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A dichiarazione anticipata di tratamento: a experiência italiana

CAPÍTULO 3 REFLEXÕES SOBRE O CONSENTIMENTO LIVRE E

4.1 O instituto no direito comparado

4.1.6 A dichiarazione anticipata di tratamento: a experiência italiana

A Itália é mais uma das nações subscritoras do Convênio de Oviedo, reconhecendo a necessidade de garantir ao paciente o direito de autodeterminação por meio de um documento em que sua vontade esteja manifestada. Contudo, até o presente momento, mencionado convênio não foi ratificado pelo país, mesmo com a Lei n. 145 de 200138 tendo autorizado o Presidente da República a ratificar a Convenção. Não há também qualquer lei específica editada sobre o tema.

37 DADALTO, Luciana. Testamento vital. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

38 ITÁLIA. Legge 28 marzo 2001, n. 145. Gazzetta Ufficiale, Roma, n. 95, 24 abr. 2001. Disponível em: <http://www.parlamento.it/parlam/leggi/01145l.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014.

Todavia, a Itália demonstra interesse em garantir que a vontade do paciente, exemplo é o Código de Ética Médica italiano, que em seu art. 34 estabelece que o médico, na eventualidade do paciente estar incapacitado de manifestar sua própria vontade e estando acometido de grave risco de morte, deve levar em conta o desejo manifestado previamente pelo paciente.39

Enquanto que o art. 37, do referido diploma, de modo semelhante ao seu correspondente brasileiro, propõe que o médico deve adotar práticas de ortotanásia, proibindo condutas fúteis, próprias da distanásia.40

Desta forma, o código deontológico introduziu aos médicos o dever ético de respeito à autodeterminação do paciente aos médicos, contudo essa disposição não vínculo aos demais, tendo sua eficácia restrita aos profissionais da saúde.

A Constituição Federal italiana em seu art. 32 estabelece que ninguém será obrigado a se submeter a um procedimento sanitário, salvo por disposição legal, sendo que a lei em situação alguma poderá violar o respeito à pessoa humana.41 A obstinação terapêutica na Itália, caracterizada por uma intervenção penosa e aflitiva ao paciente, recebe o nome de accanimento terapeutico, fazendo referência a obstinação e esforço próprios dos caninos, utilizado também na manutenção da vida, ainda que inviável.42

Por essa razão e demonstrando sua preocupação com a tutela dos interesses do paciente, o Comitê Nacional de Bioética, no ano de 2003, desenvolveu um documento análogo às Diretivas Antecipadas de Vontade, o qual denominou dichiarazione anticipata di

39 FEDERAZIONE NAZIONALE DEGLI ORDINI DEI MEDICI CHIRURGHI E DEGLI ODONTOIATRI.

Códice de Deontologia Medica. Roma, 1998. Disponível em: <http://www.unimi.it/cataloghi/

comitato_etico/codice_deontologia_medica.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2014. Art. 34 - Autonomia del cittadino - Il medico deve attenersi, nel rispetto della dignità, della libertà e dell’indipendenza professionale, alla volontà di curarsi, liberamente espressa dalla persona Il medico, se il paziente non è in grado di esprimere la propria volontà in caso di grave pericolo di vita, non può non tenere conto di quanto precedentemente manifestato dallo stesso. Il medico ha l’obbligo di dare informazioni al minore e di tenere conto della sua volontà, compatibilmente con l’età e con la capacità di comprensione, fermo restando il rispetto dei diritti del legale rappresentante; analogamente deve comportarsi di fronte a un maggiorenne infermo di mente.

40 Ibid. Art. 37 - Assistenza al malato inguaribile - In caso di malattie a prognosi sicuramente infausta o pervenute alla fase terminale, il medico deve limitare la sua opera all'assistenza morale e alla terapia atta a risparmiare inutili sofferenze, fornendo al malato i trattamenti appropriati a tutela, per quanto possibile, della qualità di vita. In caso di compromissione dello stato di coscienza, il medico deve proseguire nella terapia di sostegno vitale finchè ritenuta ragionevolmente utile.

41 ITÁLIA. Costituzione della Repubblica Italiana. Gazzetta Ufficiale, Roma, 27 dez. 1947, n. 298. Diponível em: <http://www.quirinale.it/qrnw/statico/costituzione/pdf/Costituzione.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2014. Art. 32: La Repubblica tutela la salute come fondamentale diritto dell’individuo e interesse della collettività, e garantisce cure gratuite agli indigenti. Nessuno può essere obbligato a un determinato trattamento sanitario se non per disposizione di legge. La legge non può in nessun caso violare i limiti imposti dal rispetto della persona umana.

