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Capítulo 2- A neologia de empréstimos

2.5 A dimensão social na análise dos estrangeirismos

Entendemos ser inevitáveis, e até mesmo esperados, os intercâmbios linguísticos entre diferentes línguas, visto que novas palavras surgem desses contextos comunicativos, trazendo consigo novos valores sociais e, nesse aspecto, as unidades lexicais estrangeiras incorporadas ao português e os empréstimos são altamente produtivos. Por essa razão, a veiculação de palavras estrangeiras nos meios de comunicação brasileira, seja por mídia impressa, televisionada ou eletrônica, torna-se um grande aliado nesse processo de integração de um vocábulo a outra língua.

Notamos que um meio bem propício à propagação desses fenômenos da língua são as revistas direcionadas ao público jovem, que se mostra mais aberto às mudanças que a língua sofre. Interessante também perceber como alguns estrangeirismos de língua inglesa são empregados no sistema lexical do português do Brasil com novos sentidos muitas vezes em contextos diferentes dos utilizados na língua de origem. Observemos, por exemplo, o uso do substantivo clutch, cujo significado apresentado na revista juvenil Capricho não tem ligação alguma com as acepções encontradas no dicionário Michaelis:7

Figura 7 - Fashionista: exemplo de produtividade do empréstimo lexical fashion no português brasileiro.

Fonte: Todateen, ano 15, n. 11, out. 2012.

clutch1
n 1aperto, agarração. 2 garra, presa, mão que pega. 3fig (geralmente clutches) poder, controle, influência. 4 embreagem, acoplamento. 5 alavanca ou pedal que aciona a embreagem. 6slsituação ou circunstância difícil ou séria. 7Amerslabraço. 8Amerslgrupo, bando. 9Amerslfreguês de restaurante que não dá ou dá pouca gorjeta. • vt+vi1 apertar, agarrar, apanhar. 2 arrebatar. 3 embrear, acionar a embreagem. He made a clutch at ele pegou, ele estendeu a mão para. She kept out of his clutches ela ficou longe de seu alcance. To throw the clutch in embrear. To throw the clutch out desembrear.clutch2
n 1 ninho com ovos. 2 ninhada.

7Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/ingles/index.php?lingua=ingles-

O uso do substantivo clutch, acessório feminino para ser utilizado preferencialmente à noite, em festas, está bastante disseminado na mídia, principalmente entre as mulheres mais jovens. Um exemplo, retirado do blogue Mulherzice,8 ilustra bem esse uso quando diz que: “A clutch é um acessório que chama muito a atenção, pois está nas mãos. Então, o legal é deixá-la sendo o centro das atenções, por isso escolha um modelo bem bonito sempre.”

É provável que a explicação para que a unidade léxica “bolsa de mão” passe a se chamar “clutch” não esteja numa relação linguagem-mundo, mesmo porque o anúncio publicitário em questão não tinha como objetivo central nomear um objeto que já existe no mundo e que já tem nome em nossa língua. O que está em jogo é um processo de legitimação de um novo valor atribuído ao objeto, através da busca de características que sustentem essa nova visão. O novo significado para o item léxico representa um novo conceito na medida em que os falantes não apenas passam a atribuir valor positivo ao objeto como também passam a considerar que o objeto tem qualidades que antes não consideravam ter. Diante disso, se faz necessário transpor uma visão referencialista de mundo ao lidarmos com o elemento mais dinâmico em nossos discursos: o léxico, adotando assim uma visão que considera o sentido atribuído a uma palavra produto da interseção de negociações, ajustes, desacordos entre os interlocutores mediante os recursos de comunicação de que temos acesso, pois “o mundo e nosso discurso são constantemente estabilizados num processo dinâmico levado a efeito por sujeitos sociocognitivos e não sujeitos individuais e isolados diante de um mundo pronto” (MARCUSCHI, 2004, p. 270).

A aceitação ou não da palavra estrangeira é inteiramente determinada por normas sociais, de modo que os falantes, imbuídos de seus valores e concepções de mundo tornam uma forma prestigiada ou não, resistindo ou não ao seu uso. Para melhor compreender isso, é necessário observar componentes sociolinguísticos, tais como, classe social, gênero, faixa etária, pois eles explicam em muito o dinamismo do estrangeirismo à medida que favorecem a incorporação e a estabilidade da unidade lexical estrangeira. Outro ponto importante tem que ver com o fato de que muitos desses estrangeirismos refletem componentes, tais como o prestígio de uma determinada forma linguística.

Diretamente ligado a uma valorização, o prestígio social de um determinado vocábulo se traduz na atitude linguística do falante, isto é,

8Disponível em: <http://www.mulherzice.com.br/bolsa-clutch-como-usar.html>. Acessoem: 16 jan.

