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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 A unidade antes da implantação do acolhimento

5.1.1 A dinâmica de trabalho da equipe

O quadro funcional da unidade, como descrito anteriormente, era composto por: cinco equipes de saúde da família incompletas, além de uma dentista, uma psicóloga, duas médicas especialistas, das quais uma ginecologista-obstetra e a outra pediatra, técnicos administrativos, profissionais de segurança e limpeza. A coordenação da unidade era desempenhada por um dos médicos de família.

Conforme relatos de funcionários e observação realizada pela pesquisadora, os papéis desempenhados pelos membros da equipe possuíam definições claras, sendo orientados por um regime burocrático, no sentido weberiano do termo, de divisão de trabalho, de acordo com as respectivas áreas de atuação.

Neste ambiente de funções rigidamente definidas, os técnicos administrativos constituíam a linha de frente do atendimento na unidade à medida que desempenhavam o

atendimento na recepção e a marcação de consultas, além de atividades internas ao funcionamento da unidade. Devido àquelas funções, nas quais estabelecia contato direto com a população, o técnico administrativo era o membro da equipe com quem o usuário, geralmente, estabelecia seu primeiro contato ao entrar na unidade.

Com relação à equipe de enfermagem, os técnicos e auxiliares tinham como foco central de seu trabalho a realização de procedimentos, tais como administração de vacinas e medicamentos, aferição de pressão arterial e temperatura axilar, dentre outros classicamente atribuídos à profissão. Seu contato com o usuário era pontual, restringia-se na maioria das vezes ao procedimento realizado.

Já os enfermeiros desempenhavam, além de gerência direta dos outros profissionais de enfermagem e das agentes comunitárias, ações de contato direto e, em algumas vezes, contínuo com a população. Ações tais como consultas de puericultura e pré-natal, coletas de preventivo, realização de grupos terapêuticos e visitas domiciliares a pacientes fisicamente impossibilitados de deslocarem-se à unidade. Pelo fato de os membros da equipe de enfermagem serem predominantemente do sexo feminino, as ações em saúde da mulher desempenhadas por estas tinham, em algumas vezes, a preferência das usuárias em detrimento das desempenhadas por médicos homens, como afirmou uma usuária na sala de espera: “Gosto mais do pré-natal com a enfermeira do que com o médico[...]ele é bem querido[...], mas com a enfermeira me sinto mais à vontade”. Nesse sentido, pode-se concluir que talvez estas profissionais estabelecessem vinculo diferenciado com certos segmentos da população.

No que concerne à equipe médica, os médicos de família, além de consultas agendadas, realizavam grupos terapêuticos e visitas domiciliares a pacientes acamados, individualmente ou em conjunto com a enfermagem. Vale destacar que, apesar do atendimento prestado pela enfermagem ser visto de maneira positiva tanto por funcionários como por alguns usuários, o processo de trabalho na unidade era tradicionalmente centralizado nas consultas médicas, o que gerava uma grande procura dos usuários por estas, como será mais bem explicitado a diante.

Com relação às duas médicas especialistas, o atendimento era oferecido a pacientes encaminhados por médicos de família da própria unidade ou de outras unidades da Regional Norte de saúde, já que constituíam referência no atendimento ginecológico e pediátrico da região. Como referência da Regional também atuava a psicóloga da unidade que, devido à grande demanda, realizava poucas consultas individuais, atuando prioritariamente em grupos terapêuticos de saúde mental. Problemas com a demanda também enfrentava o serviço de

odontologia da unidade que possuía apenas dois profissionais, que não eram capazes de atender ao grande contingente que procurava o serviço.

Vale ressaltar, no entanto, que a dificuldade em prestar atendimento à grande demanda que procurava a unidade não constituía problema enfrentado apenas pelos profissionais de referência da Regional ou pelos dois dentistas. De fato, esta fazia parte do discurso de todos os médicos da unidade, como também dos técnicos que atendiam na recepção, já que eram estes que estabeleciam contato direto com a demanda insatisfeita. Com relação a este caráter mediador dos funcionários da recepção, Matumoto 39 em estudo realizado junto a uma equipe de uma unidade de saúde de Ribeirão Preto, analisou:

Essa depositação [de ansiedades pelos usuários] nos trabalhadores, especialmente os do setor da recepção se faz de forma intensa, talvez mais que em outros trabalhadores em etapas posteriores do processo da unidade de saúde, por ser o primeiro contato com a unidade de saúde, quando a intensidade dos fluxos criados pelas necessidades está mais acentuada. (p. 106)

