• Nenhum resultado encontrado

III. CRÍTICAS, OBJEÇÕES E OUTRAS PERSPECTIVAS PARA A ÉTICA DO

3.3 A RESISTÊNCIA ANTROPOCÊNTRICA EM FAVOR DA SUPERIORIDADE HUMANA

3.3.2 Tipos de vida

Um dos objetivos centrais da ética biocêntrica de Taylor é a negação da superioridade biológica humana em relação às outras espécies de vida. Para Lombardi, tal visão representa uma ameaça para muitos de nossos juízos morais. A própria utilização de animais e plantas para alimentação e outros fins humanos deriva da concepção de sua superioridade.310

Além da controvérsia em torno de certas ações para com outras formas de vida, entre elas a necessidade de matar animais para servir de alimento aos humanos, Lombardi considera existirem outras situações em que a morte de animais pode ser legitimada. Quando está em questão o bem-estar humano, alguns exemplos servem para ilustrar essa situação: livrar as cidades dos ratos para proporcionar ambiente saudável, utilizar animais em laboratório e matá-los, para a obtenção de drogas que auxiliem na cura de doenças.311

Para Lombardi, faz sentido falar de gradação do bem inerente em que os humanos estariam no ponto mais alto dessa escala, em comparação às outras coisas vivas. O autor acredita que talvez esse seja o meio termo que pode resolver o impasse entre a visão antropocêntrica e o igualitarismo biocêntrico de Taylor.312

No discurso de Taylor, organismos têm bem inerente porque são formas de vida específicas. Distinção fundamental para definir o estatuto moral de coisas vivas, distintas das não vivas. Mas, para Lombardi há possibilidade de se fazer distinções ainda mais sutis quanto aos diferentes tipos de vida.313

Mas o bem inerente não se assemelha às questões de mérito, não pode ser organizado em uma escala, rebate Taylor. Quando é aplicado a humanos, a ideia de

309 LOMBARDI, 1983, p. 261. 310 Idem, p. 262.

311 Ibidem 312 Ibidem 313 Ibidem

graduar o bem inerente torna-se incompatível com a noção de igualdade humana, porque representa a injustiça social personificada no sistema de classes:

Quem vive nas modernas democracias não acredita mais na distinção social hereditária... Devemos pensar o sistema de classes como um paradigma da injustiça social, visto que o princípio central do modo de vida democrático é a inexistência de superiores e inferiores entre os humanos. Assim, deve-se rejeitar a totalidade da estrutura conceitual, na qual se julga que pessoas têm diferentes graus de valor.314

Lombardi concorda que não há fundamentos para considerar a possibilidade de fazer distinções entre os humanos. Todas as tentativas registradas pela história confirmam que distinções baseadas em características como raça, sexo ou ancestralidade não foram capazes de fundamentar níveis distintos de bem inerente entre os humanos. Contudo, Lombardi não acredita que isso implique na inexistência de um fundamento capaz de justificá-los. É absolutamente possível descobrir diferenças relevantes entre as espécies.315

Todos os seres vivos compartilham as capacidades vegetativas. Quanto a isso, Lombardi está de acordo. Contudo, muitos desses seres também são ativos e conscientes, enquanto outros, além de ativos e conscientes, são agentes morais. No caso dos animais, ser ativo e consciente são capacidades adicionais, em relação à vida vegetativa compartilhada com as plantas. Para Lombardi, divisões biológicas podem justificar a gradação do bem inerente e correspondem às divisões entre plantas, animais e seres humanos.316

Lombardi reconhece que as plantas, embora não sejam conscientes nem capazes de expressar sentimentos de dor e prazer ou agir autonomamente, são formas de vida que possuem bem inerente. Já os animais expressam essas características em virtude do tipo de vida senciente que são.

Quando entram em questão as ações humanas, Lombardi considera sem sentido afirmar, por exemplo, que existam obrigações de evitar causar dor psicológica às plantas. Pode-se afirmar que tais obrigações são devidas aos animais, o que justificaria afirmar

314 TAYLOR, 1981, p. 214. 315 LOMBARDI, 1983, p. 263. 316 Ibidem

que o seu bem inerente excede o das plantas, simplesmente porque seu tipo de vida não é meramente vegetativo.317

A diferença entre animais e plantas pode ter como critério a variedade de capacidade de ambos, acredita Lombardi. Para tanto, é crucial aceitar que: 1) se um tipo de ser possui as capacidades de outros seres; e, 2) possui capacidades adicionais que tipicamente o distinguem dos outros, ele consequentemente tem maior bem inerente. É importante lembrar que o princípio propõe descrever diferenças de tipo, não simplesmente de grau. Lombardi defende que diferenças no bem inerente surgem unicamente quando capacidades novas ou adicionais se fazem presentes.318

Animais e seres humanos compartilham algumas capacidades tais como consciência, sentimentos de dor e prazer, ações autônomas. O fato de animais poderem mover-se rapidamente ou de diferentes modos, representa diferenças de grau dessas capacidades. Por outro lado, ser agente moral corresponde a uma capacidade adicional, à qual, em comparação aos outros seres e suas capacidades, Lombardi considera consistente, coerente e razoável agregar maior bem inerente.

A presença da capacidade de ser agente moral, nos humanos, os torna significativamente diferentes, mas não superiores moralmente aos outros seres. A diferença entre humanos e não-humanos obedece ao mesmo critério pelo qual se distingue animais e plantas: diferença de espécie, de tipos de vida.319

Para Lombardi, o fato de a distinção entre animais e plantas não ser adotada como critério de evidência de superioridade moral dos animais em relação às plantas, diferenças entre animais e seres humanos não necessita indicar superioridade moral dos seres humanos. Por esse motivo, o autor considera a visão de superioridade de Taylor equivocada, e seu argumento contra a superioridade humana defeituoso. Estabelecer distinções, em termos de bem inerente, segundo Lombardi, exige olhar as capacidades que os seres possuem, ao invés de deter-se em sua bondade moral (moral goodness).320