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A DESTRUIÇÃO DO QUADRO INSTITUCIONAL DA SOCIEDADE CAPITALISTA

No documento Schumpeter Capitalismo Socialismo Democracia (páginas 175-179)

PODERÁ SOBREVIVER O CAPITALISMO?

III. A DESTRUIÇÃO DO QUADRO INSTITUCIONAL DA SOCIEDADE CAPITALISTA

percebido esse fato, obscurecido por tantas frases feitas, podemos perguntar se é inteiramente correto considerar o capitalismo como uma forma social sui generis ou, na verdade, a última fase de decomposição do que chamamos feudalismo. Levando tudo em conta, sentimo-nos inclinados a acreditar que suas peculiaridades são suficientes para constituírem um tipo e aceitar antes como regra do que como exceção essa simbiose de classes, que deve sua existência a épocas e processos diferentes. Pelo menos assim (175) foi regra nos últimos 6.000 anos, isto é, desde que os primitivos cultivadores do solo se tornaram súditos de cavaleiros nômades. Mas tampouco podemos ver qualquer grande objeção contra o ponto-de-vista oposto e referido acima.

III. A DESTRUIÇÃO DO QUADRO INSTITUCIONAL DA SOCIEDADE CAPITALISTA

Voltamos da nossa digressão com uma carga de fatos alarmantes que são quase, mas não inteiramente, suficientes para justificar o nosso próximo argumento, isto é, que o processo capitalista, quase da mesma maneira em que destruiu o conjunto de instituições da sociedade feudal, solapa as suas próprias bases.

Observamos acima que o próprio êxito da empresa capitalista tende paradoxalmente a enfraquecer o prestígio e valor social de uma classe primariamente ligada a ela, e que a unidade gigante de controle tende a eliminar a burguesia da função à qual deve a sua importância social. A modificação correspondente no significado e a incidental perda de vitalidade das instituições do mundo burguês e das suas atitudes típicas são fáceis de demonstrar.

Por um lado, o processo capitalista solapa inevitavelmente a base econômica do pequeno produtor e comerciante. O efeito que teve sobre as camadas pré-capitalistas repete-se, através do mesmo mecanismo competitivo, na camada mais baixa da indústria capitalista. MARX tem

razão, no particular. E verdade que os fatos da concentração industrial não correspondem inteiramente às idéias impingidas ao público (veja o Capítulo XIX). O processo não foi tão longe e está menos livre de reveses e tendências compensatórias do que se poderia deduzir de numerosas exposições.

Em particular, a empresa em grande escala não apenas aniquila, mas também, até certo ponto, cria espaço para o pequeno produtor e especialmente para a firma comercial. Além disso, no caso de camponeses e fazendeiros, o mundo capitalista se mostrou disposto e capaz de seguir uma dispendiosa, mas eficiente, política de conservação de recursos. A longo prazo, contudo, não pode haver dúvida sobre o fenômeno da concentração e suas conseqüências. Fora do campo agrícola, além disso, a burguesia tem demonstrado pouca sensibilidade ao problema * ou à sua importância para a sobrevivência da ordem capitalista. (* Embora alguns governos o tivessem percebido. O governo da Alemanha Imperial muito se esforçou para combater essa forma de racionalização. No momento, nota-se forte tendência para se fazer o mesmo nos Estados. Unidos.) Os lucros a serem obtidos pela racionalização do

processo (176) produtivo e, especialmente, pelo barateamento da tortuosa maneira em que as mercadorias passam da fábrica até as mãos dos consumidores são algo mais do que a mente do homem de negócios típico pode resistir.

Mas é importante compreender precisamente em que consistem essas conseqüências. Um tipo muito comum de crítica social, de que já tratamos, lamenta o declínio da concorrência e a assemelha ao declínio do capitalismo, em vista das virtudes que atribui à concorrência e aos defeitos que imputa aos modernos monopólios industriais. A monopolização, nesse esquema de interpretação, é uma espécie de arteriosclerose que mina as possibilidades da ordem capitalista através de um rendimento econômico cada vez menos satisfatório. Já estudamos acima as razões para rejeitar essa opinião. Economicamente falando, nem os argumentos em favor da concorrência nem contra a limitação do controle são tão fundamentados como a argumentação parece indicar. E, fracos ou fortes, deixam de lado o ponto importante. Mesmo que a empresa gigante fosse administrada de maneira tão perfeita a ponto de despertar aplausos dos anjos no céu, as conseqüências políticas da concentração ainda seriam o que são. A estrutura política de uma nação é profundamente afetada pela eliminação de um conjunto de empresas pequenas e médias de proprietários-gerentes, os quais, juntamente com seus dependentes, prepostos e contatos, pesam quantitativamente nas urnas e dominam o que podemos chamar de classe dos

da propriedade privada e da liberdade de contrato desaparece numa nação na qual os tipos mais vigorosos, mais básicos e mais importantes desaparecem do horizonte moral.

