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CAPÍTULO 2 – AS HABILIDADES, A COMPETÊNCIA, O TEXTO E A

2.2 A Dimensão do Texto

Se tratamos de itens de Avaliação Diagnóstica de Habilidades de Leitura, e de sua relação com a construção da Competência Leitora, obviamente que está aí implicado o texto como elemento de interlocução e como objeto de ensino e de avaliação. Antes, contudo, convém explicitar que, aos moldes de Marcuschi (2008, p. 65) entendemos a língua como

“uma atividade interativa, social e mental que estrutura nosso conhecimento e permite que nosso conhecimento seja estruturado. Enquanto fenômeno empírico, a língua não é um sistema abstrato e homogêneo.”

Quando se relaciona a leitura do texto, ou melhor dizendo, quando se relacionam as habilidades mobilizadas pelo leitor na produção dos sentidos desse texto à avaliação da leitura, estamos focalizando algumas das dimensões textuais, no dizer de Cavalcante et tal (2010, p. 225) “a referenciação e o tópico discursivo”.

Dessa feita, procuramos aqui vincular aspectos dessas dimensões textuais às habilidades de leitura presentes nas Matrizes de Referência que serão analisadas em seções subsequentes.

Assumimos, tal como Koch (2004, p. 32-33), que o texto se origina da enunciação, sendo “os interlocutores sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e por ele são construídos.” Tal noção se torna basilar a este trabalho posto que ele considera que uma Avaliação Diagnóstica de Habilidades de Leitura busca verificar quais mecanismos de compreensão do texto já foram adquiridos e desenvolvidos pelos alunos avaliados.

Por isso é que, desde a consolidação da Linguística Textual (LT) se postula que o texto é construído nas situações de interação, levando-se em conta todos os fatores que ali intervêm. Tanto a produção quanto a compreensão de textos, sejam eles orais ou escritos são objeto da LT. É Marcuschi (2008) quem nos lembra que

sob um ponto de vista mais técnico, a LT pode ser definida como o estudo das operações linguísticas, discursivas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção e processamento de textos escritos ou orais em contextos naturais de uso. (MARCUSCHI, 2008, p. 73)

Portanto, adotamos, tal como assumem os documentos oficiais da educação deste país, a noção de que o texto supera as restrições da sua superfície material, sendo definido

pelo uso social e indissociável do discurso (KOCH, 2002 e 2004; MARCUSCHI, 2007, e 2008).

O texto é tomado por nós no bojo das ações de interlocução e cumpre funções sociais, os gêneros organizam atividades e pessoas. Por isso, sustentamos que:

Se você identificar todas as formas de escrita com as quais um aluno deve se envolver para estudar, para comunicar-se com o professor e colegas de sala, para submeter-se ao diálogo e à avaliação, você terá definido as competências, desafios e oportunidades de aprendizagem oferecidas por essa disciplina. (BAZERMAN, 2005, p. 32)

A partir da noção de que leitura é um processo desencadeado por um indivíduo social e historicamente situado e que, por isso, esse sujeito constrói os sentidos do texto, torna-se necessário expandir os limites do objeto observado e compreender que todo e qualquer objeto que encerre em si uma linguagem e, por meio dela, comunique o que quer que seja, será considerado texto. Portanto, uma imagem, uma obra de arte, um poema ou uma página da web são textos e, como tais, sujeitos à ação humana de ler e interpretar. Contudo, por razões metodológicas, este trabalho restringir-se-á à observação do texto composto por elementos linguísticos e/ou por aqueles que combinem elementos verbais e não verbais. Os demais textos, que utilizam outras linguagens (que não a verbal), fogem ao escopo do presente estudo.

Desse modo, o conjunto de habilidades presentes em uma matriz de referência tende a refletir aquilo que Koch (2004), citada por Cavalcante et al (2010) define como requisito para a compreensão dos sentidos do texto:

não apenas a consideração dos elementos coesamente organizados na materialidade linguística, mas também a mobilização de um vasto conjunto de conhecimentos (linguísticos, enciclopédicos, interacionais) que, no fundo, não se separam nitidamente e ainda colaboram, todos conjungidos, para a reconstrução dos próprios enunciadores. (CAVALCANTE et al, 2010, p. 226)

Isso significa que cada habilidade descrita nas Matrizes de Referência procura revelar as funções que alguns desses elementos materiais desempenham na construção do sentido, bem como os conhecimentos mobilizados na tentativa de compreensão do texto lido pelo aluno.

Algumas habilidades de leitura – conforme veremos mais adiante – como é o caso das inferências, podem ser explicadas pelos estudos da Linguística Textual, a partir de outros modelos das Ciências Cognitivas, como a chamada “Teoria dos Esquemas (Rumelhart, 1957), a Teoria dos Frames (Minsky, 1976), a Teoria dos Saipts (Schank e Abelson, 1977), dentre outros” (CAVALCANTE et al, 2010, p. 231).

