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A ideia de eficiência aparece fortemente relacionada ao melhor uso dos recursos escassos de uma sociedade. Diante da Emenda Constitucional 19/1998, o conceito ganhou força dentro do debate jurídico, principalmen- te tendo em vista a opção do constituinte derivado em enunciá-lo como um princípio.

Nesse sentido, o debate das Ciências Econômicas em relação à efi- ciência perpassa diversas conceituações, inclusive anteriores à atual dis- cussão jurídica sobre o tema. Assim, a devida apresentação dos principais conceitos econômicos de eficiência torna-se fundamental para o aprofun- damento do assunto, principalmente no que diz respeito à forma sistêmica de a economia encarar a eficiência, apresentando-a não como algo grada- tivo, mas como um equilíbrio frente a várias outras soluções ineficientes.

2.1. e

ficiênciAde

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Areto

A economia clássica se utiliza, em grande parte, do utilitarismo e do ótimo de Pareto. Nesse sentido, para o enfoque utilitarista, ao se maximizar a uti- lidade individual, as pessoas alcançam o maior bem-estar possível dentro de suas restrições, de forma que a soma das utilidades individuais será o bem-estar social (NEUBERGER e MARIN, 2014, p.165).

O princípio de eficiência em economia, em especial a eficiência de Pa- reto, torna-se, então, favorável para a comparação de diferentes resulta- dos de equilíbrios que surgem através de distintas combinações das aloca- ções de recursos e de políticas (tais como tributação, regulação de preços e quantidade de produção). Segundo Varian (2003), o princípio da eficiên-

ver constitucional de eficiência. 2008. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salva- dor, ago./set./out. 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/ REDAE-15-AGOSTO-2008-FERNANDO%20LEAL.pdf> p.20-21

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cia aponta que o resultado ótimo de Pareto é obtido quando a situação de uma das partes não pode ser melhorada sem o prejuízo da situação de outra parte envolvida na relação. Conforme percebe-se do trecho:

Um critério útil para comparar os resultados de diferentes instituições econômicas é um conceito conhecido como eficiência de Pareto, ou eficiência econômica. Começaremos pela seguinte definição: se pudermos encontrar uma forma de melhorar a situação de uma pessoa sem piorar a de nenhuma outra, teremos uma melhoria de Pareto. Se uma alocação permite uma melhoria de Pareto, diz-se que ela é ineficiente no sentido de Pareto; se a alocação não permitir nenhuma melhoria de Pareto, então ela é eficiente no sentido de Pareto (VARIAN, 2003, p. 15).

Dessa forma, nota-se que qualquer resultado de equilíbrio que possa ser melhorado para algum agente sem que outro agente obtenha prejuízo ou algum tipo de redução de utilidade, será um resultado ineficiente no sentido de Pareto. Por outro lado, apenas diante da situação em que al- gum agente irá perder utilidade em oposição a outro que ganhará se dará a eficiência de Pareto.

Para exemplificar o conceito, Varian (2003) supõe uma alocação de locatários de apartamentos em círculos internos e externos. Caso seja rea- lizada uma distribuição aleatória desses apartamentos, uma pessoa que queira residir no círculo externo poderá ser alocada no círculo interno. Por outro lado, poderá haver outra pessoa que seja indiferente (ou mesmo que não valorize tanto morar no círculo externo), mas que recebeu um apartamento no círculo externo. Dessa forma, esse equilíbrio inicial seria ineficiente no sentido de Pareto, já que, diante da possibilidade de troca entre as duas, o bem-estar de ambas seria melhorado.

Eis aqui uma forma útil de pensar no conceito de eficiência de Pareto. Suponhamos que alocássemos os locatários de maneira aleatória nos círculos interno e externo, mas que lhes permitíssemos então sublocar os apartamentos entre si. Algumas pessoas que realmente desejassem morar perto da universidade poderiam, por azar, acabar morando num apartamento do círculo externo. Contudo, elas poderiam então sublocar um apartamento do círculo interno de alguém que houvesse sido colocado em algum desses apartamentos mas que não desse tanto valor a esse fato. Se os indivíduos forem alocados aleatoriamente nos apartamentos, haverá em geral alguns que queiram trocar de apartamento, caso recebam compensação suficiente. (VARIAN, 2003, p. 15-16).

