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A descoberta do caroço 2 A procura do médico

Fundamentos Teóricos

1- A descoberta do caroço 2 A procura do médico

3- O diagnóstico 4- Exames e cirurgia 5- Quimioterapia e radioterapia 6- Cura 7- Metástases 8- Morte

Com base nessa classificação conseguimos organizar as fases em que as mulheres estavam em seus tratamentos e a forma como falavam de suas enfermidades e como compreendiam as limitações ou as possibilidades de estarem mais próximas do momento da “alta”. Em todos os discursos de nossas informantes notamos claramente essa classificação dos períodos vivenciados em sua enfermidade. A organização das informações coletadas deu-se com o roteiro para analisar suas falas em conjunto.

Discutiremos detalhadamente estas categorias nos capítulos de IV a VI. Dentro dessas categorias são analisadas as relações das mulheres portadoras de câncer de mama com seus meios sociais, de trabalho e religiosos. Ainda, consideramos a maneira como passam a ver sua auto-imagem e como elas imaginam que o olhar do outro incida sobre ela.

Procuramos também analisar, especificamente, os sentidos atribuídos à origem do câncer de mama sob a óptica das mulheres, sem estendê-lo de forma direta ao conceito do câncer em geral, presente na sociedade. Nessa linha analisamos uma categoria encontrada: as causas do câncer de mama.

A partir dessa classificação, considerando a experiência da mulher com o câncer de mama, compreendemos que essa doença passa por quatro principais momentos. O primeiro antes do diagnóstico; o segundo, quando o médico confirma a existência de um câncer em seu seio; o terceiro que será o tratamento biomédico para o câncer, e no quarto as consequências desse tratamento para sua vida pessoal, social, religiosa e profissional.

Por questões metodológicas, ligadas ao conceito de ruptura biográfica de Bury, optamos por analisar a experiência da mulher em três dimensões: a primeira é a descoberta de alguma anormalidade em seus seios até a procura de um diagnóstico; do diagnóstico ao tratamento biomédico e, ao final, das conseqüências desse tratamento para sua vida cotidiana.

Universo empírico da pesquisa

Aspectos éticos da pesquisa

Os aspectos legais desta pesquisa obedeceram a Resolução 196/96 da CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisas de 1996). Aos participantes da pesquisa foi garantido sigilo dos dados obtidos, não houve nenhum gasto financeiro de sua parte e também não houve remuneração de quaisquer espécies.

Os participantes poderiam desistir da pesquisa a qualquer momento antes da publicação desta tese e ter acesso aos resultados. Assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para realização da pesquisa, conforme Apêndice I. A coleta de dados foi realizada após parecer favorável do Comitê de Ética da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde - FEPECS foi nº 106/2009. Houve anuência dos responsáveis pelos locais de cada pesquisa. O nome das participantes e qualquer outra informação que possa identificá-las foram preservados. Também lhes foi informado que a pesquisadora não poderia auxiliá-los em seu tratamento ou que eles teriam algum tipo de privilégio por fazerem parte desta pesquisa.

O local do estudo

O estudo foi desenvolvido em Brasília, no Distrito Federal, no Hospital de Base do Distrito Federal, HBDF, ou como também é conhecido carinhosamente como “Base” ou Hospital de Base. Mais precisamente no Setor de Mastologia, no Corredor 5 e nos corredores da quimioterapia e da radioterapia (chamados por mim de salas de espera). Sobre o local de estudo, o HBDF descreveremos no capítulo três.

As entrevistas

Foram entrevistadas mulheres portadoras de câncer de mama nas mais diferentes etapas da doença. Definimos por etapas as diferentes fases do tratamento médico para o câncer de mama: o diagnóstico do câncer, a cirurgia, o tratamento em quimioterapia e radioterapia e hormonioterapia, a metástase e a remissão.

Todas, exceto uma, ao serem convidadas a participar desta pesquisa, aceitaram o convite. Apenas uma, por questões pessoais, não autorizou que eu reproduzisse algumas de suas falas, por medo de ser “reconhecida”.

Foram excluídas as mulheres que não residiam em Brasília ou que possuíam planos de saúde particular. Foram excluídas as mulheres que tinham plano de saúde porque queríamos compreender as estratégias que elas utilizavam quando não tinham outra saída para o tratamento do câncer que não fosse a Rede Pública. Além disso, o SUS é a fonte mais importante no tratamento para a maioria da população brasileira e nele que se devem encontrar soluções coletivas para saúde.

