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4. TRILHAS METODOLÓGICAS E INSTRUMENTOS DE CONSTRUÇÃO DE

4.4 A dimensão do conteúdo em pesquisa qualitativa

O método de análise de conteúdo é um método qualitativo atualmente muito utilizado na análise de dados. Sistematizado no século XX, foi uma importante ferramenta utilizada na compreensão de artigos e propagandas na época, escritos pela imprensa nos Estados Unidos. No que se refere às investigações qualitativas, existe uma grande diversidade de práticas de pesquisa que diferem no modo de coleta, registro e tratamento do material, e a análise de conteúdo é uma delas. Segundo Deslauriers (1997, p. 294) citado por Guerra (2006), os métodos qualitativos são caracterizados por uma diversidade de técnicas interpretativas que têm como objetivo descrever, reconhecer e explicar determinadas manifestações sociais que são produzidas de modo relativamente natural. Essa metodologia consiste em um agrupamento de técnicas voltadas para a análise e interpretação de dados qualitativos, com o objetivo de compreender os motivos e razões que levam os diferentes indivíduos a agir de determinada forma, produzindo assim a sociedade em que vivemos. Compreender a racionalidade cultural permite entender o modo de construção da sociedade e as respectivas alterações sociais. Esse modelo de técnica valoriza mais o significado dessas manifestações sociais do que sua repetição. A metodologia de análise de conteúdo é indicada na análise de pesquisas que coletam

dados através de entrevistas realizadas com indivíduos que partilham suas experiências vivenciadas e que não utilizam programas computacionais, utilizando apenas a análise de conteúdo (GUERRA, 2006).

Ao longo da história da utilização da análise de conteúdo, esta vem alternando entre a possível objetividade dos números e a riqueza de informações produzidas pela subjetividade, constantemente questionada. Entretanto, o emprego dessa ferramenta de pesquisa, como um meio para descrever de forma detalhada e sistematizada dados qualitativos, permite a compreensão de uma mensagem em maior grau de profundidade, superando a leitura comum (MORAES, 1999). Segundo Olabuenaga e Ispizúa (1989), essa metodologia permite a leitura e interpretação do conteúdo das mais diversas classes de documentos, que quando analisados de maneira adequada promovem a descoberta de manifestações da vida social, inacessíveis por outros meios. Para Moraes (1999), apesar da análise de conteúdo apresentar diferentes estratégias para o tratamento dos dados, nos mais diferentes campos, ela pode ser encarada como um instrumento único de pesquisa.

Os dados utilizados na análise de conteúdo podem ser obtidos por diferentes meios, dentre eles podemos citar a comunicação verbal ou não-verbal, como é o caso de cartas, cartazes, jornais, revistas, informes, livros, relatos auto-biográficos, discos, gravações, entrevistas, diários pessoais, filmes, fotografias, vídeos, entre outros meios (MORAES, 1999). Os dados utilizados nessa pesquisa foram originados a partir de entrevistas com um grupo focal, orientadas por meio da metodologia de GF, descrita anteriormente. As discussões desenvolvidas com o grupo focal foram registradas por meio de áudio, que posteriormente fo i transcrito de forma fiel pela pesquisadora. Porém, os dados produzidos nas discussões desenvolvidas com o grupo focal compõem uma gama de informações consideradas brutas, ou seja, que precisam ser processadas, de modo que facilite a compreensão, interpretação e conclusão. Dessa forma, o processamento das informações é desenvolvido por meio da utilização da análise de conteúdo.

Segundo Moraes (1999):

A análise de conteúdo, em sua vertente qualitativa, parte de uma série de pressupostos, os quais, no exame de um texto, servem de suporte para captar seu sentido simbólico. Este sentido nem sempre é manifesto e o seu significado não é único. Poderá ser enfocado em função de diferentes perspectivas.

Nesse sentido, a análise de conteúdo parte de hipóteses que podem ser confirmadas ou não a partir da análise dos dados. Assim, essa metodologia oferece suporte para interpretação

do que o autor chamou de “sentido simbólico”, aqui entendido como a influência do capital cultural presente no meio social no qual os membros do grupo focal estão inseridos.

A grande problemática na análise de conteúdo é que um mesmo texto pode envolver uma gama de interpretações. Nessa perspectiva, Olabuenaga e Ispizúa (1989, p.85) observam que: o sentido atribuído pelo pesquisador a um determinado texto pode ser compatível com o sentido atribuído pelo próprio leitor; o sentido de determinado texto pode variar de um leitor para outro; a fala/mensagem transmitida pelo autor pode ser interpretada por diferentes leitores de formas distintas; e que uma mensagem ou texto expresso por um autor pode ser interpretada de uma forma que nem o próprio autor está consciente. Além do que é observado pelos autores, vale ressaltar que sempre haverá a possibilidade de interpretar um texto dentro de diferentes concepções.

