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Transformações do direito administrativo: consequencialismo e estratégias regulatórias

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Academic year: 2021

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Transformações do direito administrativo:

Consequencialismo e estratégias

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Edição produzida pela FGV Direito Rio Praia de Botafogo, 190 | 13º andar Rio de Janeiro | RJ | Brasil | CEP: 22250-900

55 (21) 3799-5445 www.fgv.br/direitorio

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Transformações do direito administrativo:

Consequencialismo e estratégias

regulatórias

Fernando Leal

José Vicente Santos de Mendonça (Organizadores)

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Edição FGV Direito Rio

Obra Licenciada em Creative Commons

Atribuição – Uso Não Comercial – Não a Obras Derivadas / Attribution – NonCommercial - NoDerivs

Impresso no Brasil

Fechamento da 1ª edição em dezembro de 2016

Este livro foi aprovado pelo Conselho Editorial da FGV Direito Rio, e consta na Divisão de Depósito Legal da Biblioteca Nacional.

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores.

Coordenação: Rodrigo Vianna, Sérgio França e Thaís Mesquita Capa: S2 Books

Diagramação: S2 Books 1ª revisão: Laís Curvão Gabrig 2ª revisão: Marcia Glenadel Gnanni

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Transformações do direito administrativo: consequencialismo e estratégias regulatórias /Fernando Leal, José Vicente Santos de Mendonça (organizadores). - Rio de Janeiro : Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, 2016.

398 p.

Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-63265-78-4

1. Direito administrativo – Brasil. 2. Direito público – Brasil. 3. Direito regulatório – Brasil. I. Leal, Fernando Angelo Ribeiro. II. Mendonça, José Vi-cente Santos de. III. Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas.

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A

presentAção

Fernando Leal José Vicente Santos de Mendonça

O direito é burocrático. A academia jurídica é imatura. Professores do di-reito são distantes. Pesquisa jurídica é consulta a decisões de tribunais e manuais (de preferência, dos autores mais renomados). Dissertações de mestrado em direito são petições de cento e poucas páginas.

Quantas vezes você já leu algo assim? Quantas vezes você já pensou algo assim? Pois esta obra, e o contexto no qual foi gerada, existe para su-gerir um caminho alternativo. Em primeiro lugar, porque ela não é, apenas, uma coletânea de artigos: ela é o resultado de debates francos e de um processo colaborativo de construção do conhecimento. Explica-se.

No dia 26 de outubro de 2016, professores do Programa de Pós-Gradua-ção em Direito da Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV e do Programa de Pós-Graduação em Direito da UERJ, e vários alunos dos dois programas, reuniram-se para trocar impressões sobre pesquisas. Os professores apre-sentaram suas ideias e elas foram questionadas, com espaços para réplicas e tréplicas. Um diálogo aberto entre iguais, sem a força da autoridade, que já determina, de antemão, o vencedor com base em credenciais externas ao argumento. Um debate, e não uma disputa em dois rounds em que um fala, outro diverge, e a audiência tira suas próprias conclusões.

Os textos dos alunos foram lidos e debatidos entre professores e os próprios alunos. Além de três professores envolvidos nos debates da ma-nhã (nós dois e o professor Eduardo Jordão), a professora Patrícia Bap-tista, da UERJ, e o professor Leandro Molhano Ribeiro, da FGV, também participaram dos debates. Aos dois somos imensamente gratos. Cinco professores, todos, ao mesmo tempo, comentando trabalhos lidos previa-mente. Para muitos, ter cinco docentes nessa posição é um privilégio que se limita à defesa de tese de doutorado. Para os presentes, foi uma opor-tunidade singular de vivência no país de um tipo diferente de academia.

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TransformaçõesdodireiToadminisTraTivo: ConsequenCialismoeesTraTégiasregulaTórias

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Aceitas (ou rejeitadas) as sugestões, o resultado é o que você lerá nas próximas páginas. O que já debilita alguns dos lugares-comuns: se muito da prática do direito é burocrática, o pensamento há que ser livre. É crítico, é construtivo, é reconstrutivo; só não pode ser música de repetição. E, sim, muito da academia jurídica é imatura. Mas ela também pode se constituir num espaço de diálogo franco sobre normas, práticas, instituições. Se o lugar arquetípico do direito é o tribunal, o lugar de sua academia é uma mesa de debates, sem lugar alto à cabeceira: todos são autores, mas nin-guém é juiz.

Em segundo lugar, porque a obra, dados os laços acadêmicos e de amizade entre os professores da FGV e da UERJ, sinaliza o começo de uma aproximação natural – diríamos, inevitável – entre dois centros im-portantes de reflexão e produção de conhecimento sobre as instituições e práticas nacionais. O esforço de colaboração, que tem nesta coletânea apenas uma de suas diversas expressões, já nasce auspiciosa. O mestrado em direito da regulação da FGV Rio, sob o signo da inovação que carac-teriza sua Escola de Direito, associa-se à tradição do Programa de Pós--Graduação em Direito da UERJ. O melhor de dois mundos: a inovação e a tradição que, em diálogo, refletem sobre um futuro possível para o direito administrativo do novo milênio.

*

O eixo temático condutor da obra são as transformações do direito administrativo brasileiro, sob o foco do tema do consequencialismo e das estratégias regulatórias. O consequencialismo é um dos grandes assun-tos do direito público contemporâneo. Por muito que se fale, há risco da consolidação de platitudes irrefletidas; de se estabelecer mais um mantra, mais um rótulo vazio para a pseudoerudição que tanto influencia o direito brasileiro. No que esse consequencialismo consiste de fato? Será que a atenção às consequências em julgamentos trará segurança jurídica? O as-sunto adquire ainda mais proeminência diante de proposta legislativa, ins-pirada por um dos convidados do evento, o professor Carlos Ari Sundfeld, que busca consagrá-lo. O leitor terá farto material para reflexão.

