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2 O DIREITO DO CONSUMIDOR, SUA PRINCIPIOLOGIA E RELAÇÃO COM AS

3.3 A discriminação de homens e mulheres na legislação

88 Art. 51 do CDC.

No que tange à igualdade entre os sexos, a Constituição determina no art. 5º, caput, e inciso I que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Entretanto, o fato de o legislador estabelecer a igualdade entre os sexos não o impede de, em certas circunstâncias, abraçar tratamento diferenciado a estes (PIRES FILHO, 2010).

Após isso, também firma a Constituição, em seu art. 7º, a proibição de diferença salarial, de critérios de admissão em razão de sexo, idade, cor, estado civil, ou outra forma de discriminação. Porém, como bem salienta Maria Berenice Dias (s.d., p. 01), “a constitucionalização da igualdade não basta, por si só, para alcançar a absoluta equivalência social e jurídica de homens e mulheres”. E não basta, adicione-se, porque a sociedade ainda se liga a conceitos vetustos, preconceituosos e machistas.

Sobre a discriminação em razão do sexo, Silva (2010, p. 223) dispõe que “O sexo sempre foi um fator de descriminação. O sexo feminino esteve sempre inferiorizado na ordem jurídica, é só mais recentemente vem ele, a duras penas, conquistando posição paritária, na vida social e jurídica, à do homem”.

Nesse sentido, Silva (2010, p. 217) salienta que, onde há um homem e uma mulher, qualquer tratamento distinto entre estes, quando não corroborado por situações próprias a ambos os sexos, será uma infringência constitucional.

Silva (2010, p. 228) destaca que há duas formas de se cometer essas inconstitucionalidades. A primeira consiste em dar benefício a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outros que se encontrem na mesma situação e a segunda ocorre quando se impõe sanção, obrigação, deveres ou ônus a pessoas ou grupos, discriminando estes, ante outros que se encontram na mesma situação, porém permanecem com condições mais favoráveis. Em acertada e concisa frase, Silva (2010, p. 229) assevera: “O ato é inconstitucional por fazer discriminação não autorizada entre pessoas em situação de igualdade”.

A própria Carta de 1988 admite tratamento distinto às mulheres quando confere a licença à gestante (art. 7º, XVIII), protege seu mercado de trabalho (art. 7º, XX), e outorga o direito à aposentadoria por tempo de serviço com prazo menor (art. 40, III, “a” e “b”, e art. 201, § 7º, I e II).

Dessa feita, Paulo Roberto de Oliveira Lima (1993) descreve que esses três exceções tem fundamento, primeiro, no caractere biológico da mulher, que após o parto necessita de um repouso mais prolongado do que o homem. De igual forma, descreve que a proteção do mercado de trabalho é um reconhecimento do Estado da situação de desigualdade

sexual na seara trabalhista. Por fim, ao dispor que as mulheres necessitam de menos tempo para que obtenham o direito de se aposentar, o legislador constituinte reconheceu a dupla jornada de trabalho feminino. Eis que as mulheres ganharam o direito ao trabalho, mas permaneceram com as responsabilidades domésticas como se fossem próprias aos sexo feminino.

No que diz respeito ao direito à aposentadoria por tempo de serviço, merece destaque o trabalho de Ana Claudia Pompeu Torezan Andreucci (2010), que discute essa ação afirmativa constitucionalmente definida. Assim, Andreucci (2010) declara que essa política não resgata a igualdade entre homens e mulheres e, na verdade, é uma pseudoproteção social responsável pela perpetuação da desigualdade de gênero, eis que (considerando casais heterossexuais), a medida apenas fortifica o símbolo da mulher como única responsável pelos deveres domésticos na família.

Em sentido contrário, Nádia Lapa (2013) acrescenta que essa diferença ainda é necessária, pois, de acordo com a Pesquisa Nacional de Domicílios (Pnad), do IBGE, mulheres gastam 23,9 de horas por semana cuidando das tarefas domésticas, enquanto os homens gastam 9,7 horas. Diante disso, Lapa (2013) adiciona que ao se considerar que a jornada de trabalho no Brasil é de 40 horas semanais e a mulher também trabalha em casa, no fim de um período anual, ela trabalhou 1.127 horas, enquanto o homem trabalhou 465 horas cuidando dos afazeres do lar.