Ao definir um conjunto de habilidades de leitura, uma Matriz de Referência considera que a interpretação do texto, não obstante ser um processo dinâmico, apoia-se nas pistas linguísticas evidentes. A elas são acrescentados aspectos extralinguísticos como a função sociocomunicativa desempenhada pelo texto ou os objetivos perceptíveis do produtor, por exemplo.

Assim, interessa a esta pesquisa, mais particularmente, os itens das avaliações de habilidades de leitura, relacionados a alguns elementos da referenciação. De acordo com Cavalcante et al (2010, p. 233) “a referenciação é o processo pelo qual, no entorno sociocognitivo-discursivo e interacional, os referentes se (re)constroem”. Já para Marcuschi (2008), a referenciação é um processo visível pelas pistas textuais, mas opera cognitivamente. Aí, pois, encontra-se, a nosso ver, a base sobre a qual se sustentam as Matrizes de Habilidades de Leitura (Matrizes de Referência), embora em sua constituição, os documentos tanto do SIMAVE, quanto do SAEB não façam essa remissão teórica.

A noção de referência, presente nos estudos iniciais de Koch e Travaglia (1989), baseados em Halliday (1976), encontra-se de forma explícita na composição das Matrizes que, em suas versões primeiras datam de 1999/2001. Nesse contexto, são elencados

elementos “dados” pelo texto como a própria referência, a substituição, a elipse, a conjunção e outros elementos responsáveis pela coesão lexical e que Koch e Travaglia (1989) agrupa- os no que chamou-se de “coesão referencial”.

Esta pesquisa limita-se aos aspectos do processamento de textos escritos, isto é, interessa-se pelas “operações linguísticas” e pelas “operações cognitivas” realizadas pelos alunos na resolução de testes de habilidades de leitura.

O que um estudo sobre as avaliações de leitura – baseadas em matrizes de referência de habilidades – pode oferecer à prática pedagógica do ensino de Língua Portuguesa vai além daquela preocupação que, a partir de meados da década de 1980, povoou os estudos da Linguística Textual. Estamos falando de superar os

tipos prioritários de textos das propostas curriculares clássicas – descrição, narração e dissertação –, [que] tinham sido tomados como „conteúdos‟ dos eixos procedimentais de leitura e produção de textos. Foi, na verdade, o triunfo do texto como objeto de estudo, embora não desvinculado de uma “gramática pedagógica no nível do texto”: a análise das (super)estruturas da narrativa e da dissertação, ao lado do despertar do ensino das noções de coesão e coerência. (GOMES-SANTOS et. al., 2010, p. 321, 322)

Trata-se, portanto, de uma proposta alternativa ao modelo clássico de atividades de compreensão do texto, presentes sobremaneira em boa parte dos livros didáticos, conforme sustenta Santos (2009: s/p): “Apesar do destaque que o trabalho com gêneros textuais variados vem recebendo nas pesquisas acadêmicas e propostas pedagógicas, nem sempre os livros didáticos de português parecem aplicar coerentemente esse conceito.”

De acordo com Marcuschi (2008, p. 152), há quatro grandes “tendências” dos estudos dos gêneros, e esta pesquisa parece aproximar-se mais daquela considerada por ele “mais geral, com influências de Bakhtin, Adam, Bronckart e também os norte-americanos como Charles Bazerman, Carolyn Miller e outros ingleses e australianos como Günter Kress e Norma Fairclough”.

E nos parece, a proposta das Avaliações Diagnósticas de Habilidades de Leitura, mais coerente com os conceitos teóricos que subjazem os Parâmetros Curriculares Nacionais, a saber: a abordagem dos gêneros textuais e suas características tipológicas (GOMES-SANTOS et al, 2010, p. 322). Tais avaliações pressupõem e/ou incentivam um trabalho de ensino da leitura que leve em conta a dimensão da diversidade textual e reflete tanto os princípios norteadores da Linguística Textual quanto a base teórica dos PCN, no dizer de Gomes-Santos et al (2010, p. 322-3).

Da mesma sorte que as noções de texto, discutidas aqui, o conceito de gêneros textuais como “fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente organizadas” (Bazerman, 2005, p. 31) se faz importante. O reconhecimento do que sejam os gêneros textuais e de como eles se apresentam a nós em sociedade torna-se fundamental para o professor de língua materna, cujo trabalho consiste, entre outras coisas, em ensinar a ler textos. E parece bastante plausível dizer que a leitura dependerá não só do acesso aos elementos microestruturais, mas também do reconhecimento de sua função sociocomunicativa.