Mas nem só de consequencialismo vive o direito administrativo dos dias de hoje. As diversas inovações — tecnológicas e jurídicas — solicitam estra-tégias regulatórias variadas. Seja o Uber, seja a economia comportamental, a autorregulação, o PPI ou as startups, fato é que há muitos assuntos a serem analisados. O direito administrativo, nascido numa autocompreensão de re-volucionários franceses a respeito da separação de poderes, e, desde então, bastante influenciado por doutrinadores, encontra-se, hoje, diante de desa-fios técnicos e tecnológicos que ultrapassam em muito categorias concei-tuais do século XVIII. Viver o direito administrativo de 2016 é viver a transfor-mação de uma disciplina e a explosão de suas técnicas.

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ApresentAção 9

Professores de direito são parceiros epistêmicos de discentes. A aca-demia jurídica brasileira anda a passos largos rumo à maturidade. O direito pode ser desafiador e experimental. Pesquisa jurídica é um esforço de mé-todo e de reflexão, de que artigos, dissertações e teses são seus resultados estruturados.

A depender do que provaram os Programas de Pós-Graduação em Direito da UERJ e da FGV-RJ, estes podem ser os novos caminhos da pesquisa jurídica brasileira. A obra é um convite a que eles sejam trilhados por você, leitor.

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s

umário

Apresentação ... 7

Fernando Leal e José Vicente Santos de Mendonça

Artigos docentes ...19 Uma lei para dar mais segurança jurídica ao direito público e ao controle ... 21

Carlos Ari Sundfeld e Guilherme Jardim Jurksaitis

Inclinações pragmáticas no direito administrativo: nova agenda, novos problemas. O caso do PL 349/15 ... 25

Fernando Leal

Dois futuros (e meio) para o projeto de lei do Carlos Ari ... 31

José Vicente Santos de Mendonça

1. Introdução: o consequencialismo, agora por lei ...31 2. O primeiro futuro: a transformação da atuação administrativa e judicial...32 3. O segundo futuro: a retórica das consequências ...33 4. Encerramento: o meio futuro: inclinações pragmáticas e mudanças de cultura ...34 Obsolescência regulatória por efeito de inovações tecnológicas: vai de Uber ou de táxi? ... 35

Gustavo Binenbojm

I. Introdução: o caso UBER e seu efeito disruptivo sobre a regulação dos meios de transporte individual de passageiros ...35 2. A natureza da regulação do serviço de transporte individual de passageiros. Distinções em relação aos serviços de transporte coletivo de passageiros, verdadeiros serviços públicos...38 3. As inovações tecnológicas e gerenciais do fenômeno UBER ...42

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TransformaçõesdodireiToadminisTraTivo: ConsequenCialismoeesTraTégiasregulaTórias

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4. A reação do lobby dos taxistas: a tentativa de preservação do

monopólio (ou exclusividade) dos serviços e de sua regulação falha .... 45

5. Os efeitos da regulação disruptiva produzida pelo fenômeno UBER: entre a proteção destrutiva e a destruição criativa ...49

Referências bibliográficas...50

Ensaio de uma visão autopoiética do direito administrativo ... 53

Alexandre Santos de Aragão A intervenção do TCU sobre editais de licitação não publicados: controlador ou administrador? ...61

Eduardo Jordão 1. Quais poderes a Constituição conferiu ao TCU para combater os vícios de legalidade, legitimidade e economicidade? ...65

1.1. Os poderes diretos (competências corretivas) ...65

1.2. Os poderes indiretos (competências sancionatórias) ...67

2. Quais poderes jurídicos o direito confere ao TCU para intervir em editais não publicados de licitação? ...67

2.1. A ausência de competências constitucionais preventivas como clara opção histórica ...68

2.2. A ausência de competências preventivas também na normatização infraconstitucional ... 71

3. As razões apresentadas pelo TCU para fundamentar a sua atuação preventiva ...74

3.1. As razões práticas: a suposta conveniência social da atuação preventiva ...75

3.2. As eventuais razões jurídicas: a suposta existência de um “poder geral de cautela” ...78

4. Conclusões ...82

Referências bibliográficas...84

Evolução das escolhas administrativas: da self-execution law à regulação ... 87

Sérgio Guerra 1. Escolha absolutamente vinculada ...88

2. Escolha relativamente vinculada ...91

3. Escolha administrativa discricionária ...93

4. Escolha regulatória ...97

5. Conclusão ...100

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Sumário 13

Artigos discentes ... 107

O debate sobre a eficiência ... 109

André Augusto Corrêa Cunha 1. Introdução ...109

2. A discussão econômica ... 110

2.1. Eficiência de Pareto ... 110

2.2. Kaldor-Hicks ...112

2.3. A crítica de Amartya Sen ... 114

3. A discussão jurídica ... 115

4. Conclusão ... 119

Referências bibliográficas... 120

O dever de “motivação administrativa” no contexto das escolhas regulatórias: uma análise da jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU)...123

Bruno Araujo Ramalho 1. Introdução ...123

2. Referencial teórico ...125

2.1. O dever de “motivação administrativa” e seus limites ...127

2.2. Uma breve contextualização sobre o controle desempenhado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ... 128

3. Metodologia ... 130

4. Resultados ... 133

4.1. Perfil geral da amostra ... 133

4.2. Deveres prescritos pela norma da motivação administrativa 134 4.2.1. Motivação associada ao dever de formular réplicas nos procedimentos de participação ... 134

4.2.2. Motivação associada a um dever de disponibilidade documental em consultas ou audiências públicas ... 136

4.2.3. Motivação associada a um dever de transparência deliberativa ...137

4.2.4. Motivação associada ao dever de evidenciar, técnica ou cientificamente, as premissas admitidas pelo regulador (congruência dos pressupostos) ... 138

4.2.5. Motivação associada à transparência metodológica prévia nos casos de revisões tarifárias ... 141

4.2.6. Motivação como instrumento enunciativo de uma escolha que pondere aspectos positivos e negativos de diferentes opções (com ênfase para o uso de A.I.R.) ...144

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6. Conclusão ...152

Referências bibliográficas... 153

Políticas regulatórias e a caixa de ferramentas da economia comportamental ...157

Carina de Castro Quirino e Mariana Tavares de Carvalho Vianna 1. Introdução ...157

2. Racionalidade limitada e contingenciamento de erros – construindo novas premissas analíticas para a política regulatória ... 159

