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A devoção sensível e a aridez

No documento O Combate Espiritual - Lorenzo Scupoli (páginas 135-139)

A devoção sensível tem três causas: a natural, a demoníaca ou a graça. Pelos frutos que produz podemos conhecer de onde procede. Se ela não te torna melhor nem te leva a corrigir teus erros, deves suspeitar que venha do demônio ou da natureza, e em tanto maior medida quanto mais te conduzir ao apego e estima de ti mesma.

Então, quando teu coração se sentir cheio de doçuras e consolações espirituais, não percas tempo tentando discernir de onde procedem, nem te apegues a elas, mas conserva viva a consciência do teu nada e procura intensificar o desprezo por ti mesma e pelas coisas, deixando o teu coração aberto somente para Deus e Sua vontade; desse modo, qualquer que seja a origem das consolações, ainda que venham da natureza ou do demônio, seu efeito se transformará em graça.

Também a aridez espiritual pode ter as mesmas três causas.

Pode vir do demônio, para desviar a mente das coisas do espírito e encaminhá-la aos prazeres do mundo.

Pode vir de nós mesmos, das nossas culpas, negligências e apegos às coisas da terra.

Ou pode ser uma graça de Deus, uma advertência para que sejamos mais diligentes em Seu serviço; ou para que conheçamos, por experiência, que todo o nosso bem vem dele, e assim estimemos mais os Seus dons e sejamos mais humildes e cuidadosos em conservá-los; ou para unirmo-nos mais estreitamente à Sua divina majestade com a total renúncia a nós mesmos e até aos nossos afetos espirituais, para que nada fique de nós que não pertença a Nosso Senhor; ou mesmo porque Ele se compadece de ver-nos combater com todas as nossas forças e com a ajuda da Sua graça.

Então, sempre que sentires aridez, examina a ti mesma para ver qual foi o defeito que te privou da devoção sensível, e procura corrigi-lo logo, não para recuperar a

consolação, mas para afastar de ti tudo o que desagrada a Deus. Caso não encontres o defeito, esquece a devoção sensível e procura a verdadeira devoção, que consiste em estares sempre pronta à vontade de Deus. Por isso, não deixes nenhum exercício espiritual, mas continua a praticá-los com toda a fidelidade, ainda que te pareçam insípidos e infrutuosos, bebendo com gratidão o cálice de amargura que, na aridez, te envia o Pai do Céu.

E, se a aridez se fizer acompanhar de tão densas trevas que teu espírito se tornar incapaz de agir e de saber que rumo tomar, não temas, mas fica firme em tua cruz, desprezando todos os bens e prazeres que te poderiam dar o mundo e as criaturas. Revela tua pena somente ao teu diretor espiritual, não para que te alivie, mas para que te instrua quanto ao modo de suportá-la segundo a vontade de Deus.

Não busques a comunhão, a oração ou qualquer outro exercício espiritual para te livrares da tua pena, mas para obter mais força e serenidade para a enfrentares em honra de Cristo. Não podendo meditar ou rezar como de costume pela própria confusão mental, medita como puderes. E, se não o conseguires com o intelecto, esforça-te para consegui-lo com a vontade e com palavras, falando a ti mesma e ao Senhor, e então verás os efeitos milagrosos de força e alento que o teu coração receberá.

Nestes casos, deves falar desta forma a ti mesma: “Por que te entristeces, alma minha, por que te inquietas tanto? Espera em Deus, porque ainda voltarás a louvá-lo” (Sl 42,6). “Por que o Senhor se faria tão distante, e no tempo da angústia se esconderia? Não me abandones, Senhor!” (Sl 10,1).

E, recordando-te do que disse Sara, mulher de Tobias, inspirada por Deus, no tempo das tribulações, deves repetir as suas palavras: “Todo aquele que te serve sabe que receberá a coroa pelas provações suportadas e será libertado de suas tribulações; se foi submetido a correções, terá acesso à tua misericórdia. Pois não te comprazes em nossa perda, mas, depois da tempestade, trazes a bonança, e, depois das lágrimas e do pranto, infundes a alegria. Ó Deus de Israel, seja bendito o teu nome para sempre!”.

sostenute e la liberazione dalle tribolazioni; e pure se castigato, potrà contare sulla tua misericordia. Tu infatti non godi della nostra perdizione, perché dopo la tempesta concedi la pace e dai gioia dopo le lacrime e il pianto. O Dio di Israele, sia benedetto il tuo nome nei secoli” (Tb 3,20-23; Vulgata).

Recorda-te agora de Cristo, que, no horto e no Calvário, sentiu-se abandonado pelo Pai em sua sensibilidade humana, e, suportando com Ele a cruz, dirás de todo o teu coração: “Seja feita a tua vontade”. Desta forma, a tua paciência e a tua oração farão com que as chamas do teu sacrifício subam até o Trono de Deus. Pois a verdadeira devoção não consiste senão em uma vontade firme e determinada de seguir Jesus Cristo com a cruz às costas, por qualquer caminho onde ele nos chame a segui-Lo, e em buscar Deus por Deus, estando prontos até a deixá-Lo por Ele mesmo. Se muitas pessoas que vivem uma vida espiritual, especialmente as mulheres, medissem os seus progressos por essa verdadeira devoção e não pela sensível, não seriam enganadas por si mesmas e nem pelo demônio; nem se queixariam com ingratidão do grande bem que lhes faz o Senhor ao confiar-lhes a cruz, mas dedicar-se-iam com maior fervor ao seu serviço, sabendo que Ele tudo dispõe para a Sua glória e para o nosso bem.

E nisso se enganam as mulheres que, com temor e prudência, guardam-se das ocasiões de pecado, mas, ao serem molestadas por horríveis e impuros pensamentos, perdem o ânimo e se convencem de terem sido abandonadas por Deus e entregues a si mesmas, pois o Espírito Santo não poderia habitar numa alma povoada por maus pensamentos. E então ficam muito abatidas, a ponto de se desesperarem, deixando seus exercícios espirituais e voltando às “cebolas” do Egito, isto é, aos prazeres sensíveis.

Estas não compreendem a graça que lhes concede o Senhor ao permitir que sejam tentadas, para que conheçam a si mesmas e reconheçam o quanto necessitam do divino socorro. Por isso se queixam com ingratidão, quando deveriam dar graças a Deus pelo favor que lhes faz.

O que deves fazer em casos semelhantes é considerar as tuas más inclinações, reconhecendo que, sem a assistência divina, te precipitarias na ruína. Desse conhecimento hás de retirar maior esperança e confiança em Sua ajuda. Ele te faz

ver os perigos para que, com humildade, mais te aproximes dele na oração, dando-Lhe muitas graças por ter piedade de ti.

Podes estar certa de que tal espírito de tentação e tão perversos pensamentos são vencidos mais facilmente quando se suporta com paciência a humilhação que causam e se procura voltar a atenção para outra coisa, do que com a tentativa de resistir-lhes diretamente.

CAPÍTULO LX

No documento O Combate Espiritual - Lorenzo Scupoli (páginas 135-139)