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Capítulo 3 Um olhar sobre o Livro Didático de Português

3.2 O PNLD, os professores, suas escolhas

A demanda do livro didático não apenas aumentou consideravelmente, mas também se diversificou com a multiplicação do número de alunos, o que fez com que esse material sofresse várias alterações em seus conteúdos. Esses conteúdos passam, a partir daí,a refletir o nível de desenvolvimento em que se encontram os conhecimentos, bem como as expectativas da sociedade em relação a esses conhecimentos para a formação das novas gerações. Assim, os autores de livros didáticos se veem obrigados a responder as novas demandas educacionais que se põem em evidência, decorrentes do intenso desenvolvimento do país.

Este contexto suscita a implantação de um processo de avaliação dos livros didáticos, a fim de assegurar a qualidade dos livros a serem adquiridos. Surge, então, com a iniciativa do Ministério da Educação (MEC), em 1996, o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) que, de acordo com Batista, tinha como objetivos básicos “a aquisição e a distribuição, universal e gratuita, de livros didáticos para os alunos das escolas públicas do ensino fundamental brasileiro” (BATISTA, 2003, p.25).

A avaliação sistemática e contínua do livro didático se desenvolve no momento em que o MEC passa a subordinar a compra dos livros didáticos inscritos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),a uma aprovação prévia efetuada por uma avaliação pedagógica das obras nele inscritas. Esse processo de avaliação, em que cada obra é analisada segundo critérios e princípios12previamente discutidos e que,até hoje, vem sendo aperfeiçoados e aplicados, é bastante rigorosa e detalhada. Há um grupo de especialistas, responsável por

12Os critérios norteadores podem ser encontrados no Guia do LDP(2012) disponível

averiguar e analisar se cada coleção está em consonância com esses critérios e princípios estabelecidos por este programa. Os especialistas que avaliam os livros pertencem a conceituadas universidades públicas do País, como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que no PNLD de 2008, ficou responsável pelas áreas de alfabetização e língua portuguesa; a Universidade de São Paulo (USP), responsável pela área de ciências; a Universidade Estadual Paulista (UNESP), responsável pela área de geografia; a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), responsável pela área de história e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), responsável pela área de matemática.

Uma vez aprovadas, as coleções passam a integrar o Guia do Livro Didático, publicação que tem por finalidade fornecer às escolas públicas, resenhas críticas de cada obra aprovada. O guia é então encaminhado às escolas, que escolhem, entre os títulos disponíveis, aqueles que melhor atendem ao seu projeto político pedagógico. O programa é executado em ciclos trienais alternados. Assim, a cada ano o MEC adquire e distribui livros para todos os alunos de um segmento, que pode ser: anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do Ensino Fundamental ou Médio.13

O intuito desse trabalho é assegurar aos alunos e professores materiais didáticos de qualidade que contribuam de maneira significativa para a consecução dos objetivos do ensino de língua portuguesa, tais como vêm definidos em documentos como os parâmetros e referenciais curriculares nacionais. Para tanto, como destaca Rangel, é necessário que o livro didático:

1.esteja isento de erros conceituais graves; 2.abstenha-se de preconceitos discriminatórios e, mais do que isso, seja capaz de combater a discriminação sempre que oportuno; 3. seja responsável e eficaz, do ponto de vista das opções teóricas e metodológicas que faz, de tal forma que o programa declarado no livro do professor não só configure-se como compatível com os objetivos do ensino de língua materna e como ainda seja corretamente efetivado no livro do aluno (RANGEL,2003, p.19).

Embora o Guia do Livro Didático tenha uma grande relevância no espaço do cenário educacional,no sentido de auxiliar o professor na escolha adequada do material didático, não raro nos deparamos com professores que dizem ter adotado determinado livro didático sem ter tido a chance ou mesmo o acesso de analisar o guia de maneira diligente. Muitos desses professores acabam acatando a opinião da maioria de um grupo.

Queremos dizer com isso que nem sempre há uma conjugação de concepções coletivas (professor, aluno, coordenação, direção) e instrumento didático, ou seja, nem sempre há uma

13Informações do site do Ministério da Educação. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso

discussão pertinente entre as várias vozes do espaço escolar para a realização de escolhas de livros mais bem fundamentadas. Isso gera outro problema relevante: o professor acaba adotando outros impressos de textos didáticos, sem o menor critério, utilizando-se de “um conjunto de fragmentos retirados aqui e ali de outros livros didáticos sem estabelecer critérios de seleção precisos, e sem ter clareza dos objetivos a serem atingidos” (CAFIERO, 2010, p. 95-96).