Num primeiro momento da tese, meu contato com as mulheres foi facilitado pela apresentação das funcionárias da instituição sem fins lucrativos que atua no hospital. Isto acabou gerando problemas, pois fui inicialmente vista como voluntária desta instituição. A postura das entrevistadas em relação a mim tornou-se estratégica ou premeditada, pois elas passaram a fornecer informações de forma intencional, procurando obter os benefícios possíveis daquela instituição de ajuda. Assim, descartamos essas primeiras entrevistas e procuramos novas informantes, e continuei apresentando-me como pesquisadora e sem vínculo com nenhuma instituição de ajuda, o que mudou a minha relação com as entrevistadas.

A identificação das informantes deu-se nas salas de espera do Hospital de Base. O primeiro contato era feito nestas salas e depois agendávamos um horário no qual pudesse ser feita a entrevista. Nem sempre conseguimos esgotar nossa entrevista em um único encontro. Por isso na maioria das entrevistas realizamos mais de um encontro (no mínimo foram dois, com duração mínima de meia hora e no máximo três encontros, com duração máxima de 4 horas), de acordo com a vontade e disponibilidade da informante. Procurávamos não exceder o tempo limitado pela informante. Tínhamos a sensibilidade de parar a entrevista caso percebêssemos quaisquer sinais de desconforto ou mal estar, quer fossem físico ou emocional.

Os locais para a entrevista partiu da escolha da mulher. As entrevistas preferencialmente foram realizadas em local onde a informante se sentisse mais a vontade, como nossa proposta era de termos mais de um encontro, alguns deles também ocorreram no hospital em salas, disponibilizadas gentilmente,

pela direção do hospital, para que tivéssemos mais privacidade. Algumas entrevistas também ocorreram no momento da internação para a cirurgia, visitávamos as pacientes no 7º andar do hospital antes de fazerem a cirurgia e nos dias posteriores.

Também optamos por entrevistar as mulheres em uma área de convívio entre os dois prédios do hospital, é um local com bancos e mesas, rodeado de árvores, um ambiente agradável e que nos permitiu a entrevista sem interrupções. Uma informante preferiu conversar em um restaurante próximo ao hospital, pois havia marcado um encontro com outra pessoa nesse local, o que achamos interessante e depois foram marcadas outras entrevistas no mesmo local. Em todos os casos foi mantido o caráter de sigilo e de confidencialidade.

Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, algumas falas foram copiadas em meu diário de campo por sentir que, em especial nos primeiros momentos, elas se sentiam melhor em falar sem gravar, mesmo quando nossos encontros eram fora dos limites do hospital. Mas, de qualquer forma, elas sabiam que suas falas seriam anotadas e que seriam compiladas em nosso trabalho.

Antes de todo e qualquer contato, mesmo de “conversa informal” eu lhes informava quem era e o que estudava, lia o TCLE e lhe entregava uma cópia, somente depois de sua autorização formal é que começava pesquisa propriamente dita. Em todos os casos eu estava autorizada a inclusive anotar informações que julgava pertinente, mas que não haviam sido gravadas.

Perfil das entrevistadas

Todas as dezenove mulheres portadoras de câncer de mama que nos forneceram informações moravam no entorno do Distrito Federal, nenhuma morava em Brasília. As idades das mulheres portadoras do câncer de mama variaram entre 38 e 70 anos. Todas sabiam ler e escrever, a maioria fez o ensino fundamental até a quarta série (Fundamental Incompleto), excetuando cinco que conseguiram terminar a oitava série (Fundamental Completo), uma terminou os três anos do Ensino Médio (Médio Completo) e outra informante que fez os

dois primeiros anos do Ensino Médio (Médio Incompleto). Nenhuma de nossas informantes tem nível universitário ou fez cursos técnicos.

São filhas de lavradores, excetuando uma que era filha de comerciante itinerante. Muitas trabalharam na terra, até o casamento, outras mesmo depois de casadas continuaram a trabalhar no campo. Excetuando uma, todas tinham se casado (a menor idade encontrada para o primeiro casamento foi de 16 anos e a maior de 24) ou tiveram relação estável com co-residência por mais de três anos. Todas tiveram filhos (o número de filhos variou de no mínimo um e no máximo nove).

Nenhuma destas informantes nasceu em Brasília. Todas saíram de seus Estados de origem, em geral das Regiões Norte, Nordeste e Sudeste na procura por trabalho na Nova Capital do Brasil e melhores condições de vida, para si própria, ou para os filhos, ou ainda, por pretensões de trabalho do cônjuge.

