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6 PRESSUPOSTOS DOS GOVERNOS FHC E LULA

7. O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

7.2 A herança do FUNDEF

A Emenda Constitucional nº 14 e a sua regulamentação (Lei nº 9424/96) alteraram o formato do financiamento da educação básica em nosso país.

Ao invés da União aplicar 50% dos recursos vinculados para combater o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental, como estava estabelecido na Constituição de 1988, agora passaria a aplicar nunca menos que 30%. Por sua vez, os Estados e Municípios ficariam obrigados a investir 60% dos recursos vinculados com o ensino fundamental. Para viabilizar esta obrigatoriedade, a EC nº 14 criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, conhecido como FUNDEF, sub- vinculando os quatro principais impostos e transferências constitucionais e estabelecendo a redistribuição dos recursos de acordo com o número de matrículas do ensino fundamental. A Lei 9424/96, que regulamentou o FUNDEF, autorizou aos estados e municípios a celebração de convênios para transferência de alunos, recursos humanos, materiais e encargos financeiros, viabilizando a transferência imediata dos recursos vinculados ao Fundo. A União se responsabilizaria em complementar os fundos estaduais que não alcançassem o custo-aluno mínimo definido nacionalmente (OLIVEIRA, 1999; CASTRO, 2000).

A expectativa criada com essa medida era que o FUNDEF permitiria o aperfeiçoamento do processo de gerenciamento orçamentário e financeiro do setor, promoveria uma ampliação dos recursos alocados no ensino fundamental, serviria de suporte para uma política redistributiva que corrigiria as desigualdades regionais e sociais, daria maior visibilidade à gestão dos recursos e valorizaria o magistério, elevando seus salários e aumentando sua qualificação (CASTRO, 2000).

O FUNDEF induziu a ampliação do atendimento no Ensino fundamental, equalizou no interior de cada estado um gasto mínimo por aluno, descentralizou a gestão administrativa e financeira através da indução da municipalização do ensino.

O Fundo viabilizou a assunção pela União da metarregulação do sistema pela via do financiamento, conseguindo o consentimento ativo dos entes federados na obtenção de seus objetivos estratégicos. Conseguiu desenhar um programa ativo de transferência de atribuições e capaz de produzir incentivos à assunção de novas tarefas induzidas pelo governo central. Isso foi facilitado pelo fato da grande maioria dos municípios ser dependente das transferências constitucionais.

Essa engenharia política,

(...) ao subordinar a distribuição de recursos das transferências obrigatórias ao número de alunos matriculados no ensino fundamental, possibilitou à União promover a focalização das iniciativas de ampliação do atendimento nos mais diferentes municípios do país, desarticulando-as da ampliação dos investimentos nas mesmas proporções. (DUARTE, 2005, p. 827-828).

E mais, foi decisivo para a principal vitória conceitual da política educacional do período FHC:

O objetivo estratégico de formulação de programas focalizados nos mais pobres efetivou-se no sistema educacional com a ampliação do acesso às escolas de educação básica sem a ocorrência dos investimentos necessários à melhoria da aprendizagem, de conhecimentos e competências que efetivam o direito à educação. (Idem, p. 828).

O FUNDEF possui um limite redistributivo, pois perpetua no âmbito de cada estado as desigualdades intersistemas, que a complementação da União é insuficiente para superar. Além disso, o FUNDEF “ao subvincular recursos para o ensino fundamental, explicitou a insuficiência dos recursos estaduais e municipais para o financiamento do

atendimento com qualidade nas demais etapas, em especial na educação infantil” (ibidem, p. 833).

Podemos enumerar as principais deficiências decorrentes da implementação do FUNDEF.

A primeira, já comentada acima, é o seu caráter de focalização no ensino fundamental, afetando diretamente a capacidade dos entes federados em prover o direito à educação nos demais níveis e modalidades, com destaque para os efeitos perversos no atendimento das crianças de zero a seis anos de idade, seja pela baixa cobertura escolar, seja pela precarização do modelo de atendimento, induzindo a proliferação de uma imensa rede de escolas infantis comunitárias e filantrópicas.

