• Nenhum resultado encontrado

O acesso ao atendimento: a recepção e o agendamento de consultas

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 A unidade antes da implantação do acolhimento

5.1.2 O acesso ao atendimento: a recepção e o agendamento de consultas

A recepção era realizada por dois técnicos administrativos no espaço localizado na entrada da unidade (ver figura 02) o qual era composto por dois ambientes, a saber: um em que estavam distribuídas aproximadamente 20 cadeiras, chamado sala de espera da recepção, onde os usuários aguardavam atendimento conforme a ordem de chegada e outro que constituía a recepção propriamente dita, onde os técnicos administrativos prestavam atendimento através de um balcão que delimitava a área.

Os serviços prestados na recepção se davam dentro do período de funcionamento da unidade, das 08h às 12h e das 13h às 22h, de segunda a sexta-feira e compreendiam o encaminhamento de pacientes para consultas agendadas no dia corrente e para ações de enfermagem, a marcação e entrega de exames e o agendamento de consultas.

O fluxo de atendimento seguia uma estrutura rígida que possuía como ponto de partida a identificação da demanda apresentada pelo usuário, assim que este chegava ao balcão. Neste primeiro momento fazia-se necessário, conforme relato dos técnicos administrativos, identificar se esta demanda constituía ou não a necessidade de uma consulta médica expressa pelo paciente. Em caso positivo, seguia-se na identificação de qual “categoria de usuário” aquele se encaixava, ou seja, se pertencia àquelas “categorias” que possuíam acesso facilitado: crianças, gestantes ou portador de doença crônica já em seguimento na unidade, como diabéticos e hipertensos. Nestes casos, marcava-se a consulta solicitada conforme disponibilidade de vagas na agenda de quaisquer dos cinco médicos e, se mais de uma agenda disponível, conforme a escolha do usuário. Nos casos que não preenchiam os critérios de acesso facilitado, orientava-se a retornar na sexta-feira próxima a partir das 08 horas quando se realizava o agendamento de consultas para a semana subseqüente. Se ao contrário, a demanda não fosse por consulta médica, mas por procedimentos de enfermagem, obtenção de medicamentos na farmácia ou por outras ações, o usuário era encaminhado para o setor correspondente a fim de ser atendido ou orientado a respeito de sua demanda. Nos casos ainda em que o usuário solicitava um atendimento imediato, por alguma queixa ou sintoma, era encaminhado à emergência (PA ou hospitais).

É possível perceber ao analisar este fluxo de atendimento, a posição polarizadora da consulta médica no modelo de atenção existente na unidade. Como polarizadora, via-se sobrecarregada e, talvez, fosse esta sobrecarga a justificativa para a rigidez da estrutura do

fluxo. Justificava-se à medida que precisava criar mecanismos de controle da demanda, já que o número de profissionais médicos era insuficiente para prestar o atendimento necessário.

Franco et al 2, em estudo realizado na ULS Rosa Capuche em Betim-MG, ao se depararam com situação semelhante, destacaram o impacto deste modelo como opressor do potencial de assistência dos outros profissionais, subestimando-os no processo de trabalho e reduzindo a oferta de serviços.

Desta forma, é presumível concluir que as manhãs de sexta - feira eram caracterizadas por grande movimentação na unidade, o que de fato acontecia. Nestes dias, de acordo com o depoimento de um dos médicos, a maioria dos funcionários entrava pela porta lateral da unidade para não ter de “enfrentar” a fila que se localizava diante da porta principal. Uma usuária relatou, em um das discussões de grupo, as dificuldades que enfrentava quando precisava agendar consulta:

“Eu moro numa área que é mais perigosa, uma área que tem mato. Tinha que sair de casa de madrugada, sozinha... corria risco de vir de lá 4 horas da manhã pra chegar aqui, ficar até as oito prá pegar uma ficha”.

Na mesma discussão de grupo, outra usuária reclamou:

“E no caso tinha que ficar na chuva. Eles nem tinham o mínimo de respeito de abrir o portão pra gente entrar, tinha que ficar lá na rua, pro lado de fora do muro... Um descaso total.”

Como visto, os usuários permaneciam de madrugada em frente à unidade, sem nenhum tipo de proteção com relação à sua segurança ou contra condições climáticas adversas. Organizavam-se em filas conforme a ordem de chegada cujo controle dava-se por mecanismos estabelecidos por eles próprios, como através da confecção de senhas de papel, por exemplo. A preocupação em coibir possíveis “furadores de fila” era grande, à medida que o sucesso na obtenção da consulta almejada dependia da posição ocupada pelo usuário na fila. Existia, inclusive, comércio de lugares na fila, como relatado por uma usuária durante uma discussão de grupo:

“Eu vinha as quatro ou cinco horas da manhã [...] já tinha gente guardando [lugar] para outras pessoas...porque tem pessoas que eu conheço que moram na minha região, que ganhavam 5 ou 10 pilas pra ficar desde meia noite,uma hora da manhã...”

Assim, a partir das 08 horas da manhã, logo que as portas se abriam, a recepção era tomada por pessoas em busca de consulta médica. O número de consultas oferecido aos usuários era variável e resultava das vagas que restavam após o agendamento das consultas dos pacientes com acesso facilitado durante a semana. Na quinta-feira anterior, como afirmou um dos funcionários: “a gente sentava e via quantas vagas tinham para a semana seguinte”.

Era, no entanto, disponibilizado um número mínimo de consultas, correspondente em média a um terço da agenda. Outro ponto relacionado à disponibilidade de consultas médicas era a quase inexistência na unidade de atendimento médico à demanda espontânea, não havendo sequer reserva de vagas para situações de urgência, o que já ocorria em outras unidades de saúde da rede municipal, conforme relatos de experiências prévias de alguns dos funcionários. Em casos de urgências/emergências médicas o usuário era encaminhado preferencialmente ao PA dos Ingleses, devido à proximidade geográfica, ou a outros serviços de emergência da cidade, como os do Hospital Universitário(HU)/UFSC e do Hospital Governador Celso Ramos (HGCR). Por conhecer tal realidade, a maioria dos usuários procurava diretamente estes serviços quando acometidos por enfermidades agudas, de acordo com os depoimentos de usuários durante a observação e também nos discussões de grupo, como a de uma participante que disse: “[...] quando a gente tinha dor de barriga, a gente tinha que correr no HU, né?”. Outra usuária cujo filho é portador de paralisia cerebral, durante um dos grupos, afirmou: “cada vez que ele ficava doente, tinha que sair correndo pro hospital”.

É possível perceber, a partir do panorama delineado, que vários eram os problemas enfrentados pelos funcionários com relação à demanda. Com isto em mente, parte-se agora para a explanação das razões que motivaram a equipe na construção da mudança.