes, literatura e no design de vestuários da década de 1990.

158 construir significados de “estabilidade” e de “permanência”, os quais indicam manifestações dos modos de valorizações do tipo simétrico.

Mimi também se mostra dependente de um elemento significante e descreve em forma de negação o seu dever narrativo do sentido da permanência: “Eu não posso imaginar sair sem um chapéu. A única coisa que resta na vida romântica é o chapéu.” 115

Diante de possíveis perdas que possam ter havido no processo de existência da vida de Maira e Mimi, elas parecem estabelecer uma conquista de valor à figura de um “laço preto” e do “chapéu romântico”, transformando-os em valores de representação de sentido do prazer ou de algum modo de compensação.

Ao observarmos as descrições das falas dessas duas mulheres, mais uma vez, identificamos a valorização da continuidade do tipo simétrico, no entanto, representado pela significação da

dependência de determinados valores figuratizados nas formas vestimentares como um modo de

mediação do sentido de satisfação.

Quando se trata da fala da senhora Alice e ao retomarmos a fala de Cohen quando discorre sobre ela, vimos que o primeiro entendimento deste autor nos conduziu a perceber manifestações de sentidos de possíveis perfis tipológicos. Vejamos o que Alice disse: “Não quero um look louco. O objetivo é um look tão chique o quanto você puder – mas uma pessoa comum nunca usaria isso na rua." 116

No primeiro momento, ao observarmos a fala de Alice, identificamos que ela enuncia a noção do “não querer”, estabelecendo-se como um modo virtualizante de negação ao sentido disfórico do

look crazy. No segundo momento da fala, o “não querer” passa a ser reafirmado como nível

virtualizante pela busca da valorização da forma vestimentar a partir do sentido de um look chic. Essa busca aparece representada na proposta de valor intenso “tão chique” que ela faz para si e, ao mesmo tempo, para o outro (leitor): “o quanto você puder”.

Pudemos perceber ainda na fala dessa senhora que o valor de “ser chic” aparece em oposição ao sentido disfórico do look crazy, pressupondo-se que este último represente um modelo que não corresponde à valorização da sua maneira de vestir. Essa interpretação se atribui ao sentido da necessidade do “não querer ser vista” na forma adjetivada numa figura de sentido crazy.

Nesse percurso (entre a busca do look chic numa negação do look crazy) pudemos construir a interpretação na leitura de que Alice se refere ao look crazy como um tipo de composição de elementos vestimentares que produza um efeito de sentido estético “louco”, desordenado, exagerado

115 “I can't imagine going without a hat. The only romantic thing left in life is hat.” (Cohen, 2012, p. 05)

116 “Don't want to look crazy. The object is to look as chic as you can – but your average person in the street

159 ou desmedido. Nesse regime de negação à figura crazy ela pode vislumbrar o querer-fazer uma figura

chic, numa virtualização em oposição aos enunciados figurativos e estéticos que possam se estruturar

na manifestação de sentido de um look crazy.

Ao retomarmos a fala de Cohen, na qual se descreve que a Alice procura harmonizar elementos dos universos masculino e feminino, o detalhe do cabelo vermelho intenso como modo adequado à composição, pudemos articular a esta leitura que ela (Alice) busca o valor do sentido de ser “chic” na representação harmônica entre o masculino/feminino e, também, do efeito de impacto das cores intensas. Mas, no último momento da fala dessa senhora, percebemos algo mais na exploração no modo de seu comportamento, em que ela descreve de maneira indireta, numa autovalorização ao sugerir o seguinte: “..., mas uma pessoa comum nunca usaria isso na rua.”

Nesse texto, Alice parece querer dizer, talvez de modo irônico, que é uma pessoa “incomum” ao considerar que uma pessoa “comum” não sairia na rua com aquele tipo de composição vestimentar. A partir dessa descrição, ela provoca o olhar do leitor para o seu look vestimentar na fotografia apresentada no livro por cima do texto (Cohen, 2012, p. 38). Nesse momento, para o leitor e para o analista, é possível realizar uma espécie de relação de ancoragem entre a imagem da fotografia e o texto verbal. Na imagem, os elementos do corpo revestido estruturam-se na significância de um vestido de cortes geométricos simples e discretos, entretanto, ressalta-se uma composição de cores contrastantes: os cabelos na cor vermelha alaranjada; um vestido amarelo intenso; e uma bolsa de mão na cor laranja (cf. Anexos: 14 – Quadro do elemento da cor, foto 110). Alice parece pretender alcançar um look chic na concretização de um efeito exuberante da composição vestimentar de cores vibrantes e contrastantes. Com efeito, para ela, a forma vestimentar de sentido “incomum” permite construir um valor peculiar e subjetivo representado pela maneira particularizada de ser chic.

Em suma, Alice parte de um percurso virtualizante do querer ser chic como regime de dependência de discursos de moda “elegante”, percurso pelo qual parece está implícita a valorização da continuidade do tipo simétrico. No entanto, nesse percurso, ela tenta construir um modo de se vestir particularizado com louvor da cor intensa dos seus cabelos, assim como foi visto anteriormente na fala de Cohen. Isso nos levou a reconhecer que o sentido da dependência do ser chic e, ao mesmo tempo, da busca de algum detalhe da diferença, como modo de não se igualar à regularidade do tipo

simétrico, pode se estabelecer na valorização da sublimidade vestimentar na não-descontinuidade do

tipo dândi.

Mas, não nos parece que é só isso. Ao nos aprofundarmos no universo particular de representações das composições de Alice (cf. Anexos: 1a – Quadro de formatos geométricos fechados, foto 5; 1b – Quadro de formatos geométricos fechados, foto 12; 11 – Quadro do elemento cor, foto

160 87; 14 - Quadro do elemento cor, foto 110), pudemos observar um conjunto de formas vestimentares que se apresentam bastante distintas. Os efeitos de expressões estéticas entre as vestimentas apresentam-se tão diferentes que poderíamos não perceber ser a mesma senhora. Nessa observação específica podemos conjecturar que o percurso de ações vestimentares dessa senhora não só pode ser compreendido como um tipo simétrico ou dândi. Essa senhora deve também transitar pelas ações de mudanças regidas pelo sentido de dependência de discursos de moda, assumindo também o percurso de construção de sentido do tipo camaleônico. A dependência parece ser fundamentalmente o regime que se estabelece na busca do ser chic, representado pela harmonia entre os dois universos: feminino e masculino.

Ao tratarmos do tipo simétrico e a relação implícita que pode ser estabelecida ao tipo

camaleônico, percebemos a recorrência da possível implicação da relação fundamental do princípio da dependência que tanto pode ser paradigmática entre outros tipos comportamentais, como

sintagmática na correlação entre a lógica-discursiva do sujeito e do objeto ou entre objetos. Ou seja, a

dependência surge como dispositivo que rege as ações comportamentais nas relações desses sujeitos,

na busca por valores representados na continuidade de elementos significantes de modo que produzam o efeito de satisfação no seu percurso vestimentar. Vejamos, então, como o regime da não- dependência pode se estabelecer numa pressuposição ao percurso de valorização vestimentar do tipo dândi.