3. A análise de políticas regulatórias sob as premissas do comportamentalismo – onde estamos falhando? ... 165

4. Críticas à economia comportamental aplicada à regulação ... 167

5. Conclusão ...173

Referências bibliográficas... 174

O Programa de Parcerias de Investimentos – PPI e o papel das agências reguladoras para garantir segurança jurídica aos contratos de concessão ...177

Anna Carolina Morizot Tourinho 1. Introdução ...177

2. O contexto da criação das agências reguladoras no Brasil ... 181

3. O papel das agências reguladoras como gestoras dos contratos de concessão no ordenamento jurídico atual ... 185

4. Análise exemplificativa de casos concretos ... 189

5. Conclusão ... 193

Referências bibliográficas... 194

Devido processo administrativo na lei de liquidação extrajudicial ...197

Felipe Herdem Lima 1. Introdução ... 197

2. A situação como ela é ...200

3. Assimetria de informação e violação ao contraditório e ampla defesa ...200

4. Utilização dos pressupostos de urgência da medida como regra. Possíveis problemas ...209

5. Discricionariedade na aplicação do regime. Necessidade de motivação ... 210

6. “Novos ares”. Pensando soluções ... 214

7. Conclusão ... 218

(15)

Sumário 15

O direito brasileiro rege mas desconhece as startups ...221

João Pontual de Arruda Falcão 1. Introdução ...221

2. Dimensão conceitual ...222

2.1 Origem do termo startup ...222

2.2 Definições da empresa startup ... 224

2.3 A startup é um arranjo institucional complexo ...227

3. Dimensão prática: o ordenamento jurídico brasileiro vs o modelo econômico startup ... 229

4. Dimensão procedimental: questões jurídicas do ciclo de vida das startups no Brasil ... 233

4.1. A fase de descoberta ... 233

4.2. A fase de validação ... 235

4.3 A fase de eficiência ... 242

4.4. A fase de escala ... 245

4.5. Fase de desinvestimento (ou encerramento) ... 247

5. Conclusão: o Direito brasileiro rege mas desconhece as startups ...247

Referências bibliográficas... 248

Discricionariedade, racionalidade e Estado de Direito ...249

João Marcelo da Costa e Silva Lima 1. Introdução ... 249

2. Decisões discricionárias ...252

2.1 Decisões tomadas com base em regras versus decisões particularistas ... 255

2.2 Discricionariedade e Estado de Direito: uma forma de entender a relação ... 258

3. Subsídios para uma proposta mais realista de compatibilização entre discricionariedade e Estado de Direito ...260

3.1 Emergências ... 261

3.2 Além das fronteiras da ciência ... 266

3.3 Dois exemplos para ilustrar as categorias propostas ... 270

4. Conclusão ...271

Referências bibliográficas...272

Fomento tributário ... 275

Paula Moreira de Souza Lima Junqueira 1. Introdução ...275

2. Intervenção do Estado na economia e regulação ... 276

3. Planejamento estatal e falhas de mercado ...277

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5. Conclusão ... 285

Referências bibliográficas... 286

O controle concorrencial das condutas das empresas estatais que exploram atividade econômica ... 289

Marjorie Gressler Afonso 1. Introdução ... 289

2. O escopo subjetivo de aplicação do direito concorrencial ... 292

3. O conflito interno inerente às empresas estatais e às sociedades de economia mista ... 295

4. Proposta: o esboço de um teste operacionalizável... 299

5. Conclusão ... 303

Referências bibliográficas...304

A atividade consensual da administração pública e as soluções consensuais na defesa da concorrência ...307

Gabriela Reis Paiva Monteiro e Rachel Lopes Telésforo 1. Introdução ... 307

2. A consensualidade enquanto categoria do direito administrativo e opção à atuação da Administração Pública ...308

2.1. A Administração pública consensual ... 311

2.2. Os benefícios esperados com a atividade consensual ... 316

2.2.1. Transparência e segurança jurídica ... 316

2.2.2. Celeridade ...317

2.2.3. Eficiência e participação popular ... 318

2.3. As formas de consenso ... 318

2.4. Questões em aberto sobre a atividade consensual no direito brasileiro ... 319

3. Soluções consensuais adotadas na proteção da concorrência no Brasil ...321

3.1. Os acordos em controle de concentrações (ACCs) ... 323

3.2. Acordos de preservação da reversibilidade da operação (APROs) ... 324

3.3. Acordo de leniência ... 325

3.4. Termo de compromisso de cessação de conduta (TCCs) ...327

4. Conclusão ... 329

Referências bibliográficas... 330

Os acordos de leniência da Lei nº 12.846/2013 ... 333

Rafaela Coutinho Canetti 1. Introdução ... 333

(17)

Sumário 17

3. Os acordos de leniência da Lei Anticorrupção...340

4. Conclusões ... 352

Referências bibliográficas... 353

Analisando pragmaticamente a intervenção regulatória derivada da incidência de CIDEs: o caso da Condecine Licença (art. 32, I da MP 2.228-1/2001) incidente sobre obras publicitárias veiculadas na Internet ... 355

Vinícius Alves Portela Martins 1. Introdução ... 355

2. O pragmatismo jurídico: noções gerais ... 357

2.1. Pragmatismo jurídico e direito tributário ... 361

3. O papel das CIDEs no ordenamento jurídico brasileiro e a Condecine Licença (art. 32, I da MP 2.228-1/2001) ... 363

3.1. A contribuição para o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional – Condecine Licença (art. 32, I da MP 2.228-1/2001) ... 366

4. Novos parâmetros de análise da incidência da CIDE/Condecine sobre obras publicitárias destinada ao mercado de internet (alteração da IN 95/2011 da Ancine) à luz do pragmatismo jurídico ... 368

4.1. Críticas tradicionais à incidência: possíveis violações à legalidade e à igualdade/capacidade contributiva ... 369

4.2. Análise pragmática da tributação ... 373

5. Conclusão ... 376

Referências bibliográficas... 378

Prestação temporária de serviço de energia elétrica por órgão ou entidade da administração pública federal – regime jurídico aplicável ... 381

Vládia Viana Regis 1. Introdução ... 381

2. O serviço público de energia elétrica no Direito Administrativo Brasileiro ... 384

3. A natureza jurídica da prestação temporária de serviço público de energia elétrica ... 386

4. Do regime jurídico aplicável às prestadoras temporárias de serviço público de energia elétrica ou responsáveis ... 389

5. Conclusão ... 395

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Carlos Ari Sundfeld1

Guilherme Jardim Jurksaitis2

O direito público está na pauta dos principais jornais. Seus personagens são atores importantes nos grandes debates e suas instituições estão cada vez mais presentes no imaginário coletivo. O direito privado perdeu sua hegemonia como ramo fundamental do direito. Sinal disso é a mudança já não tão recente na nomenclatura do Decreto-Lei 4.657, de 1942, que dei-xou de ser a Lei de Introdução ao Código Civil para ser a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (redação dada pela Lei Federal 12.376, de 2010).