A segunda diz respeito à manutenção das desigualdades regionais. Foram constituídos 27 fundos estaduais, cada um tendo por base para a repartição os recursos resultantes de impostos. Como o desenvolvimento econômico, fator determinante para o perfil das receitas, é desigual, os fundos reproduzem as desigualdades regionais pré-existentes.

Em terceiro lugar, com a implantação do FUNDEF o país viveu uma enorme disputa entre os governos estaduais e municipais por alunos do ensino fundamental. Como somente quem possuísse matrículas deste nível em seu sistema receberia verbas, ocorreram verdadeiras guerras para ampliar o número de alunos, vistos agora como fontes de recursos.

Ocorreu no Brasil uma significativa redistribuição das matrículas no ensino fundamental dos estados para os municípios. Para Arretche (2002) com a implementação do FUNDEF promoveu-se uma mini-reforma tributária, pois o mesmo impôs uma redistribuição de recursos dentro de cada estado, proporcional ao número de matrículas, penalizando os estados com índices altos de municipalização. As tentativas anteriores de municipalização não haviam dado certo por resistência municipal, mas após a aprovação da Emenda Constitucional nº 14, aumentar as matrículas passou a ser uma fonte de elevação de receitas nos municípios. Este modelo tornou-se um poderoso instrumento indutor do processo de descentralização via municipalização do ensino. Em muitos estados foram alcançados altos índices de repasse das matrículas do ensino fundamental para a esfera municipal.

para a sua participação no fundo. Durante todos os anos da vigência do FUNDEF o valor decretado com o custo-aluno nacional sempre esteve em desacordo com o escrito na legislação, causando enormes prejuízos para estados e municípios e tornando a participação financeira da União irrelevante no montante de recursos aplicados no fundo, nunca tendo passado de 3%. Isso nos leva a afirmar a quinta deficiência do FUNDEF, que é justamente não agregar recursos novos para o setor educacional, constituindo-se numa ferramenta de alocação diferente dos recursos existentes.

Diante do que foi dito até agora sobre o FUNDEF ganha relevância a expectativa dos setores sociais que no governo FHC se opuseram às políticas por ele implementadas, especialmente os segmentos educacionais reunidos em torno do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.

O primeiro grande desafio é desativar a bomba-relógio chamada FUNDEF. Com o fim desse fundo, constitucionalmente previsto para ocorrer em 31 de dezembro de 2006, os sistemas de ensino municipais, em especial nas regiões mais pobres do país, viverão o caos em função do fim dos repasses de recursos estaduais. Esta tarefa exigirá uma grande habilidade do futuro presidente, no Congresso, pois, em especial, os governadores não terão grande interesse na prorrogação do FUNDEF, ou em sua substituição por algum outro fundo (como o FUNDEB) que implique reduzir seus recursos tributários.

O segundo grande desafio será o de criar condições para que as metas do PNE, que agora possuem força legal, sejam cumpridas. Como vimos, isso só será possível com a ampliação dos gastos públicos com educação no país. Isso porque as metas do PNE sinalizam para a necessidade de recursos da ordem de 10% do PIB, nos próximos dez anos, ao passo que o potencial atual está na casa dos 4,5% do PIB. (PINTO, 2002, p. 24).

O que seria necessário fazer para romper com a lógica anterior ? O principal desafio seria

(...) preservar a autonomia dos entes federados, como sistemas locais e estaduais de ensino, requer do governo central avanços e rupturas nos elementos constitutivos da política de financiamento posta em marcha a partir de 1996. Precisa de uma ruptura com a lógica gerencial, o que quer dizer ações supletivas e redistributivas da União em investimentos focalizados na superação de desigualdades intersistemas. E mais, é preciso romper com a lógica de financiamento da escolarização dos mais pobres em situações precárias e de baixa qualidade de ensino-aprendizagem. (DUARTE, 2005, p. 834)