• Nenhum resultado encontrado

A promoção do princípio da igualdade no Código de Defesa do Consumidor

2 O DIREITO DO CONSUMIDOR, SUA PRINCIPIOLOGIA E RELAÇÃO COM AS

2.3 O princípio da isonomia e o CDC

2.3.3 A promoção do princípio da igualdade no Código de Defesa do Consumidor

Na linha de pensamento da Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor declara que a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o respeito à dignidade dos consumidores. Desta forma, ao considerar a característica humana do sujeito da relação de consumo, estabelece que esta relação contratual, além de consonante com os princípios consumeristas, deve obediência aos princípios fundamentais do ser humano.

De tal modo, muito embora a Carta de 1988 assegure a livre iniciativa na ordem econômica, os legisladores fizeram questão de estabelecer um campo de atuação aos fornecedores na seara consumerista. Desta forma, estes estão adstritos a certos valores maiores, dispostos pela ordem jurídica, de onde retira-se que devem respeito ao princípio da isonomia.

A igualdade nas contratações, por seu turno, disposta no art. 6º, II, decorre do princípio da isonomia garantido na Constituição de 1988. Assim, o fornecedor de produtos e serviços não pode diferenciar os consumidores, concedendo privilégios à uns, em detrimento de outros. Desta forma, determina Nunes (2013, p. 185) nas relações jurídicas consumeristas o fornecedor deve ofertar a mesma gama de privilégios a todos, sendo incompatível a conduta que discrimine os consumidores.

E como destaca Anacleto de Oliveira Faria (1973, p. 83): “O princípio de igualdade aplica-se de modo geral e indistinto quer ao Poder Público, quer aos particulares. Não constitui, pois, uma regra voltada apenas contra o Estado, mas, também, estatuída em relação aos homens considerados em suas relações privadas”.

Assim, o direito à igualdade nas contratações vem ainda garantido quando o Código proíbe as condutas discriminatórias na atuação contratual. O art. 37, por exemplo, determina a proibição de toda publicidade enganosa ou abusiva, e disciplina que é abusiva “a publicidade discriminatória de qualquer natureza”. Aliás, o Código não apenas censura a abusividade, mas penaliza essa prática, no art. 67 da legislação, declarando que constitui crime “Fazer ou promover a publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva”.

Além de tudo, o Código de Defesa do Consumidor determina a nulidade de cláusulas discriminatórias. E isso ocorre quando a legislação estabelece que são nulas, de pleno direito, as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (art. 51, IV); que violem os princípios fundamentais do sistema jurídico (art. 51, IV, § 1º, I); assim como, quando declara nula a cláusula estabelecida em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor77.

Na interpretação do Estatuto consumerista brasileiro, como salienta Bonatto (2001, p. 24), parte da doutrina sugere como sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, cláusulas vexatórias, cláusulas onerosas ou cláusulas excessivas, concentrando-se, claramente nos efeitos subjetivos das cláusulas.

Miragem (2013, p. 195) descreve que toda prática do fornecedor que desrespeite padrões de conduta negociais será considerada abusiva. Dessa forma, a abusividade ocorrerá em toda vez que o fornecedor agir de modo contrário à lei e aos princípios consumeristas.

Assim, muito embora não defina o que é prática abusiva, a partir das práticas vedadas pela lei - que, aliás, são exemplificativas – assim como diante da definição de publicidade abusiva78, e da acepção doutrinária, é possível concluir que práticas discriminatórias na relação de consumo são abusivas e, por isso, também vedadas pela legislação.

77 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;[...]

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; [...] § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

78 Art. 37, § 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Aliás, quando o fornecedor discrimina os consumidores, por raça, credo, nacionalidade, sexo, entre outros motivos, além de violar a isonomia, viola a boa-fé e o equilíbrio na relação de consumo, e fere a dignidade da pessoa humana.

Por isso, é possível afirmar que toda conduta discriminatória que não tenha alicerce em ditames legais mostra-se contrária aos princípios constitucionais e à Política Nacional das Relações de Consumo estabelecida pela legislação consumerista.

3 A VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E A OBJETIFICAÇÃO DA MULHER

É sabido que o próprio Estado garante o direito à igualdade, contudo determina algumas discriminações, como, por exemplo, a prioridade do atendimento de idosos, gestantes e deficientes físicos; o desconto para estudantes nos serviços de transporte público e o direito destes ao pagamento de meia-entrada em eventos culturais, esportivos, artísticos e de lazer. Por isso, é preciso saber, por que pode o Estado estabelecer discriminações, o que não é possível aos particulares?

Nesse contexto, serão expostas, neste capítulo, as razões porque é legítimo ao Estado estabelecer certas discriminações. Ou seja, qual é o critério legitimador das desigualdades impostas pelo Estado à sociedade e porque essas normas vinculam o setor público e privado.

Em seguida, abordar-se-á sobre a discriminação sexual na relação de consumo, momento em que será visto se esse tratamento diferenciado é, ou não, legítimo no ordenamento jurídico nacional. Após, serão demonstradas algumas das discriminações estabelecidas pela legislação e os motivos porque estas são coerentes, ou não, com os valores e premissas constitucionais.

Por fim, analisar-se-á a diferenciação sexual nos estabelecimentos noturnos e como essa discriminação é causa de objetificação do corpo feminino e viola a dignidade humana, indo de encontro com as conquistas das mulheres no que tange ao direito à isonomia.