Ao chegarem a Brasília a maioria das mulheres trabalhava como empregadas domésticas, cozinheiras, ou permaneceu como donas de casa. Mesmo como donas de casa muitas relataram que exerciam outras atividades remuneradas, mas não com registro em carteira de trabalho. Esses trabalhos variaram desde faxinas até mesmo na feitura e venda de peças artesanais. Uma informante nos contou que aprendeu a fazer produtos de limpeza. Depois de várias conversas ela “confessou” que trabalhava como “recicladora de lixo” e por isso teve a idéia de fazer os produtos de limpeza e os condicionar nas garrafas pet.

Apenas duas informantes trabalharam em empresas de serviços terceirizados, essas duas mulheres possuem o segundo grau completo e ainda almejam fazer uma universidade. Com relação à renda familiar, nem todas as mulheres possuíam empregos formais, ou recebiam algum tipo de remuneração na época do tratamento do câncer. Neste caso, essa renda familiar é uma composição entre pensões alimentícias e ajuda de filhos que trabalhavam ou de parentes que elas cuidavam.

Tabela 1- Características das entrevistadas

Nome Fictício

Escolaridade Estado Civil

Profissão Religião Etapas da doença

Emma Bovary

Fundamental

Incompleto Casada Dona de casa Católica Em tratamento Ana

Karenina

Fundamental

Incompleto Separada

Empregada

Doméstica Católica Em tratamento Catherine

Sloper

Médio

Completo Solteira Escriturária

Católica e Espírita Em tratamento Margaret Schlegel Fundamental Incompleto Casada Empregada

doméstica Católica Em tratamento Eugénie

Grandet

Fundamental

Incompleto Viúva Dona de casa Católica Em tratamento Margarida

Windermere

Fundamental

Incompleto Separada Dona de casa Católica Metástase Nora

Helmer

Fundamental

Incompleto Viúva

Trabalhadora

rural Católica Faleceu

Ana Ozores Fundamental

Incompleto Divorciada

Empregada

Doméstica Católica Remissão

Constance Chatterley

Fundamental

Completo Divorciada Cozinheira Católica Em tratamento Emma

Woodhouse

Fundamental

Incompleto Viúva Dona de casa Católica Metástase Elizabeth

Bennet

Fundamental

Completo Casada Comerciária Católica Em tratamento Condessa

Olenska

Fundamental

Incompleto Casada Dona de Casa Católica Em tratamento Sonia

Simonovna

Fundamental

Incompleto Casada Aposentada Católica Remissão

Pepita Jiménez

Fundamental

Incompleto Casada Dona de casa Evangélica Em tratamento Elinor

Dashwood

Fundamental

Completo Casada Dona de casa Evangélica Em tratamento Anne Elliot Médio

Incompleto Casada Dona de casa Católica Em tratamento Maggie

Verver

Fundamental

Completo Casada Comerciante Espírita Em tratamento Thérèse Raquin Fundamental Incompleto Casada Trabalhadora rural Desempregada Católica e evangélica Em tratamento Gwendolen Fairfax Fundamental

Completo Divorciada Aposentada Católica

Remissão; Reconstrução

Os nomes atribuídos às informantes neste trabalho relacionam-se a personagens literárias ou históricas, que marcaram de alguma forma sua época, seja por sua beleza, inteligência, biografia, comportamento, astúcia, modo de se vestir, etc. Não houve relação intencional deste atributo histórico com a informante em questão.

Agrupamos essas mulheres segundo a sua etapa do tratamento. Quando no quadro colocamos que elas se encontravam “em tratamento” isso significa que estavam em uma das etapas propostas pelo médico, ou seja, realizando a cirurgia, a quimioterapia ou a radioterapia. Foram ao todo 19 informantes que estavam em tratamento do câncer, em alguns casos elas apenas fizeram uma dessas etapas no Hospital de Base. Três mulheres estavam em remissão e uma delas já tinha feito a reconstrução mamária. Uma de nossas informantes faleceu e duas tiveram a notificação de metástases. Em nenhum caso houve a recidiva do câncer em outra mama.

Não informamos a idade de todas as nossas informantes por que não queríamos apresentar justificativas baseadas na idade. Eu ouvi algumas vezes que não haveria problemas na retirada dos seios em mulheres sexagenárias, pois a sensualidade seria muito menor nesse período, o que não é verdade.

CAPÍTULO 2

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