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A perda e a fé: a manutenção de uma pela outra

Passado o impacto do diagnóstico, é preciso que se comece o tratamento para a remoção do câncer. Nesse capítulo trataremos dessa etapa na vida dessas mulheres. De suas experiências com o tratamento e a cirurgia, como elas reagiram a essa fase e, mais ainda, quais suas estratégias para conseguirem organizar seu cotidiano nesse momento em que terão que se ausentar de suas atividades cotidianas. Nesse momento, o cuidado com a saúde passa a ser exclusivo, a mulher deverá cuidar de si, e, de preferência, conseguir alguém que a ajude.

Diferente da primeira fase, da descoberta do câncer, na qual a palavra mais usada foi o medo, agora, o substantivo dá lugar ao verbo. Perder é a palavra que melhor descreve esse momento. Todas disseram que, no câncer, convive-se com as perdas e que não há compensações. A perda não é não somente pela mutilação e pela queda dos cabelos, é, mais ainda, o afastamento de muitos amigos, sonhos e realizações profissionais que também serão “perdidos”. O que se constrói depois desse momento terá como alicerce o próprio câncer.

A cirurgia das mamas e seus impactos: as mudanças corporais

Mostrou-se generoso e gentil, e a cercou de cuidados, sem deixar transparecer, quando lhes extraíram os seios, que estava decepcionado.

Travessuras da menina má Mario Vargas Llosa

Inegavelmente para todas as mulheres a cirurgia de retirada da mama foi um dos marcos, porque é irreversível. Algumas farão a reconstrução mamária e terão excelentes resultados, mas trata-se de uma nova cirurgia e uma nova mama. Segundo o estudo de Aureliano com mulheres mastectomizadas em um centro de apoio, mais do que as alterações no corpo, a mastectomia implica em mudanças na sua identidade social:

Não podemos negar o impacto que a mastectomia tem sobre a percepção do corpo feminino e o que isso implica na elaboração das identidades sociais da mulher. Porém, após a experiência, novos discursos irão ser elaborados para se alcançar a normalização dessa percepção e a atuação desse corpo (Aureliano, 2009, p.59).

Qualquer que seja a mutilação no corpo, ela é sempre traumática, mesmo quando se retira um órgão interno que não é percebível pelo olhar do outro, como por exemplo, o útero. Uma de nossas informantes nos contou que já tinha feito a retirada do útero antes das mamas, mas que também tinha sido um processo doloroso: “quando eu tirei as trompas [histerectomia] eu já tinha ligado

elas, eu não podia ter filho, mas quando tirou fiquei o pó” (Margarida Windermere).

As mamas representam uma parte importante do corpo, o seu grau de importância estará relacionado ao sexo, à idade e à importância que a pessoa associa aos seus seios quer por motivos culturais, quer por motivos estéticos, simbólicos, pessoais ou ainda por várias dessas combinações. Quanto mais jovem a pessoa e, em especial, na ausência de filhos, a mama, que também teria a função de aleitar, é sentida como duplamente traumática. Mesmo que se proponha e se consiga a reconstrução, a função de amamentar da mama é comprometida.

No caso de mulheres com mais de 60 anos, o discurso é um pouco diferente. Para elas é importante o caráter estético e sensual do seio, mas a questão da saúde passa a ser mais preocupante porque está associada à idade e as doenças relacionadas a essa faixa etária (comorbidades) que estão mais presentes. Em suas falas, fica a idéia de que tentar manter-se saudável é mais importante do que o aspecto estético. Mas, também não podemos generalizar. Algumas mulheres com mais de sessenta anos, tem vida sexual ativa e vêem seus seios de maneira sensual e a ausência deles também foi sentida de maneira bastante profunda.