Mas a mudança foi só no nome, pois o conteúdo continuou tratando da aplicação da lei no tempo e no espaço e de mais uma ou outra regra de interpretação. Detalhe: a assim chamada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é, na verdade, um Decreto-Lei. Ato de autoridade, tomado pelo Chefe do Poder Executivo no auge da ditadura varguista. A Democracia e a Constituição Federal não conseguiram superar essa heran-ça, apesar da supressão desse tipo normativo.

É verdade que a substituição de um nome por outro teve ao menos um efeito prático: o de corrigir a distorção comum entre os operadores do direito quanto à matriz do ordenamento. Como alertava Geraldo Ataliba no agora distante ano de 1992: “a maioria dos estudantes – mesmo os já graduados – supõe que a lei geral de aplicação de normas jurídicas (entre nós impropriamente designada Lei de Introdução ao Código Civil) é de di-reito privado, levando ao equívoco de pensar que o didi-reito civil é matriz do

1 Professor Titular da FGV Direito SP, Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP.

2 Professor do Programa de Pós-Graduação da FGV Direito SP, Coordenador de Direito Administrativo da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP.

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direito”3. E não é. Ao contrário, há amplíssimo espectro de relações

jurídi-cas tratadas por normas que estão fora do direito privado, especialmente nos casos que envolvem a administração pública.

Embora a Constituição de 1988 e o extenso conjunto de atos nor-mativos que a seguiu (leis, decretos e regulamentos) tenham conferido maior densidade aos institutos de direito público, ainda falta uma norma uniformizadora dos preceitos gerais que devem reger a sua aplicação para regular melhor tanto a atuação da administração quanto a relação dela com os administrados.

O direito público sente falta de uma Lei de Introdução.

Com o intuito de preencher esse vácuo, foi apresentado no Senado Federal o Projeto de Lei 349/2015,4 que pretende introduzir dez novos

artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. De iniciativa do senador Antonio Anastasia, o projeto busca conferir mais segurança jurídica, estabilidade e previsibilidade ao direito público.

E o que os Tribunais de Contas, e os órgãos de controle em geral, têm a ver com isso? Afora tratarem cotidianamente com a administração pú-blica, essas entidades assumiram nos últimos anos o papel de construto-res ativos do direito público. Passaram a estabelecer deveconstruto-res, padrões de comportamento e comandos concretos de conduta às entidades estatais, aos gestores públicos e aos particulares que se relacionam mais estreita-mente com eles.

O Projeto de Lei reconhece esse protagonismo e quer torná-lo mais eficiente e efetivo. É preciso então enfrentar aquela que talvez seja a prin-cipal crítica à atuação proeminente dos órgãos de controle, segundo a qual os controladores teriam assumido o lugar dos gestores públicos na formulação de políticas e na própria condução da máquina estatal, trazen-do enorme instabilidade.

Superar essa crítica envolve ter cuidado com decisões tomadas com base em princípios, em valores jurídicos abstratos, que, não obstante, pro-duzem claros efeitos concretos. O fato de o direito positivo prestigiar o uso dos princípios, e prever normas suficientemente abertas, de modo que os intérpretes possam deles se socorrer em determinadas situações, im-põe aos órgãos de controle um ônus de motivação mais elevado.

3 Prefácio de Geraldo Ataliba à primeira edição do livro Fundamentos de Direito Público, de Carlos Ari Sundfeld, São Paulo, Malheiros, 1992.

4 Por ocasião da elaboração deste artigo, considerou-se o parecer submetido à Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal pela senadora Simone Teb-et. O referido parecer propôs pequenas mudanças na redação e na numeração do projeto originalmente apresentado pelo senador Antonio Anastasia. O andamento e o texto integral atualizados do Projeto de Lei estão disponíveis em: [http://www25. senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120664], Acesso em: 9 dez. 2016.

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Não basta dizer qual é o direito, qual é o princípio a ser aplicado; é preciso motivar adequadamente, considerando os efeitos da decisão no caso concreto e até mesmo as possíveis soluções alternativas, cujas razões de serem preteridas devem ser ponderadas e expostas (art. 20 da Lei de Introdução, na redação do Projeto de Lei).

É assim, afinal, que decidem os administradores públicos e os formu-ladores de políticas: considerando dado problema, vislumbram possíveis soluções, tentam prever os custos e as consequências de se optar por cada uma delas e submetem o juízo final ao escrutínio público (seja através do debate parlamentar, no caso de uma lei, de consultas públicas, ou mesmo no momento em que a decisão passa a dar resultados para a população, sejam eles positivos ou não) e também ao crivo dos órgãos de controle.

Mesmo nos casos em que a decisão dos órgãos de controle for toma-da com base em regras claras, é necessário e prudente considerar, à luz do caso concreto, quais as circunstâncias fáticas que se apresentaram no momento da prática do ato examinado. Isso significa avaliar a situação à luz de suas peculiaridades, das informações de que, à época, dispunha o administrador (e eventualmente o particular envolvido), dos respectivos custos e do que se pretendia alcançar naquele momento (art. 22).

Agir de modo diferente, ignorando essa realidade, é simplificar a fun-ção administrativa e diminuir a dos órgãos de controle a ponto de equi-pará-las ao trabalho dos analistas esportivos em mesas-redondas após a partida de futebol. Depois da partida, fazer críticas aos jogadores, e com mais vigor e graça, aos juízes desportivos, é muito mais fácil do que parti-cipar ativamente do jogo.

