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Dificuldades específicas do subcampo da Biologia Molecular

5. ANÁLISE DE DADOS

5.2 Dificuldades específicas do subcampo da Biologia Molecular

No que se refere às dificuldades específicas do subcampo da Biologia Molecular, ao longo das discussões com o grupo focal foi possível confirmar algumas dificuldades já apontadas pela literatura dessa área e descobrir outras ainda não apontadas ou não discutidas anteriormente neste trabalho. Dentre as dificuldades específicas da área, já discutidas ou não por este trabalho, podemos citar:

1. Conteúdo complexo e extenso;

2. O número reduzido de aulas de Biologia;

3. Carência de conhecimentos prévios e a organização dos conteúdos que é prevista pelo currículo do Estado de São Paulo;

4. As notícias superficiais divulgadas pela mídia e a dificuldade dos alunos em associar as notícias ao conteúdo;

5. Dificuldade em atribuir importância aos conhecimentos trabalhados no subcampo da Biologia Molecular;

Segundo os membros do GF, o conteúdo de BM é complexo e extenso. Considerado um conteúdo abstrato, confuso e com “muitos nomes difíceis” a ser memorizados, os alunos têm dificuldade em encontrar motivação em aprendê-lo. O caráter abstrato desse conteúdo também é apontado por Diniz e Schall (2001), Loreto e Sepel (2003), Lopes e Melo (2005), Casa Grande (2006), Jann e Leite (2010), Moura et al. (2013), entre muitos outros autores, como um fator dificultador do ensino nesse subcampo. Segundo os alunos, o fato de não poder ver ou tocar o DNA torna o ensino da BM de difícil compreensão.

Na escola, o desenvolvimento desse conteúdo conta apenas com a explicação do professor, com o material didático disponível na rede pública de ensino e com a imaginação dos alunos, o que, na opinião dos estudantes, limita ainda mais a compreensão desse tema. Podemos verificar a opinião dos alunos no que se refere a considerarem esse conteúdo abstrato e complexo e ao modelo de aula desmotivador, quando estes declararam: “É porque, é tipo, você só dá aula, não tem tipo, tipo a gente ver o DNA.”; “É bem mais fácil estudar uma coisa que você consegue ver, tocar, do que uma coisa que você imagina como seja ou só vê no livro.”; “Se a gente pudesse ver, a gente seria mais ... compreender a estrutura do DNA, seria mais fácil do que só ver a imagem.”. No contexto em que as falas foram expressas, notamos que há uma curiosidade por parte dos alunos em aprender o conteúdo. No entanto, são desapontados diante do fato de não poderem ver o DNA e contar apenas com recursos limitados em suas aulas.

Outro fator apontado pelos estudantes como uma característica que dificulta a compreensão desse conteúdo é o número reduzido de aulas de Biologia por semana. Para a

maioria dos alunos, duas aulas de Biologia por semana é pouco para desenvolver a quantidade de conteúdos que é prevista pelo currículo, fator que se agrava ainda mais quando se trata de conteúdos como a BM que eles julgam “confuso, complexo e extenso”. Segundo eles, o ideal seria oferecer um número mínimo de quatro aulas por semana, o que corresponde ao dobro de aulas que lhes são oferecidas atualmente pela rede pública de ensino estadual. Com ao menos 4 aulas semanais o professor teria mais tempo para desenvolver e aprofundar esse tipo de conteúdo, inclusive, dentro das possibilidades, desenvolver aulas práticas.

Nesse contexto, acreditamos que a oferta de um número maior de aulas destinadas ao ensino da Biologia permitiria, além de ampliar o tempo que os docentes e discentes tem para desenvolver os conteúdos relativos a esse campo, mais especificamente ao subcampo da BM, que os docentes reduzissem o número de escolas em que lecionam. Isso porque, como já discutido anteriormente, boa parte dos professores lecionam em duas ou mais escolas, e muitas vezes nos três períodos. Ampliar o número de aulas de Biologia por série/ano também permitiria ao professor ampliar sua jornada de trabalho em uma mesma unidade escolar e, possivelmente, reduzir o número de escolas, o que seria um ganho para a educação. Isso porque o fato de um professor lecionar em mais de uma escola é cansativo. Somado ao cansaço, a locomoção entre escolas também reduz o tempo que os professores têm disponível para estudar e preparar suas aulas, o que também contribui para o baixo rendimento dos alunos, uma vez que não sobra muito tempo para o professor refletir sobre sua prática pedagógica e adaptá-la às necessidades de cada sala ou indivíduo em particular.