Contudo, não podemos ignorar o fato de que a análise de conteúdo envolve de certa forma a visão pessoal do pesquisador associada ao seu entendimento dos dados. Dessa forma, como toda leitura baseia-se na interpretação dos dados, não é possível uma interpretação neutra (MORAES, 1999).

A presente pesquisa assumiu em seu processo de análise de conteúdo as etapas descritas por Moraes (1999) para se utilizar essa metodologia de pesquisa. O autor divide essa metodologia em cinco etapas: 1) organização das informações; 2) transformação do conteúdo em unidades; 3) categorização ou classificação das unidades em categorias; 4) descrição; e 5) análise dos dados propriamente dita.

Para dar início a primeira etapa é necessário estar em posse dos dados coletados. Estando em posse dos dados, é possível iniciar a organização das informações na etapa inicial. A organização das informações é dividida em dois momentos: a) identificar as amostras que serão utilizadas na análise; e b) identificá-las por meio de códigos (MORAES, 1999).

Na primeira etapa na qual haverá a identificação das inúmeras informações contidas nos dados, que posteriormente serão analisadas, o autor recomenda a leitura de todo o material, para que posteriormente, tendo em vista os objetivos da pesquisa, seja possível selecionar os dados que contemplam tais interesses. Dessa forma, é importante que as amostras selecionadas sejam pertinentes aos objetivos da investigação. Após a identificação das informações mais importantes, no primeiro momento, as amostras separadas devem ser identificadas por meio de códigos, de modo a facilitar ao pesquisador sua retomada quando necessário, como é orientado no segundo momento da etapa 1 (MORAES, 1999).

Como já discutido anteriormente, nem todos os dados coletados em uma pesquisa são utilizados nas análises. Isso porque todo o material adquirido na coleta é considerado dado bruto, ou seja, nem todas as informações coletadas serão analisadas, pois nem todo o material coletado contempla os objetivos da pesquisa. Assim, os dados coletados nessa pesquisa que utilizou da metodologia de GF, que é um método de coleta de dados, serão previamente preparados para que dentro dos objetivos dessa pesquisa contemplem as necessidades exigidas. Nessa perspectiva, a etapa 1 assume papel fundamental no desenvolvimento e sucesso das análises.

A segunda etapa consiste, segundo Moraes (1999) na transformação do conteúdo previamente selecionado em categorias ou unidades. Essa etapa é subdivida em quatro momentos, sendo eles: a) estabelecer a unidade de análise; b) reconhecer no material as unidades de análise; c) separar as diferentes unidades de análise; e d) determinar as unidades de contexto.

No primeiro momento da segunda etapa, o material deve voltar a ser lido com o objetivo de definir as unidades de análises, também denominadas “unidades de registro”. A unidade de análise é um componente caracterizado por determinado conteúdo ou tema, no qual posteriormente os dados selecionados serão submetidos à classificação. As unidades de análise são definidas pelo pesquisador, que deve ter em vista os objetivos de sua pesquisa e o tipo de material que submeterá à classificação. A definição das unidades de análise pode ser feita de diferentes formas, por meio de palavra-chave, frases, temas ou até mesmo utilizando informações integrais presentes nos documentos.

Para o desenvolvimento do segundo momento, Moraes (1999) considera que deve reler todo o seu material previamente selecionado na etapa um e identificar nele o conteúdo referente a cada unidade de análise definida, de modo a classificá-lo nas diferentes unidades. Recomenda- se atribuir a cada unidade de análise códigos adicionais, em associação aos códigos já estabelecidos. Dessa forma, ao final desse passo, o pesquisador terá informações subdivididas em unidades menores e identificadas por códigos, o que facilitará a análise final. Esse passo pode ser exemplificado ao pensarmos em um código atribuído inicialmente a uma unidade de análise, o código 1, e os códigos adicionais atribuídos a essa unidade de análise podem ser identificados como 1.1, 1.2, 1.3, e assim consecutivamente.

A separação das diferentes unidades de análise, realizada no terceiro momento, exige que as diferentes unidades de análise sejam separadas para que posteriormente sejam

submetidas à classificação. Para isso, é recomendado que cada unidade seja reescrita de forma que seja caracterizada e separada. Esse processo pode exigir que as unidades de análise sejam constantemente reescritas, de forma que sua compreensão seja possível fora do contexto original e sem que haja a necessidade de informações adicionais (MORAES, 1999).