Além disso, as orientações dos órgãos de controle devem ser sufi-cientemente claras, especialmente em caso de mudanças. Os adminis-tradores públicos e os particulares que se relacionam mais estreitamente com a administração devem saber como pensam os órgãos de controle, sobretudo quando mudam de ideia sobre alguma lei, ato administrativo ou prática de gestão, e ter a oportunidade de se adaptar por meio de uma transição adequada (art. 23).

Outro passo importante para trazer estabilidade à atuação dos gesto-res públicos e às relações travadas entre a administração e os particulagesto-res é proteger a validade dos atos estatais em face de mudanças de orienta-ção dos órgãos de controle. Interpretaorienta-ção nova não pode prejudicar atos praticados anteriormente (art. 24).

Igualmente, não se mostra acertado punir pessoalmente o gestor pú-blico porque agiu de acordo com interpretação razoável de norma legal, ainda que posteriormente considerada equivocada. Não podem cair nas costas do gestor as consequências do risco de falhar e as consequências

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da incerteza do direito (por acaso, juiz que tem sua sentença revertida por Tribunal Superior deveria ser punido?). Do contrário, temeroso das consequências, o administrador abre mão de agir e deixa de inovar, prefe-rindo praticar os mesmos erros em vez de se arriscar. Evidentemente, isso não significa isentar de responsabilização aquele que age com reiterada desídia, ou em nítida afronta ao direito, mediante dolo ou erro grosseiro (art. 28).

Dos dez artigos novos que o Projeto de Lei 349/2015 pretende incluir na Lei de Introdução, destacamos aqui alguns dos que produziriam efeitos mais imediatos na atuação dos órgãos de controle.

O momento para discutir essas mudanças não poderia ser mais opor-tuno.

A superação da crise econômica exige dar mais estabilidade e se-gurança aos negócios públicos, requisitos fundamentais para recuperar a nota de crédito do país e atrair investimentos privados de qualidade.

E chegou a hora de enfrentar seriamente a crise ética. Para isso, é imperioso abandonar a crença equivocada de que mais burocracia e mais dirigismo inibem a corrupção. Estão aí os resultados da Lei 8.666/1993: o sistema de licitação aberta e com critérios de julgamento “hiperobjetivos” deu margem a maus negócios (ou alguém ainda contesta que o café ser-vido nas entidades estatais tem gosto menos aprazível do que qualquer outro no mundo, e que as canetas das repartições públicas duram menos do que as outras?) e a manobras que fogem por completo do direito pú-blico (como sói ocorrer com os “contratos guarda-chuva”, feitos com as fundações de apoio, mediante o repasse desenfreado de recursos públicos para fugir do dever de licitar e de prestar contas).

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Fernando Leal2

Um recente projeto de lei, se aprovado, promete alterar radicalmente o modo como decisões judiciais, administrativas e de órgãos controladores são justificadas no país. Arquitetado pelos professores Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques Neto, o PL 349/15 do Senado pretende lidar com “importantes fatores de distorção da atividade jurídico-decisória pública”. O mais importante deles parece ser o uso pouco parcimonioso de padrões vagos para sustentar decisões jurídicas. Impedir ou limitar de al-guma forma o recurso a termos como “interesse público”, “razoabilidade”, “moralidade” e “precaução” como razões centrais para fundamentar de-cisões é considerado movimento crucial para realizar o principal objetivo do projeto de lei: “elevar os níveis de segurança jurídica e de eficiência na criação e aplicação do direito público”.

A intenção do projeto é, sem dúvida, nobre. Se é correto o diagnósti-co feito pelo próprio Carlos Ari Sundfeld de que vivemos hoje em um “am-biente de geleia geral, em que princípios vagos podem sustentar qualquer decisão”,3 a necessidade de reduzir as incertezas produzidas pelo recurso

exclusivo a princípios vagos para fundamentar decisões é urgente. Sem mecanismos para domesticar essas incertezas, sobra subjetividade. Com isso, o processo decisório nas esferas judicial, controladora e administrati-va torna-se instável e imprevisível.

1 Esta é uma versão um pouco ampliada do texto publicado em <http://www.dire- itodoestado.com.br/colunistas/fernando-leal/considerar-as-consequencias-das-de-cisoes-resolve-uma-analise-critica-do-pl-34915>. Acesso em: 22 jul. 2016.

2 Professor da FGV Direito Rio.

3 SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio é preguiça. In: ___. Direito Administrativo Para Céticos. 2ª. ed. São Paulo: Direito GV/ Malheiros, 2014, p. 205.

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Os riscos decorrentes de um uso excessivo de princípios vagos para fundamentar decisões é um problema já mapeado.4 Decisões

administrati-vas, judiciais ou de órgãos controladores que se sustentam sobre padrões muito amplos carecem de fundamentação, seja porque raramente juízes, administradores ou controladores definem o sentido com que essas ex-pressões são empregadas, seja porque essas exex-pressões podem abraçar subdeveres colidentes em casos concretos que são simplesmente descon-siderados durante a justificação. No primeiro caso, os efeitos perversos são aumento de insegurança e desestabilização do processo decisório. Sem que se saiba, por exemplo, quais são os parâmetros de aplicação da razoabilidade, fica difícil não apenas identificar as razões de decidir do julgado como saber que tipo de orientação a decisão que se toma agora pode ter para a solução de casos futuros. No segundo caso, o recurso a um princípio vago acaba por enviesar a argumentação, já que só uma das dimensões do comando abstrato é considerada na solução do caso con-creto. O pressuposto para a sustentação dessa miopia argumentativa é a crença de que, quanto mais vago é o princípio, maior o seu potencial para produzir razões multidirecionais.

Se as duas dificuldades apontadas não são levadas a sério, a evo-cação de princípios se limita ao emprego de um recurso retórico quase sempre irrelevante para a justificação de decisões.5 Nesse contexto,

qual-quer tentativa de alteração legislativa que obrigue tomadores de decisão das esferas administrativa, controladora ou judicial a justificar melhor suas decisões, limitando diretamente ou não a invocação de padrões vagos nas suas fundamentações, é sempre bem-vinda. Esse é o objetivo buscado, por exemplo, pelo artigo 489 do Código de Processo Civil de 2015, que, em seu parágrafo primeiro, elenca os casos em que não se pode consi-derar uma decisão fundamentada e, em seu parágrafo segundo, no caso específico de “colisão entre normas”, dispõe que “o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.

