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CAPÍTULO 1 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.4.1 A Dialogia para Mortimer e Scott

Mortimer7 e Scott8(2003), em seu livro “Meaning Making in Secondary Science Classrooms”, argumentam que o processo de construção de significados é caracterizado por dinâmicas e interações discursivas presentes nas aulas de ciências.

A partir das interações em sala de aula, esses autores identificaram os diferentes tipos de discurso que circulam nas aulas de ciências. Mortimer e Scott (2002 e 2003) elaboraram uma ferramenta de análise do gênero discursivo das aulas de ciências, na tentativa de compreender as várias formas pelas quais os professores interagem com os seus estudantes para construir significados.

A ferramenta é baseada em cinco aspectos inter-relacionados, que incidem sobre o papel do professor e são agrupados de acordo com o Foco do ensino (1- Intenções do professor e 2 – Conteúdo), a Abordagem (3 – Abordagem Comunicativa) e as Ações (4 – Padrões de interação e 5 – Intervenções do professor). Essa ferramenta de análise será detalhada no próximo capítulo.

Para compreendermos o dialogismo presente nessa ferramenta destacaremos a categoria de abordagem comunicativa, que é central e versa sobre a diferença entre o discurso dialógico e o de autoridade.

1.4.1.1 – Abordagem Comunicativa

Um dos aspectos de análise da ferramenta é o conceito de abordagem comunicativa, que está ancorado na distinção entre discurso internamente persuasivo e discurso de autoridade proposta por Bakhtin. O discurso de autoridade !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

7 Eduardo Fleury Mortimer é professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil 8 Phil Scott, falecido em 2011, foi professor da University of Leeds, Inglaterra.!

pode estar vinculado à autoridade religiosa, política, moral e à do professor. Não há, nesse caso, espaço para argumentação

A palavra autoritária não se representa – ela apenas é transmitida. Sua inércia, sua perfeição semântica e rigidez, sua singularização aparente e afetada, a impossibilidade de sua livre estilização, tudo isto exclui a possibilidade da representação artística da palavra autoritária. (BAKHTIN, 1983, p.144).

Esse conceito está relacionado também ao dualismo funcional de textos e ambos os temas já foram discutidos neste capítulo. A noção de dualismo funcional do texto, segundo Wertsch (1991), pode também ser relacionada à distinção que Bakhtin faz entre discurso de "autoridade" e discurso internamente persuasivo. O discurso de autoridade parte do pressuposto de que os significados são fixos e não se modificam quando estabelecem contato com outras vozes (MACEDO e MORTIMER, 2000). A ideia de dualismo funcional é estabelecida considerando-se que ambas as funções estão presentes em quase todos os textos, sendo que, na maioria dos casos, uma ou outra função tende a predominar.

Mortimer e Scott (2003, p. 137) utilizam o termo dialógico com uma tendência à oposição ao discurso de autoridade na caracterização das dimensões da abordagem comunicativa. Mas os autores compreendem que, para Bakhtin, todo discurso tem natureza dialógica, incluindo o discurso de autoridade (autoridade/ interativo e não interativo). Os autores argumentam que quando um professor elabora um discurso de autoridade/não interativo esse processo discursivo pode ser de natureza dialógica, pois os estudantes procuram dar sentido ao que foi mencionado pelo professor, realizando, assim, ligações diretas entre as suas "próprias palavras " e as “palavras do professor”.

A abordagem comunicativa focaliza as formas como o professor trabalha com os estudantes para lidar com ideias e conceitos em sala de aula (CHILDS e MCNICHOLL, 2007). Para caracterizar as abordagens existentes em salas de aulas e compreender as dinâmicas interativas e os fluxos de discurso, Mortimer e Scott (2002 e 2003) identificaram duas dimensões no discurso.

1.4.1.2 – A dimensão dialógica/autoridade

extremas: o professor ouve o que o estudante tem a dizer do ponto de vista do estudante, ou o professor ouve o que o estudante tem a dizer apenas do ponto de vista do discurso científico. A abordagem comunicativa é dialógica quando houver mais de um ponto de vista, pois mais de uma voz é ouvida e existe uma exploração ou “interanimação” de ideias (BAKHTIN, 1934, apud MORTIMER e SCOTT, 2003).

A abordagem comunicativa é de autoridade quando a atenção está focada em apenas um ponto de vista, apenas uma voz é ouvida e não há exploração de diferentes ideias (MORTIMER e SCOTT, 2003, p. 33). Para Scott, Mortimer e Aguiar (2006) o discurso científico escolar é um discurso de autoridade. Esses autores argumentam que tanto a aprendizagem das ciências quanto a formação de cientistas envolvem a aquisição de instrumentos de uma “ciência normal” (KUHN, 1962 apud SCOTT, MORTIMER e AGUIAR, 2006) e processos/ritualizações de um ensino científico. Portanto, o processo de aprendizagem não envolve, somente, a abertura de um espaço de diálogo sobre um determinado fenômeno; envolve, também, apresentar e contrapor a perspectiva da ciência com as diferentes explicações que surgem em sala de aula.

A abordagem comunicativa dialógica diferencia-se do discurso de autoridade, uma vez que ela considera os vários pontos de vista dos estudantes, ao contrário da de autoridade, na qual o discurso centra-se em apenas um ponto de vista, normalmente o da ciência escolar. As interações de sala de aula são susceptíveis de serem menos evidentes do que o exposto, podendo exibir em muitos enunciados ambos os aspectos das funções, dialógica e de autoridade (MORTIMER e SCOTT, 2003).