O autor considera importante que na transformação dos dados brutos em unidades de análise, estas devem apresentar um agrupamento de informações que possibilite uma visão geral e complementar da problemática da pesquisa, de modo que possam ser interpretadas sem que haja a necessidade de que novas informações sejam agregadas. Essas características devem ser garantidas uma vez que as análises finais serão feitas fora de seu contexto original e integradas a novas informações, e mesmo assim devem ser compreendidas sem que haja distorção de seu significado original.

Devemos considerar ainda que, ao fragmentarmos um texto, ele sempre perderá parte de sua informação original. Isso porque a leitura realizada sobre esse material corresponderá à perspectiva apresentada pelo pesquisador. No entanto, conforme Moraes (1999), “Na medida em que se tem consciência de que não existe uma leitura objetiva e completa de um texto, esta perda de informação pode ser justificada pelo aprofundamento em compreensão que a análise possibilita”. Dessa forma, a perda de informações e a influência da perspectiva do pesquisador em relação a sua leitura são justificadas graças ao aprofundamento na compreensão apenas permitida por meio da análise, que não seria possível sem tais perdas.

O quarto e último momento que envolve a etapa dois dessa metodologia, que busca compreender a transformação do conteúdo em unidade de análise, trata da determinação das unidades de contexto. A unidade de contexto é um elemento de classificação mais amplo que a unidade de análise, em que diferentes unidades de análise são classificadas. Esse elemento de categorização tem como objetivo estabelecer limites contextuais para a interpretação, e é de grande importância no processo de análise de conteúdo, uma vez que evita que durante a análise das unidades de registro o contexto seja perdido, permitindo assim que a exploração das unidades de análise seja mais ampla e aprofundada (MORAES, 1999).

Após a identificação e união de todas as unidades de análise, Moraes indique que a terceira etapa desse processo, a categorização, pode ser iniciada. A categorização compreende a reunião dos dados considerando suas características em comum. Para categorizá-los, deve-se estabelecer previamente critérios que podem ser semânticos, sintáticos ou léxicos. Entende-se por critérios semânticos aqueles que dão origem a categorias temáticas, enquanto que os

critérios sintáticos são aqueles que são definidos por meio de verbos, adjetivos, substantivos, entre outros, e por fim os léxicos são aqueles que atribuem valor às palavras e seus significados, ou ainda, dão ênfase a características expressas na linguagem.

Dessa forma, entende-se por categorização o processo de classificação das unidades de análise, levando em consideração critérios pré-estabelecidos. Embora facilite a análise, esta deve estar fundamentada no problema de pesquisa, seus objetivos e nos elementos que serão utilizados na análise de conteúdo. Deve-se levar em consideração ainda que a análise do material deve ser feita de forma cíclica, ou seja, constantemente retornando aos dados de forma periódica, de modo a garantir que as categorias sejam progressivamente refinadas. A retomada constante aos dados permite uma compreensão cada vez maior, uma vez que esse processo nunca estará completamente concluído, e a cada retomada do conteúdo um maior grau de compreensão pode ser atingido (MORAES, 1999).

Para o autor, a elaboração das categorias de análise deve respeitar os seguintes critérios: ser válidas e pertinentes, exaustividade, homogeneidade, objetividade, consistência ou fidedignidade

Os dois critérios iniciais que devem ser levados em consideração na elaboração das categorias de análise são correspondentes entre si, de modo que quando se referem a categorias válidas consequentemente referem-se a categorias pertinentes. Assim, categorias válidas são aquelas que correspondem aos objetivos da pesquisa e consequentemente da análise, à natureza do material em análise e às indagações que a pesquisa almeja responder. Consideramos pertinentes as categorias que possibilitaram ao pesquisador retirar delas informações úteis para o desenvolvimento de sua pesquisa (MORAES, 1999).

Segundo o autor, a segunda regra a ser considerada na elaboração das categorias é a exaustividade, que decorre da validade. Essa regra se refere a necessidade de que todas as categorias criadas devam acomodar todos os dados considerados importantes para a pesquisa. Nesse sentido, as categorias devem ser exaustivas no que se refere a incluir todas as unidades de análise. Dessa forma, nenhuma informação considerada importante para o desenvolvimento da análise, e consequentemente da pesquisa, deve ficar de fora da classificação. Vale ressaltar que a exaustividade deve ser aplicada às informações previamente selecionadas pela pesquisa. A problemática da pesquisa e seus objetivos determinam os dados a serem categorizados.