O mesmo espírito de busca pelo aumento da qualidade argumentati-va das decisões inspira o Projeto de Lei 349/15 do Senado Federal. Apesar de vir em um bom momento, não está claro, porém, como o tipo de

estra-4 V., por exemplo, LEAL, Fernando. Argumentando com o sobreprincípio da digni-dade da pessoa humana. Arquivos de Direitos Humanos, v. 7, 2007, p. 49 e ss. 5 V. SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio é preguiça. In: ___. Direito Administrativo Para Céticos. 2ª ed. São Paulo: Direito GV/ Malheiros, 2014, p. 60 e ss. No caso do trabalho com princípios no Supremo Tribunal Federal, crítica nessa linha é feita por NEVES, Marcelo. Princípios e regras: do juiz Hidra ao juiz Iolau. In: COSTA, José Augusto F.; ANDRADE, José Maria Arruda; MATSUO, Alexandra Mery H. (Orgs.). Di-reito: teoria e experiência. Estudos em homenagem a Eros Roberto Grau. São Paulo: Malheiros, t. II, 2013, pp. 1149-1172.

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tégia em que o projeto investe pode contribuir para alcançar o seu princi-pal objetivo. Uma das obrigações que o projeto pretende incluir na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) é a de consideração das “consequências práticas” das alternativas decisórias que se apresen-tam a juízes, controladores ou administradores. O caput do artigo 20 que se pretende aprovar dispõe que “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem medir as  consequências práticas  da decisão”. O caput do artigo 26, por sua vez, estabelece que:

“[a] decisão que, na esfera administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso as suas  consequências  e, quando for o caso, as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional, equânime e eficiente, e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor, aos sujeitos atingidos, ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos”.

Ambos os dispositivos podem ser avaliados de duas formas básicas. Em um cenário de elevada carência argumentativa, obrigar tomadores de decisão a, ao lado de princípios vagos, considerar mais um elemento de justificação pode contribuir para o aumento da qualidade da fundamenta-ção das suas decisões. Se decisões são tomadas exclusivamente com base em padrões vagos, exigir do juiz que pense nos efeitos das alternativas decisórias que lhe são apresentadas e incorpore em seu julgamento essas reflexões deixará os resultados menos sujeitos a críticas sobre um possível déficit de justificação. Pelo menos em termos quantitativos. Recorrer a um princípio vago e discorrer sobre as consequências de alternativas de de-cisão parece, assim, melhor do que simplesmente mencionar um princípio vago.

Na verdade, seria possível até problematizar o artigo 20 por investir, no fundo, em uma redundância. Se princípios são normas com estrutura teleológica,6 a tomada de decisão com base em princípios jurídicos

deve-ria necessadeve-riamente envolver um juízo sobre os possíveis efeitos atrelados à aplicação de medidas destinadas a realizar os estados de coisas a eles vinculados. Justificar decisões com base em princípios significa, assim, re-correr invariavelmente a raciocínios consequencialistas. Nesse ponto, ao exigir que, ao aplicar princípios vagos, o decisor pense nas consequências práticas de sua decisão, o artigo 20 pode significar um simples comando

6 Para a defesa de uma relação conceitual entre princípios jurídicos e estrutura teleológica de raciocínio v. LEAL, Ziele und Autorität. Baden-Baden: Nomos, 2014, p. 196 e ss.

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para que essas normas sejam aplicadas como deveriam. Isso não é pouco na nossa realidade – ainda que não seja metodologicamente inovador.

O problema é que do aumento quantitativo de referências de argu- mentação não se infere o aumento da qualidade da justificação. Nesse as-pecto, apenas ao exigir a consideração de consequências sem estabelecer critérios para neutralizar certas dificuldades intrinsecamente relacionadas ao trabalho com efeitos de alternativas de decisão, o projeto de lei pode não ser capaz de reduzir as incertezas de processos decisórios que se sus-tentem sobre princípios vagos ou que invalidem os atos referidos no artigo 26 que se pretende incluir na Lei de Introdução. Ao contrário. Assim como do aumento quantitativo dos referenciais de argumentação os autores do projeto de lei parecem assumir o aumento da qualidade da justificação, é igualmente possível sustentar que esse aumento quantitativo, nos termos do projeto de lei, poderá aumentar os níveis de incerteza nos processos de tomada de decisão jurídica.

Trabalhar com consequências em processos de tomada de decisão jurídica envolve dois tipos distintos de incerteza.7 O primeiro se localiza na

dimensão positiva ou descritiva do raciocínio. Em tese, o que o projeto de lei sugere é que tomadores de decisão devem ser capazes de antecipar os efeitos futuros de alternativas de decisão. A questão aqui é como contro-lar essas prognoses. Se, para dizer com Luhmann, existe uma assimetria insuperável entre o futuro presente e o presente futuro,8 a validade de

argumentos consequencialistas é necessariamente dependente da confia-bilidade das prognoses feitas sobre o que acontecerá com o mundo caso um determinado curso de ação seja adotado. Por isso, a pergunta central a ser respondida neste plano de análise é: como tornar essas prognoses confiáveis, e não produtos de especulações intuitivas sobre o futuro?

O segundo tipo de incerteza diz respeito à dimensão normativa do raciocínio. Uma vez identificadas as consequências vinculadas a cada al-ternativa decisória, o tomador de decisão deve indicar um critério com base no qual ordenará as consequências para, só então, justificar a sua preferência por determinado curso de ação.9 No caso do artigo 20, não

está claro se esse critério de valoração é o princípio vago que o decisor pretende adotar ou algum outro, como segurança jurídica, igualdade ou eficiência. E, não estando claro o critério de valoração, o problema é que

7 ARGUELHES, Diego Werneck e LEAL, Fernando. Pragmatismo como [Meta]Teo-ria da Decisão Judicial: Caracterização, Estratégias e Implicações. In: Daniel Sarmen-to (Org.). Filosofia e Teoria Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 190.

8 LUHMANN, Niklas. Selbstreferenz und Teleologie in gesellschaftstheoretischer Perspektive, Neue Hefte für Philosophie, v. 20, Göttingen, 1981, p. 6-7.