Associamos o número reduzido de aulas de Biologia e a garantia de conhecimentos mínimos nos diferentes campos educacionais, estabelecidos pela LDB/96, à democratização do ensino. Ou seja, apenas garantir vagas a todos independente de sua classe social não garante a democratização do ensino e nem elimina as desigualdades sociais, como é apontado por Haddad (2007, pg. 31). Isso porque não basta garantir que todos tenham acesso à educação, é necessário que o Poder Público em todas as suas esferas administrativas reúna esforços para garantir que a educação garantida na rede pública de ensino seja de qualidade. Segundo Kuenzer (2010, p. 857-858), para que haja a oferta de um ensino de qualidade é necessário que sejam identificadas as reais necessidades educacionais e que a partir desse diagnóstico sejam estabelecidas prioridades e metas a serem alcançadas e garantidas pelos diferentes segmentos do Poder Público.

Contudo, compreendemos que a ampliação do acesso à educação básica na escola pública, agora direito subjetivo de todos, levou ao sucateamento dessa instituição, o que forçou

os indivíduos de origem social mais favorecida a migrar para as instituições de ensino privadas. Entendemos que essa migração é um forte indício desse sucateamento. Concluímos ainda que o número reduzido de aulas, como é o caso da disciplina da Biologia, e a preocupação do Poder Público em garantir apenas conhecimentos básicos contribuem fortemente para que a escola pública seja palco de uma reprodução de classes, tal como Bourdieu (1970) discute em seu livro “A Reprodução”.

Segundo o currículo do Estado de São Paulo (2011, p.72 a 75), ver anexo A, o conteúdo de BM está previsto para ser lecionado no terceiro e quarto bimestre do 2º ano do EM, como já discutido anteriormente. Para os alunos, concentrar um conteúdo de natureza abstrata e alto nível de complexidade, como é o caso dos conhecimentos em BM, em um único ano e em apenas dois bimestres dificulta o processo de ensino e aprendizagem dessa área. No geral, na opinião dos discentes, o ideal seria que esse conteúdo fosse distribuído pelos anos que compõem o Ensino Médio, de modo que os estudantes tivessem tempo hábil para aprender e assimilar os conhecimentos. Dessa forma, o conteúdo seria introduzido no 1º ano e seria aprofundado nos anos que seguem.

Durante essa discussão, a fala de um estudante foi bastante marcante ao dizer que embora o conteúdo devesse ser distribuído pelos anos, ele não deveria ser abordado no 3º ano, pois nessa etapa os alunos estariam mais focados no vestibular, exame no qual o conteúdo de BM não é muito cobrado. A fala desse membro expõe a dificuldade em identificar esse conteúdo quando ele está sendo abordado, seja nos diferentes meios de comunicação ou em um enunciado de uma avaliação. Atualmente, esse conteúdo vem sendo cada vez mais cobrado nos vestibulares, inclusive envolvendo conteúdos que vão muito além dos conhecimentos básicos previstos pelo currículo.

Neste contexto, acreditamos que distribuir os temas que constituem o subcampo da BM pelos anos que compõem o Ensino Médio permitiria aos alunos ter mais tempo para estudar e assimilar esse conteúdo. No entanto, diferentemente do que pensam alguns alunos, esse conteúdo poderia ser abordado no decorrer dos 3 anos que compõem esse nível de ensino, uma vez que é cobrado no vestibular.

No que se refere à dificuldade em compreender as informações amplamente divulgadas pelos meios de comunicação de massa, como a TV e a internet, notamos que, até a aula introdutória sobre o conteúdo de BM, poucos alunos haviam tido algum contato com o tema, a maioria havia apenas ouvido falar em DNA, mas não possuíam conhecimento científico específico desse subcampo. Segundo os alunos, até a aula introdutória do tema eles não

conheciam a história do DNA, sua estrutura e sua função, sabiam apenas que o DNA é algo que “comanda o corpo”. A maior associação que conseguiram fazer foi com o teste de paternidade, isso porque declararam assistir a um programa de televisão que realiza testes de paternidade em famílias de baixa renda. Porém, não compreendem como o DNA está envolvido nesse tipo teste.

