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III. CRÍTICAS, OBJEÇÕES E OUTRAS PERSPECTIVAS PARA A ÉTICA DO

3.2 O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO NA É TICA DO RESPEITO PELA NATUREZA

3.2.4 A difícil aceitação da igualdade biocêntrica

A perspectiva biocêntrica defende o mesmo valor para todas as coisas vivas: plantas, animais e seres humanos. Nenhuma espécie é superior ou inferior a qualquer outra. Para Taylor, certas características ou méritos não tornam os seres humanos superiores às outras formas de vida.

Spliter, entretanto, coloca em dúvida a possibilidade de se conceder tal igualdade ao que é atribuído às diferentes formas de vida. Para o autor, é inaceitável pensar que pisar uma flor ou esmagar com a mão um inseto, seja tão repreensível quanto matar

284 TAYLOR, 1983, p. 237. 285 TAYLOR, 1983, p. 238. 286 Ibidem.

seres humanos.287 O autor também questiona Taylor, um membro da espécie Homo

sapiens, por adotar essa posição quando a maioria dos outros a considera totalmente

inaceitável.288 Spitler talvez não tenha percebido que Taylor não adota a perspectiva da

vida que é destruída, mas daquela vida que busca a realização do seu bem próprio. Para Spitler, existem dúvidas quanto à capacidade humana de ver a vida de outra perspectiva, senão de sua própria. Isso não implica negar a preciosidade da vida. Mesmo motivados por razões de bem-estar, os humanos podem e devem reconhecer a preciosidade de outras formas de vida, sem precisar declará-la nos mesmos termos da humana.289

Para Taylor, a dúvida de Spliter expressa o principal obstáculo a transpor, mesmo por aquelas pessoas eticamente sensíveis, na teoria do respeito pela natureza: aceitar a concepção de igualdade biocêntrica.

Quase todos os filósofos morais consideram errado, a não ser em casos excepcionais, matar seres humanos. Taylor lembra que existem exceções justificáveis para a regra de não matar. Uma delas é agir em autodefesa, que justifica matar para proteger a própria vida a de familiares, ou a de alguém próximo, frequentemente admitido como um caso de legítima exceção à regra.

O ato de matar em autodefesa, contudo, não implica que o agente agressor tenha menos bem inerente. Significa, segundo Taylor, que o agressor tem menos mérito moral, talvez nem isso possa ser considerado quando o agressor é louco, por exemplo. Nesse caso, ele é visto como moralmente inocente.290

Também pode ser o caso, quando duas pessoas entram em conflito com respeito a seus direitos, podendo ser necessário infringir justificadamente os direitos de uma para impedir uma injustificada violação dos direitos da outra. Um exemplo seria restringir a liberdade de expressão de alguém para evitar um tumulto. Isso não implica, justifica Taylor, que exista uma desigualdade de valor entre as pessoas envolvidas no conflito. Seja qual for o ato, ele é errado, na medida em que seja prejudicial ao bem de outro.291

Ações desse tipo devem ser evitadas, a menos que existam razões justificáveis para agir em contrário.

Com respeito às coisas vivas não-humanas, Taylor insiste que se aceitamos a perspectiva biocêntrica e consideramos que tais coisas possuem bem inerente, então será

287 SPITLER, 1982, p.260. 288 Ibidem

289 Ibidem

290 TAYLOR, 1983, p. 241. 291 Idem, p. 242.

errado, exceto em casos excepcionais, matar ou prejudicar qualquer uma delas, tão errado quanto matar ou prejudicar um ser humano. Mas Taylor não quer dizer com isso que humanos nunca devam matar ou prejudicar um animal ou planta silvestre, esmagar um mosquito ou pisar uma flor do campo. Da mesma forma como se aplica nos casos entre humanos, ações contrárias ao bem não devem ser realizadas, a não ser que razões morais adequadas justifiquem-nas.292

Razões que justificam matar um animal podem ser totalmente diferentes daquelas que justificam matar um ser humano. Para Taylor, essas diferenças acarretam problemas adicionais para a solução de conflitos entre seres humanos e as formas de vida silvestre. Dependendo das circunstâncias, matar uma flor do campo é tão errado quanto matar um humano. Destruir gratuitamente uma vida silvestre é mais repreensível que matar ou prejudicar para defender-se.

Em uma situação em que duas ou mais regras contrárias se aplicam, nos confrontamos com o conflito de deveres. Seguindo uma regra, violamos outra. Então precisamos saber o que devemos fazer, considerando tudo. Para decidir sobre qual o curso de ação nessas circunstâncias, é preciso descobrir, entre as alternativas que se apresentam para escolha, aquela que traz consigo o maior peso moral; isto é, devemos saber quais dos deveres conflitantes têm prioridade sobre todos os outros. Isso será determinado por uma ordem de regras de acordo com o conjunto de princípios prioritários. Na base desses princípios podemos fazer julgamentos bem fundamentados, assim como quais deveres superam outros em certas circunstâncias.293

Contudo, não se deve entender que, num igualitarismo do tipo biocêntrico, humanos devam sacrificar-se por outras formas de vida. Taylor defende que a ética do respeito pela natureza não determina o dever de promover o bem-estar das coisas vivas silvestres em detrimento do nosso próprio bem-estar. O igualitarismo biocêntrico exige apenas que dispensemos ao bem das coisas vivas silvestres a mesma consideração moral dispensada ao bem dos humanos.

A resolução justa dos conflitos entre o bem dos humanos e das outras formas de vida exigiria dos humanos abandonar certas conveniências, confortos e outros bens de

292 TAYLOR, 1983, p. 242.

menor valor para proteger e promover algo de grande importância para o bem-estar deles. O respeito pela natureza, defende Taylor, impõe sobre os humanos a suprema obrigação de resolver conflitos entre sua espécie e as outras, sem qualquer parcialidade inicial em seu favor: “ações corretas são sempre ações que expressam a atitude de respeito [...] Elas devem também ser ações que podemos aprovar à luz dos vários componentes da perspectiva biocêntrica”.294 A imparcialidade exigida nessas

circunstâncias não difere em nada daquela exigida na resolução dos conflitos entre os humanos.295

Quanto à objeção de Spliter, Taylor defende que a adoção do biocentrismo, como perspectiva aceitável para uma ética ambiental, possibilita abandonar o antropocentrismo, visão cultural parcial que não permite às pessoas adotarem seriamente o igualitarismo do tipo biocêntrico. Para Taylor, aceitar genuinamente a perspectiva biocêntrica na natureza é uma possibilidade real para os seres humanos, e uma razoável perspectiva a adotar como base para uma ética ambiental.296