É preciso apontar para um fato muito recorrente na prática docente: o fato de o professor ter adotado um determinado livro didático não é total garantia do seu uso, pois ele pode decidir utilizar partes do livro, ou simplesmente abandoná-lo. Isso ocorre porque, provavelmente, há uma busca interna, individual do professor em escolher aquilo que melhor contemple as suas concepções de educação e de língua, suas expectativas em relação à metodologia, as suas práticas mais habituais. Assim, apesar de ser uma fonte valiosa de informações tanto para o aluno como para os professores, o livro didático “nem sempre vem ao encontro dos anseios dos professores, mas quase sempre é uma fonte de pesquisa para assegurar o trabalho docente” (SILVA, 2007, p.8).

Precisamos de políticas públicas que não fiquem restritas apenas a distribuição e avaliação de livros didáticos de qualidade, mas antes, que incorporem a formação do professor de modo a instrumentalizá-lo adequadamente para que faça escolhas sempre adequadas e conscientes, pois sendo o livro didático sua ferramenta diária de trabalho, então é pertinente concluir que “a tarefa de escolher o livro didático é do professor, do regente da classe. Não pode ser delegada ao diretor da escola ou ao supervisor, embora esses devam participar” (CAFIERO, 2010, p. 96).

Ainda nessa perspectiva, entendendo que o livro didático é um texto, um complexo heterogêneo de linguagens, de intencionalidades, a sua receptividade e utilização por parte do professor dependerá da forma com que ele atribui significados a este livro, de suas representações do saber, da sua percepção, pois como afirma Chartier (2004, p.173): “uma vez escrito e saído das prensas, o livro, seja ele qual for, está suscetível a uma multiplicidade de usos. Ele é feito para ser lido, claro, mas as modalidades do ler são, elas próprias, múltiplas.”

O professor não atua sozinho no contexto da sala de aula, há um atravessamento de interlocuções que influenciam a sua prática pedagógica, e que é efeito resultante da interseção de acordos, negociações, ajustes trazidos pela lógica teórica acadêmica, que se traduz na elaboração de documentos oficiais, tais como, o Guia do Livro Didático, os PCN, o PNLD, o PNLEM, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, o Programa Ensino Médio

Inovador: documento orientador, documentos estes que contribuem para a ampliação, inovação e aperfeiçoamento das práticas docentes.

De acordo com o Guia do Livro Didático, no que diz respeito ao ensino de língua portuguesa, deve-se distinguir quatro eixos nos quais o ensino deve se pautar: leitura, produção de textos escritos, oralidade e conhecimentos linguísticos. Esses eixos consideram algumas competências que devem ser desenvolvidas no âmbito desses princípios já estabelecidos pelo PNLD, resultantes de ampla discussão acadêmica. É sobre os conhecimentos linguísticos, no entanto,que focaremos nosso olhar,por serem esses os que se relacionam com o objeto de nossa pesquisa.

Os conhecimentos linguísticos nos remetem para o universo relacionado aos fatos da língua e da linguagem, ou seja,pressupostos básicos para o desenvolvimento da capacidade reflexiva e que o exercício da cidadania plena e a escolarização bem sucedida pressupõem. Então, é preciso que o ensino-aprendizagem de língua portuguesa seja, em primeiro lugar, trabalhado de maneira competente, de modo que o aluno seja capaz de:

[...] considerar as relações que se estabelecem entre a linguagem verbal e outras linguagens, no processo de construção dos sentidos de um texto; sistematizar, com base na observação do uso e com o objetivo de subsidiar conceitualmente o desenvolvimento da proficiência oral e escrita, um corpo básico de conhecimentos relativos à língua e à linguagem;privilegiar, em função de tomar o uso como objeto de reflexão, abordagens discursivo-enunciativas da língua, não se atendo, portanto, ao nível da frase (BRASIL, 2011, p.11).

As obras que contemplamos para a nossa pesquisa, foram aprovadas pelo Programa Nacional do Livro (PNLD, 2012), em um total de 11livros, dispostos em volume único cada um, correspondente às três séries do Ensino Médio.

A avaliação do PNLD de 2012 sobre os conhecimentos linguísticos presentes nas coleções aprovadas é de que há um movimento de novos rumos, em que os usos efetivos da língua são o foco de interesse nas aulas de português. Tudo indica que “mesmo nas coleções que mantêm uma abordagem dos conhecimentos linguísticos predominantemente identificada com a gramática tradicional, as linguísticas do uso e do texto se fazem presentes, principalmente na forma de reflexões sobre a variação linguística, os gêneros do discurso” (BRASIL, 2011, p.22).

Fica claro que para o referido documento, os usos efetivos da língua não podem ser mais negligenciados, antes devem estar à disposição dos alunos, pois se a língua dispõe de mecanismos para atender a diferentes funções sociais e situações particulares, é preciso que isso seja reconhecido em sala de aula.