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10 ALGUMAS CONCLUSÕES

10.1 A dinâmica de descentralização não foi alterada

Vimos que no caso do ensino fundamental, a política de descentralização significou a transferência da gestão do ensino do governo estadual para o governo municipal. Assim, a municipalização do ensino foi tomada como sinônimo da descentralização educacional.

Analisando a Emenda Constitucional nº 53 pelo prisma utilizado por Arretche (2000), ou seja, buscando identificar os fatores que determinam o sucesso ou o fracasso de uma política de descentralização, foi possível identificar que o referido texto constitucional manteve e aprofundou os pressupostos descentralizadores da política de financiamento anterior.

Para a análise dos fatores do tipo estrutural, é necessário verificar se a EC leva em conta a possibilidade de um dado governo assumir atribuições de gestão em programas sociais, o que para a autora está diretamente vinculado à capacidade de arcar com os gastos destes programas e de criar a estrutura político-administrativa correspondente. No caso do FUNDEB, esta preocupação foi central nos debates ocorridos durante a tramitação da Emenda Constitucional, ficando claro que a tentativa da União era de aprovar um desenho que não provocasse mudanças bruscas na capacidade de gastos existente. Isso ficou claro no depoimento do Ministro da Educação.

O que caberá ao Congresso Nacional fazer, se for constituído o Fundo da Educação Básica? Calibrar a diferenciação de valores entre etapas e modalidades para que o ensino fundamental atinja 90% a 95% e o ensino médio, 90% a 95% do que estiver estabelecido no Plano Nacional de Educação. Ou seja, o objetivo do FUNDEB não é, como às vezes se comenta, prejudicar ou favorecer Estados e Municípios (BRASIL, 2005a, p. 08).

Toda a polêmica sobre a incorporação das matrículas de creche esteve vinculada à pressão dos governos estaduais para que não ocorresse um desequilíbrio em relação à capacidade de gastos que estes possuem no FUNDEF.

A proposta de gradatividade de implantação, que inicialmente foi apresentada para durar quatro anos, e foi aprovada com duração de três anos, visa diminuir os impactos

financeiros do FUNDEB nos Estados e Capitais. A inserção de maneira gradual a elevação de vinculação de impostos e a inserção das matrículas das etapas e modalidades novas tenta responder a duas expectativas: diminuição do ritmo das transferências de recursos dos estados para os municípios e inibição de uma elevação acelerada da oferta de matrículas.

O novo fundo não trouxe grandes alterações no aspecto da capacidade político- administrativa, pelo menos a curto prazo. A depender do crescimento das matrículas é possível que esse seja um problema relevante, especialmente para os municípios que atualmente não possuem, ou possuem de maneira muito tímida, matrículas na educação infantil, pois um crescimento nesta área exigirá a criação de uma estrutura administrativa inexistente.

A análise dos fatores institucionais é fundamental para compreender as limitações das mudanças no modelo de financiamento educacional. Nas inúmeras versões de PECs e nos depoimentos obtidos nas audiências públicas ficou nítido o peso que o “legado das políticas prévias” teve no processo.

Em primeiro lugar, o FUNDEB, em termos de desenho operacional, é semelhante ao FUNDEF, constituindo vinte e sete fundos estaduais, bloqueando parte dos recursos vinculados a manutenção e ao desenvolvimento da educação, distribuindo os recursos de acordo com um valor per capita encontrado pela divisão dos recursos de cada fundo pelo total de matrículas regulares existentes em cada rede de ensino. Há uma herança institucional muito forte do FUNDEF, especialmente uma cultura de que cada aluno representa uma possibilidade concreta de receita.

Em segundo lugar, como já foi demonstrado acima, a priorização de recursos para o ensino fundamental apresentou um grande grau de enraizamento entre os representantes dos entes federados. Mesmo que a idéia de um fundo único tenha prevalecido nos debates parlamentares e negociações entre União, Estados e Municípios, foram inseridas salvaguardas para que o valor por aluno do ensino fundamental no FUNDEB não fosse menor do que o último valor desta etapa de ensino no último ano de vigência do FUNDEF. No Substitutivo aprovado no Senado Federal chegou a ser aprovado um dispositivo que impedia que os recursos de um ente federado migrassem para os demais, medida claramente destinada a manter um percentual significativo de recursos subvinculados ao ensino fundamental. Por contrariar a própria lógica de um fundo único, esta restrição foi derrubada na última votação realizada na Câmara dos Deputados.