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Conforme pontua Varian (2003), o maior nível de utilidade social é atingido a partir da maximização da utilidade individual, levando-se em conta a teoria do bem-estar. De modo que a forma de obter a preferência social, tendo como dadas as preferências individuais, é somar as utilida- des individuais, sendo o resultado da operação a utilidade social (VARIAN, 2003, p. 635).

Nesse sentido, a eficiência de Pareto coloca-se como um critério de aferição do nível de bem-estar social, levando-se em conta as teorias eco- nômicas e tendo em vista o equilíbrio geral dentro de um mercado em concorrência perfeita, situação na qual o grau de bem-estar da sociedade seria maximizado, maximizando, assim, o bem-estar social como um todo. Então, o comportamento individual regido pelo autointeresse acarretaria, de acordo com essa explicação, na otimização do bem-estar social (NEU- BERGER e MARIN, 2014, p.167).

2.2. K

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Embora, em termos teóricos, a eficiência de Pareto ofereça uma boa ex- plicação para os resultados das trocas econômicas, no que diz respeito à prática esse equilíbrio poderá oferecer uma grande dificuldade para a alocação de recursos já consolidados, uma vez que o bem-estar social po- derá ser preterido diante de uma situação em que algum agente perderá utilidade com uma nova alocação de recursos (POSNER, 2007, p.13).

Nesse sentido, o critério de eficiência de Kaldor-Hicks poderá ofere- cer uma solução para situações em que trocas voluntárias não acontecem e, como resultado, geram um nível menor de satisfação social. De acordo com tal parâmetro, será eficiente a ocorrência de perda de riqueza de al- gum agente, desde que o bem-estar geral aumente.

Um exemplo desse equilíbrio poderá acontecer caso haja uma situa- ção na qual o indivíduo “A” tenha uma riqueza de 50 e o indivíduo “B” tenha uma riqueza de 20. Dada essa relação inicial, é implementada uma política pública que altere as riquezas de forma a deixar o indivíduo “A” com 45 e o indivíduo “B” com 35. De acordo com Kaldor-Hicks, essa será uma situação eficiente, já que o nível de riqueza social inicial era de 70 e após a implementação da medida a riqueza social final resultou em 80.

Deve-se notar que essa não é uma situação em que a mudança de equilíbrio será realizada voluntariamente. Embora indivíduo “B” deseje a implementação da política pública, o indivíduo “A” não desejará que ela ocorra e, a menos que haja algum tipo de intervenção externa (seja de um governo, ou do próprio poder do indivíduo “B”), a política não se concreti- zará caso “A” e “B” sejam os únicos a decidirem (no caso de ambos terem o mesmo poder).

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Outro ponto a ser ressaltado é que essa política pública não poderá ser considerada eficiente no sentido de Pareto, já que, mesmo com um au- mento da riqueza social em 10, ocorreu uma redução do nível de bem-es- tar do indivíduo “A” em 5, pois ele passou de 50 para 45. Como visto ante- riormente, para que esse equilíbrio fosse Pareto eficiente, nenhum agente poderia ter o bem-estar reduzido e, como “A” teve sua riqueza reduzida, a mudança de equilíbrio não é Pareto ótima.

Posner afirma que o critério de Kaldor-Hicks questiona quando as transações voluntárias são viáveis e quando de fato se concretizariam, conforme é possível observar na seguinte passagem:

Kaldor-Hicks asks whether, had the voluntary transaction been feasible, it would have taken place. If, for example, the question were whether clean water was more valuable as an input into paper production than into boating, we might try to determine, using whatever quantitative or other data might be available to help us, whether in a world of zero transaction costs the paper industry would purchase from boaters the right to use the water (POSNER, 2007, p.15)4.

Dessa forma, o método de aferição da eficiência de Kaldor-Hicks mostra-se menos restritivo que o método de Pareto, já que, como apon- tado anteriormente, é muito difícil nas situações da prática encontrar uma medida que não altere os equilíbrios iniciais, não prejudicando o nível de bem-estar de alguma das partes envolvidas.

No entanto, é, ainda, imprescindível ressaltar que a utilidade aborda preferências mais complexas do que simplesmente a riqueza de alguém. Nesse sentido, os mais pobres valoram marginalmente mais a riqueza (em termos nominais) que os mais ricos. Assim, por exemplo, um real para uma pessoa pobre é mais valorado por alguém pobre que por alguém rico. En- tão, a utilidade cumpre um papel de destaque na explicação dos fenôme- nos econômicos, pois ela se refere não somente ao valor nominal de certa situação, mas também ao quanto aquele indivíduo valora tal situação em termos de bem-estar.