[...] o que julgamos ideal para o comportamento linguístico, ou seja, uma norma linguística subjetiva, segundo a qual estabelecemos critérios de aceitabilidade social da linguagem, assim como estabelecemos critérios de aceitabilidade social do vestuário, nas diversas situações sociais em que o usamos” (PRETI, 2003, p.54).

De acordo com Labov (1972), determinadas formas linguísticas refletem categorias da estrutura social. A maneira como as pessoas se utilizam da língua é altamente influenciada pelas pressões sociais. Na verdade, fatores tanto linguísticos como sociais contribuem para os processos de variação e mudança:

A ocorrência de variantes está geralmente correlacionada aos aspectos do ambiente interno, embora não seja exatamente previsível por esses, e também pelos aspectos externos ao falante e a situação: estilo contextual, status social, mobilidade social, etnia, gênero e faixa etária (LABOV, 1972, p. 18, tradução nossa).9

O item lexical fashionista, como vimos no enunciado da revista juvenil Todateen, está bastante disseminado entre os jovens brasileiros e já é sentido como parte da língua portuguesa falada no Brasil. Fashion é uma palavra que já está dicionarizada, portanto ela é agora, no português brasileiro, um empréstimo lexical, e, pelo que percebemos, já está produzindo frutos, como a forma derivada fashionista, comprovando ser um exemplo de produtividade do empréstimo lexical fashion no português brasileiro.

Apesar de nos causar ainda um pouco de estranheza, o item léxico fashionista mostra- se sensível às transformações da língua, revelando aspectos relacionados a um grupo social específico, no caso dos jovens que elegeram esse uso como um traço de identidade, que muitas vezes não corresponde à sua real identidade. A motivação para isso está relacionada a um agir linguisticamente de forma a se projetar positivamente, numa contínua busca de aceitabilidade do grupo ao qual o usuário da língua pertence. Alerta-nos Preti (2003):

A fala, bem como outras fontes de informação, tanto pode conduzir- nos à identidade real do falante, quanto à sua identidade pretendida. No momento em que se tornam conhecidas, na sociedade, as características de uma fala tida como de maior prestígio dentro de um grupo social, os falantes podem incorporá-las a seu uso, pelo menos no que se refere ao seu léxico, com o objetivo de criar uma identidade que almejam, mas não possuem (PRETI, 2003, p.51).

9 “The occurrence of the variants is often correlated with features of the internal environment, though

not exactly predictable from those features, and also with external characteristics of the speaker andthe situation: contextual style, social status and social mobility, ethnicity, sex and age” (LABOV, 1972, p. 18).

Com efeito, os estrangeirismos contribuem para o processo de transformação e inovação do léxico. Diante de um mundo altamente tecnológico e dinâmico, onde as relações sociais estão cada vez mais globalizadas e mais suscetíveis aos intercâmbios culturais, novas formas de comunicação entre os membros de uma comunidade estão sendo cada vez mais difundidas. Para citar alguns exemplos, basta pensarmos no mundo da internet, em palavras como twitter, skype, facebook ou, mais recentemente, nas invenções trazidas pelos celulares, como no caso do aplicativo WhatsApp.10 Essas novas formas estrangeiras estão circulando abertamente em vários domínios sociais, principalmente em ambientes de grupos de pessoas mais jovens, como se constata no texto informativo da revista juvenil Capricho: “No WhatsApp, Viber, Skype ou torpedo, a dúvida é: você sabe mesmo paquerar por mensagem de texto?” (Capricho, 2012, p. 66).

É importante destacar que falantes compartilham atitudes e valores semelhantes em relação à língua, visto que a comunidade de fala “é mais bem definida como um grupo que compartilha as mesmas normas em relação à língua” (LABOV, l972, p. l58). Geralmente, valores positivos estão relacionados ao grupo de prestígio cuja fala é dominante nas esferas sociais, sendo que o nível que o falante tem em relação a determinada variável está vinculado à classificação dos elementos variantes da língua diante da avaliação social a que está suscetível.

Pelo que foi exposto, acreditamos que seja essencial ressaltar a importância dos fatores extralinguísticos no processo de criação lexical, pois é o âmbito da esfera social que circunscreve e motiva as mudanças no léxico de uma língua.Assim sendo, a integração de aspectos sociais nos estudos da lexicologia seria de grande ganho, especialmente quando se busca uma prática didático-pedagógica que se propõe a analisar ou evidenciar as formas de mecanismos de promoção ou resistência às formas estrangeiras, pois já constatamos que a incorporação dessas formas no sistema da língua perpassa por fatores de ordem social, como a avaliação (prestígio ou não).