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O contexto da criação das agências reguladoras no Brasil

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A opção pela desestatização de diversas atividades historicamente execu- tadas pelo setor público veio com o declínio do estado positivo, conhecido como “estado do bem-estar” ou “estado keynesiano”, caracterizado pela forte atuação do Estado como provedor direto das necessidades da popu- lação, seja como planejador, produtor de bens e gestor direto de serviços públicos, empregador ou através da alocação centralizada de capitais e nacionalização de setores estratégicos da economia.

A partir dos anos 1970, com o elevado déficit fiscal decorrente de anos de investimentos estatais não lucrativos e o crescimento do desem- prego e das taxas de inflação, cada vez mais se tornava insustentável o modelo de política pública que envolvia altos gastos com políticas de bem-estar social. Como explica GIANDOMENICO MAJONE6 “[a]s políticas

de nacionalização pareciam demonstrar uma evidência incontestável do

6 MAJONE, Giandomenico. Do estado positivo ao estado regulador: causas e con- sequências da mudança no modo de governança. In Regulação Econômica e De- mocracia: o debate europeu. (Paulo Todescan Lessa Mattos – Coord.) São Paulo: Singular, 2006. pp. 55 e 56.

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fracasso do Estado Positivo. De um país a outro, empresas estatais foram questionadas por não conseguirem atingir nem seus objetivos sociais, nem os econômicos, por sua falta de responsabilização e pela tendência de se- rem capturadas por políticos e sindicatos”.

Com isso, surgiu a proposta de um novo modelo de governança, “que incluísse privatização de muitas partes do setor público, mais concorrên- cia em toda a economia, maior ênfase na economia pelo lado da oferta e reformas de longo alcance no Estado do bem-estar”,7 o chamado Estado

Regulador.

No Brasil, esse novo modelo ganhou força a partir de 1995, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso para presidente, “quando houve uma intensificação nas privatizações, sendo o programa de desestatiza- ções apontado como um dos principais instrumentos do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”.8 Essa estratégia do Estado, ainda que

tenha gerado um grande volume de recursos necessários para a recupe- ração da economia, por outro lado “lhe retirou grande parte do poder de comando sobre os serviços públicos, já que os investidores privados só carreariam seus recursos se presente um arcabouço institucional e nor- mativo apropriado aos seus interesses de lucro e de segurança jurídica, por exemplo, através da necessária regulação por agências reguladoras independentes”.9

O modelo institucional de agências reguladoras teve como pano de fundo esta alteração do modelo de intervenção do Estado na economia, com a intenção de transferir ativos e atividades para a iniciativa privada. Para tanto, foi necessário pensar na independência técnica e político-par- tidária da regulação como forma de atrair o investidor. É o que explica GUSTAVO BINENBOJM:10

“Através de desestatizações, privatizações e flexibilização de monopólios, o modelo de Estado empresário, calcado em forte intervenção direta na economia, foi substituído, a partir dos anos 1990, pelo modelo de Estado regulador, cuja

7 MAJONE, Giandomenico. Do estado positivo ao estado regulador: causas e con- sequências da mudança no modo de governança. In Regulação Econômica e De- mocracia: o debate europeu. (Paulo Todescan Lessa Mattos – Coord.) São Paulo: Singular, 2006, p. 56.

8 GUERRA, Sérgio. Aperfeiçoando a regulação brasileira por agências: Quais lições podem ser extraídas do sesquicentenário modelo norte-americano? In: Teoria do Estado Regulador. Organização Sérgio Guerra. Curitiba: Juruá, 2015, p. 79.

9 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 52.

10 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamen- tais, democracia e constitucionalização. – 3ª ed. revista e atualizada – Rio de Janeiro: Renovar, 2014, pp. 266/267.

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intervenção opera-se de modo indireto.

O sucesso da aludida conversão dependia, contudo, de maciça atração do capital privado, e, para tanto, fazia-se imprescindível superar a histórica crise de credibilidade do país e de suas instituições. Ou seja: era preciso vender o Brasil como um bom negócio, garantindo aos investidores a manutenção dos contratos celebrados e o direito de propriedade. Nisso reside, fundamentalmente, a razão da escolha pelo modelo de agências reguladoras: entidades com grau reforçado de autonomia, investidas de funções técnicas e, sobretudo, imunizadas das ingerências político- partidárias.” (grifamos)

Assim, a independência da regulação11 em relação ao Poder Executivo central, visa a conferir maior neutralidade, tecnicidade e estabilidade aos setores regulados, afastando-os das influências políticas diretas. Nesse sentido, confira-se a lição de SÉRGIO GUERRA12:

