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2 O DIREITO DO CONSUMIDOR, SUA PRINCIPIOLOGIA E RELAÇÃO COM AS

3.2 A vedação à discriminação sexual dos consumidores

O Código de Defesa do Consumidor baseia-se em um contrato que busca o equilíbrio entre as partes contratantes. Pacto que se funda em princípios que delineiam uma relação fundada na boa-fé, mas também com o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor.

Nesse sentido, o Código estabeleceu a Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4º), que visa atender às necessidades dos consumidores, tendo em vista a dignidade e a proteção de seus interesses econômicos. Essa Política tem o escopo de melhorar a qualidade de vida dos consumidores, e, para isso, determina que as relações de consumo devem se fundar em princípios diversos que impliquem em um contrato harmônico e transparente.

Essa harmonia e equilíbrio previstos na legislação consumerista tem o objetivo de garantir a igualdade material entre os sujeitos dessa relação. Assim, partindo do pressuposto de que o consumidor se encontra em situação inferior nesse pacto, a legislação possui normas que o protegem para que o equilíbrio seja possível (MIRAGEM, 2011, p. 129-133).

O contrato de consumo, aliás, tornou-se um ponto de encontro de direitos individuais constitucionais, que são garantidos primordialmente ao consumidor. É uma lei de função social e principiológica, consubstanciada nos princípios constitucionais e nasce com o intuito de garanti-los na seara consumerista (MARQUES, 2006, p. 259; NUNES, 2013, p. 113-115).

A legislação, nesse entendimento, determina que os consumidores tem o direito à liberdade de escolha, à informação, a uma relação transparente, protegida de práticas e cláusulas contratuais abusivas. Ainda reconheceu o consumidor como vulnerável na relação, possibilitando a intervenção do Estado, com o fim de garantir o respeito aos direitos do consumidor, à dignidade humana e, consequentemente, aos valores constitucionais.

Diante dessa gama de valores consumeristas, o Código de Defesa do Consumidor bem demonstra seu intuito de que a relação de consumo se estabeleça de acordo com o princípio da isonomia. Aliás, por ser uma legislação que deriva de determinação constitucional (art. 5º, X, da CF/88 e art. 48 da ADCT), conclusivo que Código veio para garantir, dentro das relações de consumo, os comandos constitucionais. Por isso, não é razoável que uma relação de consumo discriminatória esteja de acordo com essas premissas (NUNES, 2013, p. 113-115).

O princípio constitucional da igualdade deve incidir diretamente na legislação consumerista, que proíbe e penaliza o tratamento discriminatório, o que abrange, por certo, a discriminação entre os sexos85.

Ora, é incontestável que, independentemente de ser homem ou mulher, o consumidor, como sujeito de direitos, deve receber tratamento isonômico. Deste modo, a partir do momento que o fornecedor faz a oferta de um produto ou presta um serviço, deve oferecê-lo a homens e mulheres de maneira igualitária. À guisa de exemplo, é indiscutível a flagrante ilegalidade caso um supermercado tabele os preços de seus produtos com base no sexo do consumidor comprador.

Oportuno destacar que, em nenhum momento, o Código veda a diferença de preços, somente determina que a distinção deve ter fundamento. Motivação que decorre do princípio da transparência na relação e do direito do consumidor à informação clara e adequada sobre os produtos e serviço prestados.

Desta forma, ao ofertar produtos e serviços distintos, o fornecedor tem o dever de informar86 claramente as características, qualidades e os riscos do produto ou serviço, o modo de execução deste, as formas de pagamento e, no caso de preço diferenciado, o motivo pelo qual existe uma maior ou menor contraprestação.

Por isso, quando o fornecedor investe na produção, cria produtos inovadores, emprega mais tecnologia e oferta um produto de melhor qualidade ou um serviço diferenciado, é possível e economicamente equilibrado que majore a contraprestação do consumidor, desde que este esteja ciente das razões porque está pagando mais pelo contrato.

Além de informar os motivos porque existe a distinção de preço, esse fundamento deve ser legítimo, eis que é vedado ao fornecedor elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços87. Visível que a cobrança diferenciada deve repousar em um motivo justo e o fornecedor não pode majorar os preços de produtos ou serviços sem que exista essa motivação legítima.

Essas informações, entretanto, não são oferecidas em estabelecimentos noturnos, que estipulam valores distintos para a entrada de homens e mulheres, os quais usufruem do

85 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses a um ano e multa.

86 art. 6º, III; art. 8º; art. 9º, CDC; art. 31; art. 66, do CDC, entre outros. 87 art. 39, X do CDC.

mesmo serviço (música, entretenimento, ambiente, bar). Impõe-se, ao sexo masculino, um preço elevado para a prestação de igual serviço, que é oferecido, muitas vezes, de forma gratuita para as mulheres.

Além de inexistir as informações sobre os serviços, igualmente, não há justa causa na cobrança diferenciada em razão do sexo.

Nesse contexto, imprescindível destacar as festas realizadas com bebida e comida liberada, nas quais talvez essa diferenciação entre os preços seja plausível. Em tais eventos, o indivíduo paga um preço determinado pelo ingresso e pode consumir, à vontade, as bebidas e comidas ofertadas. Neste caso, talvez o preço diverso para homens e mulheres seja considerável pois, em geral, pela própria característica biológica, homens bebem e comem mais do que as mulheres.

O Código determina expressamente que cláusulas desproporcionais e contrárias à boa-fé são inválidas e, por isso, as considera nulas, de pleno direito (art. 51 do CDC). E é nesse momento que tem relevância o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, pois o Estado pode interferir nesses contratos para invalidar a cláusula discriminatória e eliminar essa prática violadora do direito à igualdade.

Poder-se-ia afirmar, ademais, que o indivíduo possui liberdade de escolha e, diante da prática, as pessoas que não concordassem com a estipulação, estariam livres para se dirigir a outros locais que não cobrassem da maneira questionada.

No entanto, conforme já delineado, no sistema consumerista o legislador diminuiu o espaço da autonomia da vontade e os sujeitos podem contratar dentro de um limite. Podem ajustar cláusulas, desde que não sejam abusivas, iníquas ou deixem o consumidor em desvantagem exagerada, assim como não afrontem os princípios da defesa do consumidor88 (NAHAS, 2002, p. 62).

Diante disso, inegável que a conduta discriminatória com base no sexo do consumidor vai de encontro com os ditames consumeristas. Aliás, a cláusula discriminatória, nos termos do que dispõe o art. 51, § 1º, I, do CDC, ofende aos princípios do sistema a que pertence, pois não é plausível que o consumidor seja discriminado, seja ele homem ou mulher, somente com fulcro no sexo que possui.