Ao serem questionados sobre as notícias publicadas pela mídia em seus mais diversos meios de comunicação, percebemos que os alunos têm dificuldade em associar notícias relacionadas com a manipulação do DNA. Essa dificuldade possivelmente está relacionada não apenas ao fato dos alunos não possuírem conhecimentos básicos sobre o tema, mas também ao fato de que embora a mídia atualmente seja um forte veículo de informação, que possibilita e facilita associar a ciência e suas tecnologias à vida dos alunos e da população no geral (SILVA, 2000), ela muitas vezes assume um caráter sensacionalista (JUSTINA et al., 2000), divulgando informações superficiais e que valorizam apenas as conquistas finais, sem qualquer compromisso com a sociedade de orientar educacionalmente a população, ou seja, de divulgar a trajetória que levou à descoberta e não apenas os resultados finais (GRYNSZPAN e REZNIK, 2000 apud CIAMP, 2000). O perfil das notícias divulgadas pela mídia, que geralmente apresentam-se de maneira superficial, ao invés de informar a população e esclarecer as técnicas e aplicações na área, acaba confundindo os indivíduos que têm dificuldade em compreender as técnicas envolvendo o DNA. Essa confusão ocasionada por notícias pobres em informações já é uma discussão presente na literatura que aborda o ensino de BM e os meios de comunicação, e foi detectada na fala dos membros do GF.

Embora atualmente a grande maioria dos indivíduos tenham acesso aos diferentes veículos de comunicação, como a TV, rádio e internet, Bourdieu (2007, p.77) discute que:

Para possuir máquinas, basta ter capital econômico; para se apropriar delas e utilizá- las de acordo com sua destinação específica (definida pelo capital científico e tecnológico que se encontra incorporados nelas), é preciso dispor pessoalmente, ou por procuração, de capital incorporado.”

Nesse contexto, partimos da ideia de que não basta que os estudantes tenham acesso aos diferentes meios de comunicação, os quais tornam públicas as diferentes descobertas no meio científico, referente à BM e outros campos e seus subcampos, é necessário que esses indivíduos apresentem capital cultural suficiente para se apropriar das informações transmitidas. No entanto, de origem social menos favorecida, esses indivíduos não possuem capital cultural incorporado que os permita compreender as informações às quais têm acesso.

Ao serem questionados sobre a importância de se aprender os conteúdos envolvidos no subcampo da BM e orientados a atribuir uma nota de 0 a 5 à importância que eles atribuem a

esse conteúdo, os alunos variaram as notas entre 3,5 e 4. Nesse momento, notamos que para os alunos é importante o estudo desse subcampo do conhecimento, embora eles não acreditem que seja tão importante a ponto de pontuá-lo com 5. Segundo os alunos, é importante aprender esse conteúdo por vários motivos, como: “...é importante saber...”, “... eu gosto dessa parte...”, “...eu não conhecia...”, “...é sempre bom saber um pouco...”, etc. Diante dos motivos apresentados pelos alunos, percebemos que eles não conseguem argumentar de maneira consistente sobre a importância de se aprender o conteúdo de BM. Para os alunos, eles não atribuíram nota 5 para a aprendizagem dessa área pois o assunto só é importante a ponto de se atribuir nota 5 para quem vai estudá-lo mais a fundo, ou seja, para quem fará um curso superior voltado para esse subcampo do conhecimento. Contudo, acreditamos que a dificuldade que os alunos apresentam em compreender a importância do ensino da BM para sua formação pessoal e intelectual leva os mesmos a apresentar desinteresse e apatia pelos conhecimentos nesse subcampo, o que compromete ainda mais o processo de ensino e aprendizagem nessa área.

Como foi possível perceber, são muitos os fatores que distanciam a escola pública da verdadeira escola democrática. As dificuldades discutidas inicialmente, embora não sejam específicas do conteúdo de BM, tendem a interferir no desenvolvimento dos conhecimentos que compõem essa área. Enquanto que as dificuldades específicas são inerentes ao nível de complexidade do próprio conteúdo. Quando somadas, elas formam uma complexa rede de fatores limitantes que precisam ser repensados, de modo que atitudes sejam tomadas em prol do desenvolvimento de uma aprendizagem mais efetiva.