Em prol da independência regulatória das Agências, Vital Moreira aponta como razões a separação entre a política e a economia, de modo que a economia não permaneça nas mãos do Governo; a garantia de estabilidade e segurança no quadro regulatório (inamovibilidade do mandado dos reguladores), de modo a não depender do ciclo eleitoral, mantendo a confiança dos agentes regulados quanto à estabilidade do ambiente regulatório;

o favorecimento do profissionalismo e neutralidade política, mediante o recrutamento de especialistas profissionais, em vez de correligionários políticos dos governantes; a separação do Estado-empresário do Estado-regulador, com o indispensável tratamento isonômico entre os operadores públicos e privados; a “blindagem” contra a captura regulatória, mediante a criação de reguladores afastados das constrições próprias da luta partidária e do ciclo eleitoral, proporcionando melhores condições de resistência às pressões dos regulados; e, por fim, a garantia

11 Para Alexandre Santos de Aragão, “A noção de regulação implica a integração de diversas funções: pressupõe que um quadro seja imposto às atividades econô- micas, devendo respeitar um certo equilíbrio dos interesses das diversas forças sociais presentes. (...) Há, portanto, três poderes inerentes à regulação: aquele de

editar a regra, o de assegurar a sua aplicação e o de reprimir infrações” (Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3ª ed. revista e atua- lizada. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 24).

12 GUERRA, Sérgio. Agências Reguladoras e a Supervisão Ministerial. O Poder Nor- mativo das Agências Reguladoras. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 366.

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do autofinanciamento, de modo que a entidade reguladora potencialize a sua autonomia em relação ao Governo e aos regulados.

De acordo com essa lógica, a agência, enquanto ente com neutra- lidade política, estaria apta a mediar as relações estabelecidas entre as partes em contratos de concessão (concessionária e poder concedente) e exigir o cumprimento de normas e decisões regulatórias, agindo em certa medida como um “fiel da balança” ao exercer as competências normativa, fiscalizatória e sancionatória.

As agências reguladoras independentes seriam assim autarquias em regime especial, com autonomia reforçada, justamente para poder decidir em contrariedade às forças políticas, quando necessário ao atendimento do interesse público.

Uma autarquia em regime especial, com autonomia reforçada, consis- te em uma entidade com personalidade jurídica própria e com mecanis- mos de garantia institucional que possibilitem o exercício de suas funções de forma independente em relação ao governo. Suas principais caracte- rísticas são: (i) independência política dos dirigentes; (ii) independência técnica decisional; (iii) independência normativa; (iv) independência ge- rencial, orçamentária e financeira ampliada.13 “[E]ssas distinções no regime

das autarquias especiais visam precipuamente a conferir maior estabilida- de, segurança e prestígio às decisões dos setores regulados, pretendendo assegurar que os atos lançados pelas agências sejam técnicos (não polí- ticos).”14

Esse regime é fundamental para a criação de oportunidades atraentes de investimento para os particulares, de forma a aumentar a concorrência e melhorar a oferta e a qualidade na prestação dos serviços, cabendo às agências reguladoras o papel de garantir estabilidade e segurança jurídica necessárias para o desenvolvimento do setor regulado.15

13 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamen- tais, democracia e constitucionalização. – 3ª ed. revista e atualizada – Rio de Janeiro: Renovar, 2014, pp. 270 e 271.

14 MOREIRA, Egon Bockmann. “Os limites à competência normativa das agências reguladoras”. In: O Poder Normativo das Agências Reguladoras. 2ª ed. Rio de Janei- ro: Editora Forense, 2011, p. 134.

15 Rafael Carvalho Rezende de Oliveira explica que: “A autonomia administrativa das agências reguladoras também pode ser caracterizada pela impossibilidade do chamado ‘recurso hierárquico impróprio’, interposto perante pessoa jurídica diversa daquela que proferiu a decisão recorrida. O objetivo é assegurar que a decisão final na esfera administrativa seja da autarquia regulatória.

Registre-se, no entanto, que a questão é objeto de divergências doutrinárias: 1º entendimento (majoritário): impossibilidade do recurso hierárquico impróprio, tendo em vista a ausência de previsão expressa na legislação das agências. Nesse sentido: Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello, Alexandre

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Nesse contexto, enquanto supervisoras dos contratos de concessão, as agências reguladoras deveriam atuar como agentes neutros capazes de fiscalizar o fiel cumprimento das cláusulas contratuais previstas no contra- to de concessão, seja pelo particular ou pelo próprio poder concedente.

3. o

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