Parte da dificuldade em atender à demanda devia-se ao modo como o atendimento se dava, centralizado na consulta médica, contando assim com número restrito de profissionais. Além disso, contribuía o fato de não haver adscrição de clientela por equipe de saúde da família, ou seja, mesmo a unidade possuindo território de abrangência delimitado, as equipes de saúde da família não atuavam separadamente segundo a distribuição da população no território. Desta forma, a demanda não era previamente distribuída entre as equipes, o que além de sobrecarregar a equipe, tornava difícil a continuidade da atenção já que dependia da distribuição de vagas disponíveis para cada médico e da iniciativa do usuário em manter esse vínculo.

Estes e outros problemas enfrentados pelos trabalhadores na unidade eram compartilhados e discutidos durante as reuniões de equipe, as quais ocorriam mensalmente, com a participação de todo o quadro funcional da unidade, com exceção das agentes comunitárias de saúde. Estas reuniões, segundo relatos de funcionários, constituíam se não o único, um dos poucos momentos em que eram discutidas, de maneira conjunta e com a presença do coordenador da unidade, as questões inerentes ao funcionamento desta, bem como os problemas enfrentados, entre os quais aqueles relacionados à demanda.

Quanto a este aspecto, vale interrogar os fatores que implicavam na não participação dos agentes comunitários de saúde nestas reuniões. Dentre as justificativas dadas por alguns trabalhadores da unidade estavam questões operacionais, como por exemplo, a de que o auditório da unidade, onde ocorriam as reuniões, não possuía espaço suficiente para abrigar os agentes comunitários em sua totalidade. Ainda, alguns acreditavam que as reuniões pouco

contribuiriam para a prática dos agentes, conforme afirma um dos enfermeiros: ”[...] também tem que ver se seria interessante para eles participar [das reuniões] acredito que eles nem se interessariam, porque discutimos muita coisa interna do posto”. Em parte esta noção de que o “interno ao posto” não é de interesse dos agentes se deve em parte à delimitação da área de trabalho destes, conforme enfatiza a SMS 39:

A atuação do agente comunitário se dá exclusivamente na comunidade, captando os problemas de saúde e agravos ao meio ambiente. O agente não atua na unidade de saúde. Contudo, seu vínculo com a unidade e a equipe de saúde se dá através do enfermeiro instrutor supervisor, que é o enfermeiro responsável pela área de abrangência de cada unidade. (página da web)

O texto da Secretaria em parte justifica a relação que a equipe estabelecia com o agente comunitário, já que, em conformidade ao orientado, vinculava-se a ele através do enfermeiro instrutor em reuniões semanais. No entanto, estas reuniões possuíam caráter administrativo de acordo com o relatado por um enfermeiro, não havendo espaço para discussões a respeito dos temas abordados nas reuniões de equipe. Do mesmo modo, o que era trazido pelos agentes não era compartilhado ou problematizado com o restante dos funcionários.

Parecia se estabelecer, em verdade, uma relação excludente da equipe com os agentes comunitários de saúde. Os fatores que culminaram nesta relação não eram abertamente discutidos pelos trabalhadores que, como visto, encobriam-nos deliberadamente ou não com justificativas técnico-operacionais. Os motivos decorressem talvez da falta de entendimento por parte da equipe sobre a relevância da contribuição dos agentes comunitários para a dinâmica desta ou talvez da existência de algum temor a respeito do que acarretaria esta participação. Com relação a isso, Matumoto 39 também concluiu:

Pesa igualmente a impotência desses mesmos técnicos-experts-especialistas diante do não saber o que fazer com problemas nunca antes enfrentados no âmbito de sua especialidade e que agora atravessam seu dia-a-dia, mesmo que não queiram, com a presença e a voz do agente comunitário. Não encontram ferramentas para enfrentá- lo, então os repelem. Assim, se produz a não escuta tanto dos usuários, como dos agentes comunitários [...]. (p.30)

O sentimento de impotência expresso pela equipe diante das necessidades da demanda talvez se refletisse, como pontua a autora, na relação que esta estabelecia com os agentes, explicando sua segregação.

A partir da caracterização da dinâmica de trabalho da equipe, assinala-se a seguir o modo como se dava o acesso da demanda ao atendimento na unidade, através da descrição da recepção e do agendamento de consultas.