Assim, após a definição das categorias, estas devem ser exaustivas, ou seja, promover a categorização de todos os dados importantes.

Além de ser válida, pertinente e exaustiva, a elaboração das categorias de análise também deve ser homogênea. Nesse sentido, a organização das categorias deve ser baseada em um princípio único de classificação, ou seja, todas as categorias devem ser elaboradas com base em uma dimensão única de análise. Em casos em que existe mais um nível de análise, é importante que cada nível apresente homogeneidade entre si, não só em relação ao conteúdo, mas também ao grau de abstração.

De acordo com Moraes (1999), além dos critérios descritos anteriormente, as categorias devem ser exclusivas. Nesse quesito, o pesquisador deve garantir que cada unidade de conteúdo seja classificada em uma única categoria. Para a promoção desse critério, recomenda-se que as regras definidas para a classificação sejam bastante claras e objetivas.

O último critério a ser respeitado no processo de categorização é o de objetividade, que está intimamente ligado ao critério de exclusividade. Segundo esse critério, as categorias de análise devem ser objetivas, de modo que não abram margem para dúvida em relação à classificação das categorias de unidades em cada categoria. Quando aplicado de forma correta, esse critério permite que a categorização das unidades não seja acometida pela subjetividade do pesquisador. Dessa forma, ao utilizar as mesmas unidades de conteúdo, respeitando as mesmas regras de classificação, diferentes pesquisadores devem alcançar resultados próximos (MORAES, 1999).

A descrição é a quarta etapa do desenvolvimento da análise de conteúdo. Ao finalizar a elaboração das categorias de análise e classificar os dados em cada categoria, inicia-se o processo de análise e de formulação dos resultados da pesquisa. Dessa forma, a descrição constitui a primeira fase da formulação dos resultados.

Como a presente pesquisa assume uma análise qualitativa, as orientações desse tipo de análise definem que deve ser elaborado um texto com um apanhado de elementos que apresente um agrupamento de informações com significância em todas as unidades de análise estabelecidas. Recomenda-se a utilização de citações diretas recuperadas a partir do material original. Ainda que nesta etapa haja descrições cada vez mais amplas, ela ainda não compreende a interpretação propriamente dita. Assim, a elaboração da descrição é definida pelas categorias estruturadas no decorrer da análise. Contudo, a descrição é de grande importância na aplicação

dessa metodologia, pois é nessa etapa que os significados compreendidos segundo os dados analisados serão expressos. No entanto, essa etapa não é suficiente para que o pesquisador conclua sua interpretação (MORAES, 1999).

Finalmente, após a descrição, a interpretação dos dados é a última etapa da análise de conteúdo. É nessa etapa que o pesquisador buscará compreender as informações contidas nos dados previamente selecionados e categorizados. O pesquisador, nesse momento, buscará uma interpretação do texto em profundidade, ou seja, interpretará os dados de modo a reunir esforços na busca não apenas de informações expressas pelos autores, mas também sobre o que não é expresso por estes, informações ocultadas de forma consciente ou não.

Segundo Moraes (1999), esta última etapa da análise de conteúdo é dividida em dois momentos. O primeiro deles está relacionado à fundamentação teórica adotada pela pesquisa. Neste momento, as categorias de análise são analisadas de acordo com as perspectivas abordadas pela fundamentação teórica. Nesse sentido, a presente pesquisa adotou os conceitos de habitus, campo e capital definidos por Pierre Bourdieu, como suporte na promoção das análises em profundidade dos dados coletados e devidamente preparados nas etapas anteriores. O segundo momento definido pelo autor se refere à construção da teoria baseada nos dados e nas categorias de análise definidas pelo pesquisador. Nessa perspectiva, as conclusões nas quais o pesquisador chega estão associadas às informações captadas a partir das categorias por ele estabelecidas, de modo que a elaboração da teoria também é dada como uma interpretação. De qualquer forma, sem dúvidas a interpretação é um passo fundamental para o desenvolvimento da análise de conteúdo, especialmente quando se refere a pesquisas qualitativas.

Contudo, como a coleta de dados desta pesquisa foi realizada por meio da metodologia do GF, esta escolha foi feita para orientar a análise de nossos dados por se tratar de um método de análise indicado para pesquisas que coletam dados por meio de entrevistas em profundidade, realizadas com indivíduos que partilham suas experiências vivenciadas, e que não utilizam programas de computador para promover as análises, pois esta é uma metodologia de análise de conteúdo.