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3 DA DÚVIDA METÓDICA AO COGITO

3.5 O COGITO – EU PENSANTE

3.5.1 A descoberta da primeira certeza

Na busca pela clareza e distinção das coisas, a construção de um caminho efetivado a partir da dúvida metódica rumo à verdade nas ciências, faz com que Descartes chegue a uma descoberta que lhe valerá muitas discussões, mas, que ele terá como a primeira certeza depois de ter passado por tantas dúvidas e incertezas. Até o momento, tudo tinha sido posto pelo critério devastador da dúvida. Os sentidos enganam, agora, pois, será preciso que o eu, autor do pensamento, não poderá não ser. E pensando, poderá até duvidar de tudo, mas de uma coisa jamais se poderá ter dúvidas: que o autor do pensamento é o eu. É o ato de pensar que duvida de tudo. No instante mesmo em que se está a duvidar, surge a primeira certeza: “sou eu quem duvido”.

É claro que Descartes pensa ao argumentar sobre esta primeira certeza, o

Cogito, princípio filosófico a que procurava. A verdade do Cogito não permite abalos

frente aos argumentos dos céticos. Percebe-se que a descoberta da primeira certeza proporciona a Descartes, através do cogito, atingir também àquela que é a base de

todo o seu sistema: Deus. Como? Através de uma análise do sujeito pensante que possui em si a consciência e a ideia de Deus.

Com isso, Descartes vai além do ceticismo vigente, superando-o. O Cogito será a primeira certeza descoberta tendo a consciência da existência de seu eu. O sujeito pensante buscará o fundamento para si e para todas as coisas: Deus. Descartes acredita que a única coisa que está completamente no poder são os “pensamentos” (res cogitans), assim, as outras coisas que se encontram exteriormente ao pensamento não são de total domínio, nisso se inclui as riquezas, bens, a fortuna. Daí o princípio que se usa para vencer a si e depois a fortuna, pois estando estes fora de nós, fora de nosso domínio não há razão para se lamentar sua ausência. Ele reconhece que é necessário um longo exercício da mente para se chegar a tal, mas por sua vez também admite que é possível ser feliz dessa maneira, pois para ele não convém que o homem venha a lamentar-se pelo que não tem, pelo que é exterior a ele (res extensa). O homem tem total domínio de seus pensamentos, logo, pode dominá-los suficientemente para não desejar aquilo que não tem, e ser feliz com o que lhe pertence.

Assim, Descartes busca conhecer todas as ocupações que são possíveis ao homem exercer, mas, não encontra nada que lhe traga maior satisfação que sua própria ocupação, ou seja, continuar cultivando sua própria razão, buscando o conhecimento da verdade.

As regras usadas por ele na construção de uma moral30 lhe servem para

continuar buscando o conhecimento, pois lhe parece inútil contentar-se apenas com as opiniões de outros, obviamente há aqueles momentos em que as opiniões dos mais sensatos são aceitas, mas sua busca consiste em sempre encontrar outras melhores, isto quando houver.

O seu objetivo é, dessa forma, examinar o fundamento que existe para as várias categorias de crenças que possui. Se o fundamento de toda uma categoria de crenças pode ser questionado, as crenças baseadas nesse fundamento não podem ser tidas como inteiramente certas. Pode até ser que as crenças sejam verdadeiras, mas é também possível que sejam falsas, e, se é possível que sejam falsas, elas não podem ser consideradas indubitáveis. É possível que ao encontrar fundamentos

30 DM III, 1973, p. 49-52 Descartes descreve sobre as regras de uma moral provisória e criada para si na terceira parte do Discurso.

certos e indubitáveis para suas crenças, ele possa voltar a aceitar algumas das crenças abandonadas e mostrar que são verdadeiras. Por enquanto, porém, ele as colocará de lado como suspeitas e indignas de credibilidade.

Que os estudos matemáticos foram altamente necessários para a elaboração do método cartesiano não resta dúvida, porém, seu pensamento para se chegar ao conhecimento da verdade ultrapassa os limites matemáticos. Sobre seu pensamento se pode concluir como diz Cottingham (1986, p. 194):

Que a filosofia deveria começar voltando a mente para o interior de si própria é talvez o traço mais característico de pensamento de Descartes, e a sua manifestação mais conhecida é obviamente o

Cogito – a apreensão inicial da sua própria existência pela mente. O cogito, é algo tão real que é aceito por Descartes (DM IV, 1973, p. 54) como o “primeiro princípio da Filosofia” 31 pode-se dizer que, em meio a tantas

dúvidas e incertezas, Descartes encontra algo em que se pode confiar: sua existência, enquanto ser pensante.

E dessa maneira, ele tem uma certeza indubitável, a de que realmente é uma coisa pensante, e de muitas coisas se podia duvidar, não obstante não podia duvidar de que ele que duvidava era algo verdadeiro. Descartes apud Silva reforça este pensamento (MM II, 1973, p. 100§4) “Não há, pois, dúvida alguma de que eu sou [...], enquanto eu pensar ser alguma coisa”, mesmo que seja iludido e enganado.

Ele tem a certeza de que é algo, mesmo que ignore coisas como seu próprio corpo, ele não pode deixar de existir no mundo enquanto pensar que exista, assim, (DM IV, 1973, p. 55) conclui que é,

...uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material. De sorte que esse eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, ainda que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo que é.

31

Mais adiante em nosso texto, especificamente quando se tratará deste princípio na ordem das razões: Ratio cognoscendi (Razão para conhecer) e ratio essendi (Rrazão de ser).Cf. p. 79 de nosso texto.

Descartes irá conduzir, então, seu raciocínio em busca da segunda certeza em sua filosofia, pois, a primeira evidência foi a descoberta do eu pensante. Mesmo assim, esse ser, por ser finito buscará no Ser mais perfeito do que o eu encontrado a sua real causa: O Ser Perfeito. Para a filosofia cartesiana, Deus representa a certeza e a garantia de que o conhecimento agora se encontra confiável, por este Ser infinito é fazer com que tudo exista por sua causa. Então, a primeira certeza, o cogito, a garantia de que eu existo, permite inaugurar a partir desta descoberta cartesiana: uma cadeia de razões até chegar a Deus.