Em geral, as mulheres entrevistadas disseram temer a cirurgia, pois não se sentem seguras quanto a sua saúde. Essas mulheres temem em especial a anestesia, algumas nos relataram que tinham medo de morrer ou de ficarem paralíticas por causa de algum efeito colateral do anestésico. Também por esse motivo, não pensam em cirurgia reconstrutora porque mesmo se o resultado for ótimo, o risco que elas correm com a cirurgia não compensa.

As maiores dificuldades começam a aparecer nesse momento de cirurgia e tratamento, quer sejam de ordem prática, ou seja, por exemplo, dificuldades de locomoção, dores, bem como as dificuldades sociais e econômicas. É nesse momento que a mulher passará por um período de internação e cuidado mais intensivo com a sua saúde.

“Aqui morava meu seio”

Dmoch (1985) também apontou que a iminência da perda da mama representa uma desestruturação do sentimento de auto-estima da mulher, tendo como primeira reação diante desta possibilidade de perda, o desejo de salvação do órgão afetado. Segundo uma de nossas informantes a cirurgia de retirada das mamas pode ser assim descrita: “a proposta é assim: ou você morre

ou perde o peito, não tem escolha, não tem o que fazer é aceitar a vida ou morrer e, parece que perto da morte tudo ganha outro sentido” (Margaret Schlegel).

As mamas significam beleza, nutrição, erotismo e sedução (Vieira et al, 2007a). Com isso, as mulheres que sofreram alguma deformidade mamária, e, no caso do câncer de mama a mutilação desse membro, poderão apresentar alterações na imagem corporal e conseqüentemente a necessidade de assistência psicológica para conseguirem superar esse momento (Pitanguy, 1992). Momento que é narrado pelas nossas informantes como sendo de “perdas”.

Segundo Brenelli e Shinzato (1994), a primeira reação de uma mulher ao receber o diagnóstico de câncer de mama e da iminência da perda do seio, é uma tentativa de salvação deste órgão adoecido, esse fato pode estar

relacionado com o significado da mama para a mulher. Elas dizem que o principal é se curar, mas expectativas, até o ultimo minuto, são de que o médico termine os exames ou faça a cirurgia e lhes informe que as proporções do câncer permitiram uma cirurgia só de retirada do tumor e não do órgão inteiro: “quando acordei da

cirurgia ainda tive uma esperança que só tinha saído o caroço e que meu peito continuava, chorei muito quando vi que não”. (Catherine Sloper)

A mastectomia, segundo as nossas informantes, é um dos momentos mais dolorosos em todos os sentidos. As sensações vão desde o desespero por perderem uma parte do corpo: o seio, tão ligado à estética, a sensualidade e a feminilidade; até o alívio de se sentirem livres do câncer. Para algumas, aquimioterapia começou antes, então o cabelo foi o primeiro a ser “perdido”.

A cirurgia, no caso do câncer de mama, é uma certeza nesse tratamento. Pode ser que uma mulher não faça a quimioterapia ou a radioterapia, mas todas farão a cirurgia. Para Cury (2000) a cirurgia é considerada um fator de estresse uma vez que existe imprevisibilidade dos resultados e sintomas, os quais a paciente não pode controlar através de suas ações.

Segundo Petit e Greco (2002), seria interessante e necessário um acompanhamento psicológico, antes de se fazer uma cirurgia de retirada da mama, por causa do impacto e do trauma dessa mutilação. Segundo algumas informantes, a cirurgia de retirada das mamas compara-se à morte de um ente querido: “senti que nem se tinha morrido um chegado da família, dói de dentro” (Anne Elliot).

A cirurgia requer internação, ou seja, é um momento no qual a paciente ficará longe fisicamente de sua casa e dos seus relacionamentos sócio-familiares. Ela deverá permanecer internada por determinado período de tempo que depende exclusivamente de como seu corpo reage à cirurgia.

No dia seguinte da cirurgia, no momento em que elas vêem que a mama foi retirada, percebemos o primeiro o impacto da mulher em relação ao seu corpo, é quando a enfermidade toma um caráter real:

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