9 Sobre problemas metodológicos desse processo de valoração v. WEINBERGER, Ota. Rechtslogik. 2ª ed. Berlin: Duncker & Humblot, 1989, p. 294-295.

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o tomador de decisão segue livre para ranquear as consequências à sua maneira. Além disso, ainda que os critérios de valoração estejam fixados na lei (esses poderiam ser os casos de “proporcionalidade” e “interesses gerais” quando olhamos para o art. 26), como são termos vagos, nada impede que a indeterminação de suas prescrições reabra exatamente os problemas com os quais o PL pretende, no fundo, lidar. Finalmente, o Pro-jeto de Lei não apresenta qualquer proposta para domesticar as incertezas que possam eclodir quando diferentes critérios de valoração de estados do mundo podem sustentar decisões opostas para o mesmo caso.

Em resumo, os problemas da dimensão normativa são dois: (i) como determinar os critérios de valoração para ordenar consequências anteci-páveis (e, como um subproblema deste, determinar o sentido dos critérios de valoração aplicáveis em casos de vagueza) e (ii) como solucionar pos-síveis colisões entre critérios igualmente aplicáveis à mesma situação. No caso do artigo 26, parece ser possível extrair que, pelo menos em alguns casos, a sugestão normativa é de um juízo consequencialista às avessas: os critérios de ordenação de consequências estão fixados (proporcionalida-de, igualdade, eficiência e atendimento a interesses gerais); a partir deles, deve o tomador de decisão indicar a alternativa decisória que gera efeitos positivos para promovê-los. Mas, se este é o caso, não está claro como a consideração de consequências não reabre exatamente os problemas que o caput do artigo 20 pretende combater. Para valorar estados do mundo com base, por exemplo, em proporcionaldiade ou interesses gerais, é pre-ciso que se determine o significado dessas expressões. Sem isso, a escolha pelas alternativas decisórias segue cercada de indeterminação.

Se as incertezas típicas das dimensões positiva e normativa de uma decisão orientada em consequências não devem ser descartadas, a sim-ples exigência de considerar os efeitos de alternativas decisórias, mais uma vez, não parece suficiente para reduzir ou manter sob níveis adminis-tráveis as incertezas subjacentes à tomada de decisão jurídica nas esferas administrativa, controladora ou judicial. É certo que essa desconfiança não afeta a importância de se buscar alternativas para lidar com o recurso pouco parcimonioso a princípios vagos na justificação de decisões. No en-tanto, se o antídoto em que se aposta é a consideração de consequências, o projeto de lei poderia incluir disposições que almejassem neutralizar al-gumas das dificuldades apontadas.

O PL 349 poderia, por exemplo, exigir que tomadores de decisão re-corressem, sempre que possível, a dados ou juízos técnicos para susten-tar as suas prognoses (algo presente, de alguma forma, na proposta de redação do artigo 27); estabelecer regras de ônus de prova e determinar que resultado deveria ser privilegiado em cenários de plena incerteza ou ignorância sobre o futuro (regras de deferência institucional ou de manu-tenção do mundo “como está”, por exemplo); obrigar o tomador de

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são a selecionar critérios jurídicos para a ordenação de consequências e a justificar sua preferência por certa alternativa decisória em casos em que critérios diferentes possam ser aplicáveis; impor o ônus de determinação do sentido dos critérios de valoração utilizados para ordenar estados do mundo; criar regras de parada para a consideração de cadeias de conse-quências, ou argumentos do tipo “efeito dominó”, e prever mecanismos de vinculação para a solução de casos futuros. Esses são apenas possíveis caminhos para que, colocando em termos consequencialistas, o Projeto de Lei possa, se aprovado, produzir com maior probabilidade os efeitos que almeja no direito público brasileiro.

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eferênciAs bibliográficAs

ARGUELHES, Diego Werneck; e LEAL, Fernando. Pragmatismo como [Meta]Teoria da Decisão Judicial: Caracterização, Estratégias e Implica-ções. In: Daniel Sarmento (Org.). Filosofia e Teoria Constitucional Contem-porânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp. 171-211.

LEAL, Fernando. Argumentando com o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana. Arquivos de Direitos Humanos, v. 7, 2007, pp. 41-67. ______. Ziele und Autorität. Baden-Baden: Nomos, 2014.

LUHMANN, Niklas. Selbstreferenz und Teleologie in gesellschaftstheoretis-cher Perspektive, Neue Hefte für Philosophie, v. 20, Göttingen, 1981, p. 1-30. NEVES, Marcelo. Princípios e regras: do juiz Hidra ao juiz Iolau. In: COSTA, José Augusto F.; ANDRADE, José Maria Arruda; MATSUO, Alexandra Mery H. (Orgs.). Direito: teoria e experiência. Estudos em homenagem a Eros Roberto Grau. São Paulo: Malheiros, t. II, 2013, pp. 1149-1172.

SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio é preguiça. In: ___. Direito Administrativo Para Céticos. 2ª ed. São Paulo: Direito GV/ Malheiros, 2014, pp. 205-229. WEINBERGER, Ota. Rechtslogik. 2ª ed. Berlin: Duncker & Humblot, 1989.

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O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) apresentou, no Senado, o Pro-jeto de Lei 349/2015, com o propósito de acrescentar alguns artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil). O projeto de lei possui pedigree acadêmico: decorre de sugestão advinda do professor Carlos Ari Sundfeld (FGV-SP) e do profes-sor Floriano de Azevedo Marques Neto (USP). Dez novos artigos seriam introduzidos na LINDB. A proposta consagra um conjunto de normas de direito público e de exegese juspublicística. Há desde exigências para o cumprimento do dever de motivação (ele seria cumprido indicando-se a necessidade e a adequação da medida, inclusive em face de possíveis al-ternativas [art. 20, § único]), passando por exigência de constituição de regimes de transição quando da constituição de novos estados de direito (art. 22), e chegando, até, à criação de ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste ou norma administrativa (art. 24), de regime equiva-lente ao da ação civil pública.