Quanto à existência de regras constitucionais que estabeleçam quais são as competências de cada ente federado, podemos afirmar que o desenho do FUNDEB operou por dentro das normas existentes, não apresentando mudanças no formato vigente. Na verdade, a EC criou um dispositivo que forçará o cumprimento irrestrito do artigo 211 da Constituição Federal. No FUNDEB as matrículas que estiverem em desacordo com o artigo citado não serão contadas para efeito de distribuição de recursos. Isso significa que quase 500 mil matrículas de educação infantil e ensino médio estarão excluídas do Fundo, o que forçará necessariamente uma transferência de gestão destas matrículas, seja de forma negociada ou unilateral.

Arretche (2000) nos convida a considerar a engenharia operacional das políticas propostas, verificando se as mesmas são atrativas o suficiente para aumentar a adesão dos entes federados. Uma resposta conclusiva sobre esta questão só é possível após a publicação dos fatores de diferenciação entre cada etapa e modalidade. Esta decisão sinalizará para o ente federado envolvido na oferta das matrículas se o Fundo estará priorizando a sua expansão ou não.

O último fator considerado é a ação política, estando relacionada com a natureza das relações entre Estado e Sociedade, vinculada à cultura cívica e, sobretudo, com as relações entre níveis de governo. O primeiro aspecto foi determinante para a sensibilização do Congresso Nacional e do próprio Governo Federal para alterar o formato da PEC 415/05 e aceitar a inclusão das matrículas de creche no Fundo. A pressão do Movimento FUNDEB Já, articulado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, foi uma demonstração da cultura cívica disseminada nos últimos anos em nosso país, demonstrando uma alta capacidade de influenciar os parlamentares e, indiretamente, o governo federal.

Entretanto, o que mais podemos verificar da análise dos documentos é que o formato final do FUNDEB está intimamente relacionado à relação estabelecida entre os entes federados. Nos depoimentos colhidos pelas Audiências Públicas está manifesta a preocupação de que sem uma nova atitude da União perante o financiamento da educação básica, o FUNDEB não sairia do papel. A representação do Consed foi explícita nesta cobrança.

A história do FUNDEF mostra que ele tem sido financiado basicamente por Estados e municípios. E o nosso receio é que essa história se repita. Dividir a miséria que já existe entre Estados e municípios não vai resolver o problema da educação no Brasil e muito menos como está na proposta.

Por ela, alguns programas que já estão consolidados, que são importantes para o funcionamento da educação pública de Estados e municípios são desviados para complementação da União. Temos uma grande preocupação sobre a fonte de recursos de contribuição da União. Devem ser recursos novos que não venham de programas e projetos que já estejam em andamento (BRASIL, 2005b, p. 22-23).

O próprio Ministro Haddad já havia afirmado que “se havia um ponto sem o qual nenhum dos participantes se sentaria à mesa era a certeza de que, nessa proposta de emenda constitucional, pelo menos uma questão estaria resolvida: o compromisso da União com a educação básica” (BRASIL, 2005a, p. 05). Como já foi citado anteriormente, o Ministro expressou o desejo, apresentado pelos demais entes federados, de como esta participação deveria acontecer.

Quando nós nos sentamos à mesa, a primeira pedida, digamos assim, de Estados e municípios foi a de que a União — que até hoje complementa pouco mais de 1% do FUNDEF — passasse a complementar 10% do FUNDEB. Ou seja, o desejo de Estados e municípios é que nós decuplicássemos o compromisso da União com o Fundo da Educação Básica (Idem, p. 05).

É evidente que houve resistência da União em compartilhar recursos na proporção pretendida pelos demais entes federados. A lógica do modelo anterior era a crescente desresponsabilização com o financiamento da educação básica, descentralizando esta atribuição para estados e, principalmente, para os municípios. Esta herança não foi revista, pois não encontramos nenhum elemento no novo modelo que aponte para uma reversão da tendência municipalizante. A novidade é uma maior presença da União no que tange sua complementação e a aprovação de uma participação percentual aos recursos depositados pelos estados e municípios a partir de 2010.

É possível dizer que a Emenda Constitucional nº 53 não representa uma ruptura com a dinâmica de descentralização das políticas educacionais implementada pelo governo anterior, mantendo inalterada as competências entre os entes federados, inclusive utilizando uma interpretação bastante restritiva delas, ou seja, inibindo a ocorrência de “invasão de competências”, o que em muitos casos pode ser a única chance de determinado cidadão ter garantido o seu direito à educação pública e gratuita.