4 “Kaldor-Hicks pergunta se, caso a transação voluntária fosse viável, teria ocor- rido. Se, por exemplo, a questão era saber se a água limpa era mais valiosa com insumo na produção de papel do que na navegação, poderíamos tentar determinar, usando quaisquer dados quantitativos ou outros disponíveis para nos ajudar se, em um mundo de zero transação, a indústria de papel compraria dos navegantes o di- reito de usar a água”. - Nossa tradução, em: POSNER, Richard. A. Economic Analysis of Law. Aspen Publishers. 2007, p. 15

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2.3. A

críticAde

A

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O autor Amartya Sen (2008) questiona a pedra basilar dos principais mé- todos econômicos de conceituação da eficiência, qual seja a relação entre bem-estar e as utilidades utilizadas nessas teorias. Nesse sentido, o eco- nomista discute as limitações do conceito de utilidade, já que esta ignora importantes informações não intrínsecas ao conceito.

It is, of course, true that utilitarianism values states of affairs in an informationally limited way, attaching no intrinsic importance to nonutility information about states, and thus inter alia ignoring actions too – except as variables for causal analysis (in linking utility to objects that yield utility), or perhaps as surrogates for utility (when utility information is hard to get) (SEN, 1985, p. 182)5.

Eentre os principais pontos da crítica do teórico à noção tradicional de eficiência, destaca-se em primeiro lugar o seu questionamento sobre a identificação do bem-estar como o único fato valioso. Outro ponto de sua crítica refere-se à representação da utilidade como bem-estar (SEN, 2008, p.63).

Dessa forma, o autor distingue o aspecto bem-estar do aspecto “agência”, de modo que este leva em consideração a autonomia e a li- berdade da pessoa atendendo fatores maiores do que o simples bem-es- tar do indivíduo. Nesse sentido, os modelos de bem-estar baseiam-se em motivações unicamente voltadas para o autointeresse, e quando se retira o autointeresse é possível visualizar considerações que ultrapassam seu bem-estar.

At the risk of oversimplification it can be said that the well-being aspect of a person is important in assessing a person’s advantage, whereas the agency aspect is important in assessing what a person can do in line with his or her conception of the good. The ability to do more good need not be to the person’s advantage (SEN, 1985, p. 206).6

5 “É claro que o utilitarismo valoriza os estados de coisas de uma forma informa- cional limitada, sem atribuir importância intrínseca à informação não utilitária sobre os estados e, portanto, ignorando também as ações - exceto como variáveis para a análise causal (ao vincular utilidade aos objetos que produzem utilidade), ou talvez como substitutos para utilidade (quando é difícil de obter informações de utilidade)” 6 “Com o risco de simplificação excessiva pode-se dizer que o aspecto de bem-es- tar de uma pessoa é importante na avaliação da vantagem da pessoa, enquanto o aspecto de agência é importante para avaliar o que uma pessoa pode fazer de acor- do com sua concepção de bem. A capacidade de fazer mais não precisa beneficiar a pessoa” (SEN, 1985, p.206). Nossa tradução, em: SEN, A. Well Being, agency and freedom (the Dewey Lectures, 1984). The Journal of Philosophy, v. 82, n. 4, pp. 169-

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Amartya Sen pontua que a abordagem do utilitarismo e da eficiência de Pareto deixam para trás a liberdade individual e a realização de direitos que não estão incluídos nas “estatísticas do prazer”. Dessa forma, segundo o autor, a liberdade individual e a violação dos direitos colocam-se na fren- te da abordagem econômica do utilitarismo e da otimalidade de Pareto (SEN, 2008, p.66).

O autor critica, ainda, o fato de a eficiência de Pareto ser um critério limitado para se tratar de bem-estar, na qual se omite das questões distri- butivas, permitindo a existência de situações sociais adversas.

“Um estado pode estar no ótimo de Pareto havendo algumas pessoas na miséria extrema e outras nadando em luxo, desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos ricos” (SEN, 2008, p. 48).

Por fim, ressalta-se que o autor aproxima a economia do campo filo- sófico e da ética, questionando, de maneira geral, a maximização do bem- -estar como única medida de busca da sociedade. Dessa forma, o teórico mostra a necessidade de considerar outros fatores na tomada de decisão.

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