A Lei nº 9.504/199789 também determinou cotas nas candidaturas partidárias, definindo que cada partido deve apresentar, no mínimo, 30% e, no máximo, 70%, de vagas para cada sexo. Com esta lei, apesar de não deixar expresso o intuito inicial de “privilegiar” as mulheres, foi reconhecida a ausência de participação política igualitária entre os sexos, o que se extrai da parcela baixa de mulheres que exercem cargos no poder executivo e legislativo.

De igual modo, a Lei nº 11.340/2006, denominada de Lei Maria da Penha também delimita tratamento distinto às mulheres, eis que cria mecanismos para “coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher”. A lei nasceu com o escopo de proteger as mulheres que, historicamente, concebidas como bens de seus maridos e pais, são submetidas dentro do lar (e fora dele) a tratamentos degradantes e violências dos mais diversos tipos. Seria inócua e

89Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher.

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo

desnecessária a Lei que viesse tutelar a violência doméstica contra os homens, eis que estes não se encontram em situação desfavorável e não necessitam dessa tutela90.

Não foram poucos os que questionaram a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, o que restou decidido, inclusive, no Supremo Tribunal Federal na ADC nº 1991. Nestas discussões, merece destaque a declaração da Secretária-geral de Contencioso da Advocacia Geral da União, Gracie Maria Fernandes Mendonça, que apresentou os dados que rebateram as teses contrárias à promulgação da lei (LEI, 2012).

Grace Maria apresentou que em 92,9% dos casos de violência doméstica, a agressão ocorre do homem contra a mulher e, em 95% desses casos, o agressor é o companheiro. Também demonstrou dados da Fundação Perceu Abramo (FPA), de 2001, os quais informam que 6,8 milhões de brasileiras já foram vítimas de violência física pelo menos uma vez na vida. Desta feita, Gracie Maria afirmou que não se pode igualar a mulher ao homem nessa situação, eis que a desigualdade é evidente quando se discute a questão da violência doméstica (LEI, 2012).

Como visto, muito embora não carente de críticas, as discriminações dispostas na legislações tiveram o escopo de garantir direitos diversos às mulheres, diante de situações distintas, biológicas ou histórico-sociais.

Das normas que distinguem as mulheres, é possível observar que as práticas discriminatórias possuem motivação lícita e correlação lógica com a diferenciação adotada. Não ocorre a discriminação arbitrária, que resultaria de motivação vazia, ou seja, pela circunstância de que a mulher é mulher. As normas tutelam o sexo feminino diante de caracteres históricos, sociais e biológicos, que as colocam em situação desigual frente aos homens.

90 Não se quer dizer aqui que o homem não pode ser vítima de violência doméstica, contudo, também não se pode negar que a mulher é a principal vítima dentro do espaço doméstico, razão porque esta lei foi imprescindível para uma tutela efetiva das mulheres. (Ver figura nº 2).

91 Retira-se da Ementa da ADC nº 19: “VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – GÊNEROS MASCULINO E FEMININO – TRATAMENTO DIFERENCIADO. O artigo 1º da Lei nº 11.340/06 surge, sob o ângulo do tratamento diferenciado entre os gêneros – mulher e homem –, harmônica com a Constituição Federal, no que necessária a proteção ante as peculiaridades física e moral da mulher e a cultura brasileira. COMPETÊNCIA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. O artigo 33 da Lei nº 11.340/06, no que revela a conveniência de criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, não implica usurpação da competência normativa dos estados quanto à própria organização judiciária. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – REGÊNCIA – LEI Nº 9.099/95 – AFASTAMENTO. O artigo 41 da Lei nº 11.340/06, a afastar, nos crimes de violência doméstica contra a mulher, a Lei nº 9.099/95, mostra-se em consonância com o disposto no § 8º do artigo 226 da Carta da República, a prever a obrigatoriedade de o Estado adotar mecanismos que coíbam a violência no âmbito das relações familiares”.

Dessa forma, por exemplo, é consabido que os homens possuem musculatura diversa das mulheres. Por isso, não viola a isonomia quando provas de capacidade física em concursos públicos preveem esforço físico diverso a homens e mulheres. Na verdade, haveria afronta à isonomia caso os editais considerassem a igualdade formal prevista pela Carta de 88, eis que não se pode considerar uma situação de igualdade que inexiste, pois, como dito, homens e mulheres são diversos biologicamente.