Por outro lado, o processo capitalista solapa também sua própria estrutura institucional (continuemos a considerar a propriedade e a liberdade de contrato como partes pro totó) dentro do campo de ação das próprias grandes empresas. Excetuando-se os casos, ainda de grande importância, nas quais a sociedade anônima é praticamente de propriedade de um único indivíduo ou família, a figura do proprietário, e com ela o interesse direto e específico do dono, desapareceu inteiramente do quadro. Temos ainda os administradores assalariados e todo o conjunto de gerentes e subgerentes, assim como os grandes e pequenos acionistas. O primeiro grupo tende a adquirir a atitude do empregado e — raramente, se é que em algum caso — identifica-se com os interesses dos acionistas, mesmo nos casos mais favoráveis, isto é, nos casos em que se identifica com os interesses da companhia, como tal. O segundo grupo — mesmo que (177) considere suas ligações com a firma como permanentes e igualmente se agir como a teoria financeira quer que os acionistas se comportem — vive a igual distância das funções e atitudes do proprietário. Quanto ao terceiro grupo, os pequenos acionistas muitas vezes não se preocupam com o que, para a maioria deles, é apenas uma pequena fonte de renda e, se se importarem ou não, raramente se dão ao trabalho de fazê-lo, a menos que eles ou algum dos seus representantes procurem explorar a capacidade que têm de poder eventualmente prejudicar os administradores. Como são freqüentemente maltratados e se consideram, ainda mais freqüentemente, maltratados, habitualmente adotam uma atitude hostil contra as suas sociedades anônimas, o mundo dos negócios em geral e, particularmente, quando as coisas andam mal, contra a própria ordem capitalista. Nenhum elemento desses três grupos, nos quais esquematizamos a situação típica, assume incondicionalmente a atitude característica inspirada por aquele curioso fenômeno, tão cheio de significação e passando tão rapidamente que é descrito pela palavra propriedade.

Com a liberdade de contrato acontece a mesma coisa. Nos seus tempos áureos significava o contrato isolado inspirado pela escolha individual, dentro de um número infinito de possibilidades. O estereotipado, desindividualizado, impessoal e burocratizado contrato de hoje (essa hipótese tem aplicação muito mais geral, mas, a priori, podemos atribuí-la ao contrato do trabalho) encerra apenas pequena liberdade de escolha e quase sempre se reduz a um c'est à

prendre ou à laisser, e não conserva nenhum dos seus aspectos tradicionais, o mais importante

dos quais torna-se impossível numa época em que firmas gigantescas negociam com outros gigantes ou com massas impessoais de operários e consumidores. O vazio está sendo preenchido por um crescimento luxuriante de novas estruturas legais. E basta um pouco de reflexão para nos convencer que não poderia ser de outra maneira.

Dessa maneira, o processo capitalista empurra para um segundo plano todas as instituições, particularmente a propriedade e a liberdade de contrato, que expressavam as necessidades e as práticas da atividade econômica realmente privada. Nos casos em que não as elimina inteiramente, como já aconteceu com a liberdade de contrato no mercado de trabalho, consegue os mesmos fins ao modificar a relativa importância das formas legais existentes (as formas legais inerentes às sociedades anônimas, por exemplo), criando aquelas próprias à sociedade de participação ou à firma individual, ou ao mudar seu conteúdo e significação. O processo capitalista, ao substituir as paredes e as máquinas de uma fábrica por um simples (178) pacote de ações, emascula toda a idéia da propriedade. Relaxa o controle que foi outrora tão forte — o controle no sentido do direito legal e a capacidade real de agir como se entendia e também o controle no sentido de que o dono do título perde a vontade de lutar até o fim econômica, física e positivamente, por sua fábrica e seu domínio sobre ela e manter seus direitos. Essa evaporação do que poderíamos chamar a substância material da propriedade — sua realidade visível e palpável — afeta não apenas a atitude dos proprietários de ações, mas também a dos operários e do público em geral. A propriedade desmaterializada, desfuncionalizada e ausente não impressiona nem desperta apoio moral, como o fazia a propriedade real. Finalmente, não restará

ninguém que se mostre realmente disposto a defendê-la, ninguém dentro ou fora das grandes

Capítulo 13

HOSTILIDADE CRESCENTE

No documento Schumpeter Capitalismo Socialismo Democracia (páginas 175-179)

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