42 TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. O extremo da vida - Eutanásia, accanimento terapeutico e dignidade humana. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 39, p. 3-17, jul./set., 2009.

tratamento, também chamado de testamento biologico, testamento di vita, direttive anticipate, ou volontà previe di tratamento.43

A dichiarazione anticipata di tratamento enfrenta algumas condições para sua elaboração, quais sejam: o subscritor deve ser pessoa maior e capaz, obedecer a forma escrita com caráter público, e não enfrentar qualquer tipo de pressão ou coação familiar ou social, não pode dispor sobre eutanásia ou outras manifestações que contrariem às normas legais ou dispositivos éticos, na elaboração do documento o paciente deve, obrigatoriamente, ser orientado por um médico e a sua redação deve ser objetiva, sem deixar margem a omissões e interpretações dúbias no futuro, afim de preservar o real interesse do declarante com a realização de seu desejo.44

A Itália, por meio de decisões jurisprudenciais, também reconhece a figura do mandato duradouro, com a nomeação de um representante da saúde, que recebe o nome de amministratore di sostegno, responsável por representar o mandante no futuro, caso esteja incapacitado de manifestar seu desejo, devendo agir em consonância com as orientações expressas pelo outorgante.45

Existem dois casos emblemáticos da jurisprudência italiana, que ganharam repercussão internacional, tendo como protagonistas Piergiogio Welby e Eluana Englaro.

Piergiorgio Welby era um artista e ativista italiano que, na década de 1960, com 17 anos, foi diagnosticado com uma doença degenerativa, que em razão de sua evolução, a partir de 1997, o incapacitou de respirar sem auxílio de aparelhos.46

Welby se transformou em um ativista do movimento de direito a morrer, tendo declarado publicamente seu desejo de recusar o tratamento médico que o mantinha vivo.

Em dezembro de 2006, alguns meses após a declaração pública de Welby, o médico anestesista Mario Riccio, que padecia de Esclerose Lateral Amiotrófica, doença degenerativa semelhante a sua, decidiu agir conforme a determinação de Welby, após ter se convencido que sua atuação como médico era lícita e que a manifestação de vontade de Welby era isenta de coação, pressão social ou familiar.

O caso gerou intenso debate jurídico e político, tendo culminado com a absolvição do médico pela juíza Zaira Secchi, do Tribunal de Roma, que entendeu que não houve crime na conduta de Riccio ao desligar os equipamentos responsáveis pela ventilação artificial que mantinha a vida de Welby. A juíza argumentou que o paciente havia manifestado seu desejo

43 CALÒ, Emanuele. Il testamento biológico. Milano: Ipsoa, 2008.

44 DADALTO, Luciana. Testamento vital. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

45 ZANCHETTA, Rachele. Il testamento biológico: note a margine del ddl. Calabrò: Exeo, 2012. 46 DADALTO, op. cit..

de interromper o tratamento médico, sendo esse um direito constitucional, portanto inexistindo homicídio, mas atendendo a um desejo de Welby, sendo assim, Riccio cumpriu um dever profissional.47

Semelhante ao caso Welby é o caso Eluana Englaro, uma italiana que, aos 22 anos, após um acidente automobilístico em 1992, entrou em um estado vegetativo persistente (EVP), sendo artificialmente mantida em suporte artificial de vida.

O pai de Eluana, Beppino Englaro, iniciou uma batalha judicial com o escopo de interromper a nutrição artificial e o suporte de vida artificial, que mantinham sua filha viva.

Após uma longa demanda, com recusas iniciais do Tribunal de Apelação de Milão em 1999 e, posteriormente, do Tribunal de Cassação, em 2005, a alta corte italiana, em 2008, permitiu que Beppino Englaro, amministratore di sostegno e pai de Eluana, pudesse representar sua filha em razão de sua incapacidade e recusar a continuidade da hidratação e nutrição artificiais, concedendo esse direito a Beppino Englaro.48

Os dois casos demonstram, que embora não exista uma lei específica sobre as dichiarazione anticipata di tratamento, elas já estão consolidadas nos tribunais, na doutrina e na jurisprudência italiana, sendo reconhecidos e tutelados os direitos dos pacientes a autodeterminação.