Infelizmente, no contexto das aulas de ciências do ensino fundamental e médio, o discurso dialógico é raro e existe a tendência do seu desaparecimento ao longo de uma sequência (AMARAL e MORTIMER, 2004). No final de uma sequência, quando os estudantes apropriam-se do ponto de vista do discurso científico, o discurso dialógico passa a ser desconsiderado. O discurso dialógico precisa ser retomado no final de uma sequência didática. Para Scott, Mortimer e Amaral (2006) os estudantes precisam se engajar no processo dialógico de explorar e trabalhar com diferentes ideias, em um alto nível de interanimação de ideias, no contexto do ponto de vista científico. Esses autores argumentam que em uma

aprendizagem significativa devemos envolver os estudantes em momentos em que eles lidem diretamente com discurso de autoridade “bem demarcado” (Bakhtin, 1981, apud SCOTT, MORTIMER e AMARAL, 2006) da ciência, para ampliar suas possibilidades de aplicação.

1.4.1.3 – A dimensão interativa/não-interativa

Para Mortimer e Scott (2003, p.34) uma propriedade importante para a distinção entre a abordagem dialógica e de autoridade é que uma sequência pode ter a natureza dialógica ou de autoridade, independente de ela ser enunciada individualmente ou entre as pessoas. O que faz uma abordagem ser dialógica é o fato de que mais de um ponto de vista é representado e as diferentes ideias são exploradas e desenvolvidas, podendo ser produzida por um grupo de pessoas ou por um único indivíduo.

A segunda dimensão considera que a abordagem comunicativa pode ser interativa no sentido de possibilitar a participação de outras pessoas, ou não- interativa no sentido de apenas uma pessoa participar.

1.4.1.4 – As quatro classes de abordagem comunicativa

A combinação dessas duas dimensões faz surgir quatro classes de abordagens comunicativas, que são: interativo/dialógico, interativo/de autoridade, não-interativo/dialógico e interativo/de autoridade conforme esquema apresentado no Quadro 1. Um ponto importante na identificação das abordagens comunicativas é que o seu surgimento está intimamente ligado ao uso de diferentes linguagens sociais e gêneros do discurso nas práticas de ensino (BUTY e MORTIMER, 2008).

INTERATIVO NÃO-INTERATIVO

DIALÓGICO INTERATIVO/DIALÓGICO NÃO-

INTERATIVO/DIALÓGICO

DE AUTORIDADE INTERATIVO/DE

AUTORIDADE

NÃO-INTERATIVO/DE AUTORIDADE

Para Mortimer e Scott (2002), cada uma dessas quatro classes está relacionada ao papel do professor ao conduzir o discurso em sala de aula. As quatro classes são aplicadas aos estudos que caracterizam as interações discursivas que ocorrem entre professor e estudantes e, até mesmo apenas entre estudantes.

As quatro classes de abordagem comunicativa são exemplificadas do seguinte modo:

a. Interativo/dialógico: professor e estudantes exploram ideias, formulam

perguntas autênticas e oferecem, consideram e trabalham diferentes pontos de vista. b. Não-interativo/dialógico: professor reconsidera, na sua fala, vários pontos de vista, destacando similaridades e diferenças. c.

Interativo/de autoridade: professor geralmente conduz os estudantes por

meio de uma sequência de perguntas e respostas, com o objetivo de chegar a um ponto de vista específico. d. Não-interativo/ de autoridade: professor apresenta um ponto de vista específico (MORTIMER e SCOTT, 2002).

Para Scott, Mortimer e Aguiar (2006), a aprendizagem significativa envolve a criação de conexões entre formas de pensar e de falar. Para eles as abordagens dialógicas no início de uma sequência são oportunidades para que os estudantes expressem suas opiniões. Esse é o momento que permite ao professor explorar e investigar os diferentes pontos de vista dos estudantes. Os autores enfatizam a importância do engajamento dialógico e o revelam também como um potencial para a motivação. Esses autores também compreendem que o diálogo por si só não garante uma aprendizagem mais significativa. A partir dessas considerações compreendemos que precisamos oportunizar momentos para que os estudantes explicitem suas ideias. Logo, essas ideias não podem ser desprezadas. Para esses autores os professores devem explorar e trabalhar as ideias relacionando- as com o discurso científico.

A ferramenta analítica proposta por Mortimer e Scott (2002 e 2003) tem se mostrado relevante para as pesquisas desenvolvidas em educação em ciências, uma vez que busca compreender os tipos de interações sociais que estão presentes nas aulas de ciências, bem como auxilia os professores a planejarem sequências de ensino. O desenvolvimento dessa ferramenta no ensino de ciências será desdobrado no próximo capítulo.

Apesar de reconhecer que a dialogia tem um sentido mais amplo e de que todo texto é, nesse sentido, dialógico, Mortimer e Scott (2003) trabalham mais

profundamente com o segundo sentido de dialogia proposto por Bakhtin. É justamente por tratar de contextos culturais onde a comunicação acontece que o segundo sentido de dialogia emergiu na obra de Bakhtin. Mortimer e Scott analisam justamente um desses fenômenos socioculturais, o ensino de ciências, e como tal, não é possível desconhecer o discurso de autoridade que permeia todo ensino formal.

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