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I. A PERSPECTIVA DE VALOR DA NATUREZA NAS CONCEPÇÕES ÉTICAS

1.3 V ALORES NA NATUREZA

1.3.1 O valor antecede o interesse

Está claro que a concepção de valores não deve perder de vista que esse é um conceito humano, e nesse contexto deve ser entendido. Para Rolston III, “valores aparecem somente na resposta humana para o mundo. Então, perguntar sobre valores na natureza é enganoso, pois estão somente nas pessoas, criados por suas decisões”.91

Rolston III, entretanto, considera importante não esquecer que o ser humano ao atribuir algum valor à natureza se depara com algo que já está lá, intrínseco a ela, pois “nosso interesse por maçãs não é arbitrário, depende, em parte, de algo encontrado nelas”.92

A natureza não “espera” nada dos humanos, tampouco sua existência depende deles. Os seres humanos, por outro lado, dependem totalmente da natureza para sobreviver. Toda essa dependência acabou transformando a natureza em um grande e lucrativo negócio. A natureza é fonte de todos os recursos valiosos que despertam o interesse humano. Para Rolston III, não há dúvidas de que na natureza o valor antecede o interesse humano, uma vez que ele se depara com algo que já estava lá.

Há uma tendência dos seres humanos em valorizar apenas o que é economicamente viável na natureza. Mas, de um ponto de vista ecológico, seu bem- estar tem raízes muito mais profundas. Como sustentáculo da vida, o valor da natureza é incalculável, lembra Rolston III. Elementos como: atmosfera, camada de ozônio, oceanos, calotas polares, podem não ter valor comercial para aqueles cujo pensamento está focado em aspectos econômicos, mas todos concordam serem essenciais para o desenvolvimento e manutenção da vida em todas as suas manifestações.93

Rolston III concorda com a perspectiva de ecologia profunda sobre ser o ecossistema da Terra um todo interligado, no qual suas espécies constituintes têm alguma participação. A humanidade, nesse cenário, é apenas uma peça recém-chegada

91 ROLSTON III, 1981, p. 114. 92 Idem, p. 114.

ao “quebra-cabeças” da natureza. Os seres humanos são uma espécie entre tantas outras que apareceram e desaparecem todos os dias, enquanto a natureza permanece.

Nesse sentido, o cuidado com relação ao ecossistema é essencial, mas Rolston III considera que esse “cuidar” representa uma das questões mais difíceis de resolver.

A ideia de cuidado com o ecossistema não envolve apenas questões relativas aos elementos geológicos, envolve também reconhecer a importância das comunidades naturais e seus membros, considerados individualmente, que contribuem para o equilíbrio e manutenção do meio ambiente como um todo.94

De um ponto de vista humanístico, o valor na natureza surge apenas quando há interesse humano. Num primeiro momento, isso pode soar verdadeiro, principalmente quando nos deparamos com estudos científicos, destituídos de qualquer valor comercial, inestimável para seus pesquisadores interessados apenas em descobrir o intrincado sistema natural, no qual a vida floresce e evolui orientada por um complexo processo de seleção natural, onde também se encontram as raízes da humanidade. Por outro lado, lembra Rolston III, esse processo, para ter valor por si mesmo, não depende do interesse humano em descobrir suas raízes.

Apesar de o valor e o interesse parecerem indissociáveis, no processo intrincado de seleção natural o ser humano é apenas um participante. Mesmo que alguns insistam que nada teria valor antes de sua chegada, é soberbo imaginar que a participação humana seja determinante no esquema e no valor da natureza.95

Rolston III considera o valor da vida um dos mais importantes da natureza. Sua existência se justifica quando há o reconhecimento de que existe uma espécie de inteligibilidade ativa da vida, presente nos organismos, cujas cadeias de RNA e DNA com informações organizadas numa espécie de livro ou manual, do qual são retiradas todas as orientações necessárias para o desenvolvimento da vida de um organismo, têm papel fundamental.96 Os mais avançados estudos da bioquímica, lembra o autor,

informam que o número de informações contidas e utilizadas rotineiramente em uma célula, é muito maior do que qualquer livro feito por mãos humanas pode comportar.97

O fenômeno da vida é um dos mais complexos da natureza. Por maiores que sejam os esforços da ciência em reproduzi-la em seus laboratórios, a manifestação da vida é um fenômeno absolutamente natural, afirma Rolston III. Isso mostra que não é

94 ROLSTON III, 1981, p. 116. 95 Idem, p. 117.

96 Idem, p. 122.

possível negar a existência na natureza de um valor inestimável, enquanto berço da vida, absolutamente independente dos interesses humanos.98

Da mesma forma, perguntas sobre quem somos, de onde viemos, o problema da vida e da morte e porque nos conduzimos tão apropriadamente nesse ambiente, nos levam à concepção de um valor sagrado da natureza. Para Rolston III, esses pensamentos surgem após a contemplação da complexidade dos processos naturais.

A mente humana, um dos produtos mais sofisticados da natureza, questiona sua própria capacidade de observar e pensar a si mesma, encontrando-se ainda aquém de sua própria capacidade de conhecer. Na natureza, lembra o autor, o ser humano encontra campo fértil para questionamentos filosóficos, tanto quanto é um recurso científico, estético e econômico. Estamos programados para perguntar os por quês, e a natureza em sua expressão dialética é a origem de nossa espiritualidade, mesmo que simbolicamente seja possível aos seres humanos separar o pensamento racional, do mundo natural, na verdade a mente tem evoluído por milênios associada à natureza. Essa interação levou o ser humano a descobrir e criar símbolos através dos quais é possível o entendimento, ainda que parcial, da complexidade do mundo em que vive.99