Pois bem. Considerando o evento acadêmico de que este livro é resul-tado, destacaria, dentre os dez artigos, o artigo 20 – o primeiro do projeto –, que parece ilustrativo dos méritos e impossibilidades da proposta.2 Diz

1 Professor adjunto de Direito Administrativo da UERJ. Professor da UVA (RJ). Doutor e mestre em Direito Público pela UERJ. LLM por Harvard. Procurador do estado e advogado.

2 Faço referência, no título, ao “projeto do Carlos Ari”, mas sei que, em sua gênese, ele conta com a contribuição do professor Floriano de Azevedo Marques Neto. Men-ciono Carlos Ari porque estive na mesa de debates junto com o professor titular da FGV-SP no evento para o qual redijo este breve texto.

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ele, em seu caput, que “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem medir as con-sequências práticas da decisão”.3

Ou seja: caso o projeto se torne lei com a redação de seu art. 20, caput, haveria um dever específico para a motivação administrativa e ju-dicial. Sob a provável pena de nulidade da decisão (o projeto não diz, mas a conclusão é óbvia), a sentença, o acórdão, a decisão da corte de contas, haveria que “medir” as “consequências práticas da decisão”. A decisão até poderia se valer de “valores jurídicos abstratos”, desde que medisse as consequências daquilo que estivesse pretendendo alterar ou manter no mundo.

Há dois futuros possíveis para o art. 20, caput, do projeto. A eles.4

2. o

primeirofuturo

:

A trAnsformAçãodA AtuAção AdministrAtivA e judiciAl

O primeiro futuro seria o resultado ótimo da lei. Nele, autoridades não de-cidiriam o que quisessem, fundamentando a decisão em algum princípio da nova estação. O cenário seria menos ativista do que o atual: se julgado-res estiverem vinculados à consideração e à medição das consequências práticas de suas decisões, o resultado será provavelmente menos revolto – para o bem e para o mal – do que o dos dias de hoje.

Há, no entanto, dificuldades para se crer em tal futuro. A primeira é que ele consagra a hipótese em que autoridades interpretativas abdicam de poderes por meio de interpretação de lei. Ora, foi justamente pela in-terpretação das leis, dos regulamentos e das constituições que o estado atual de coisas, pan-principiológico e ultra-ativista, consagrou-se. Em uma analogia singela, seria como pretender curar um alcoólatra com um remé-dio à base de cachaça.

E não é apenas isso: embora leis modernas adotem técnicas de em-poderamento das autoridades decisórias (normas-quadro, conceitos in-determinados etc.), o fato é que não foi somente por isso – e talvez nem especialmente por isso – que se chegou até aqui. Leis ajudam ou

atrapa-3 O projeto de lei, na sua redação original (ele recebeu algumas emendas, sem perder a substância, na revisão da senadora Simone Tebet), expõe sua filosofia a partir da utilização de certas palavras. Assim, por exemplo, a palavra “consequência” aparece duas vezes (no art. 20 e no art. 26); há, ainda, uso da expressão “consequên-cias práticas” (art. 20, caput) e “circunstân“consequên-cias práticas” (art. 21, § único).

4 Estou tomando o art. 20, caput, que me parece a norma mais significativa da proposta, como metonímia para o projeto de lei. Em todo caso, muitas das consider-ações aqui lançadas podem ser aplicadas às demais alterconsider-ações.

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Doisfuturos (emeio) paraoprojetoDeleiDo Carlos ari 33

lham, mas o que se tem é uma cultura de empoderamento simbólico de tecnoburocracias, em especial aquelas ligadas ao mundo do direito. Não é só porque a constituição fala em “melhor interesse da criança” que se criou um Ministério Público paternalista. É, antes disso, porque o promotor se percebe como alguém melhor do que o legislador, o administrador, os pais da criança. E culturas não se mudam apenas por meio de leis (mais sobre isso à frente).

Há, ainda, dificuldades técnicas de diversas ordens. Uma lei que exige, como condição de validade da decisão, a medição de consequências, car-reia problemas quase insolucionáveis sobre (i) o que são consequências práticas, (ii) como elas podem ser expressas em unidades que permitam alguma comparação entre elas, (iii) qual será o critério que orientará essa métrica. Em outras palavras: exigir a medição de consequências práticas traz problemas de prognose, de comensurabilidade, de axiologia. Quem sabe seja, a pretexto de limitá-las, exigir demais – e daí necessariamente confiar demais – nas autoridades decisórias.

3. o

segundo futuro

:

AretóricAdAs consequênciAs O segundo futuro é mais provável do que o primeiro. É o futuro do cum-primento insincero desta nova Lei de Introdução. O art. 20, caput, não traria dever real de medição das consequências práticas da decisão, mas dever de utilização de uma retórica de consequências. Desse modo, o co-mando não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem medir as consequências práticas da decisão seria lido como não se decidirá sem incorporar, à gramática da decisão, alguma cogitação sobre consequên-cias práticas. Aqui, a norma não gera controle da decisão, mas provoca a alteração do estilo da decisão.

Este cenário, que não é transformador, é provável porque, em cer-ta medida, já é realidade. Nocer-ta-se que, em algumas decisões, o STF, por exemplo, vem flertando com certo consequencialismo genérico. Na famo-sa decisão do habeas corpus 124306, o voto que alcançou a maioria da Primeira Turma, do ministro Luís Roberto Barroso, considerou as conse-quências práticas de se manter a proibição do aborto até o terceiro mês de gravidez.

E é provável porque não só mantém o poder junto às autoridades decisórias, mas também porque supera as dificuldades técnicas de um consequencialismo consequente (afinal, bastaria mencionar consequên- cias, e não identificá-las, medi-las, compará-las). Além disso, ele respon-de à necessidacias, e não identificá-las, medi-las, compará-las). Além disso, ele respon-de, típica da prática do direito, por novidacias, e não identificá-las, medi-las, compará-las). Além disso, ele respon-des irrelevantes. Se, ontem, a tendência era a ponderação, a proporcionalidade, Alexy e a

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Alemanha, hoje, talvez, o must seja o pragmatismo, o consequencialismo, Posner e os Estados Unidos. Vai-se a ponderação, entra o pragmatismo; fica, em todo caso, o decisionismo.

4. e

ncerrAmento

:

omeio futuro

:

inclinAçõesprAgmáticAs e mudAnçAsde culturA

Mas talvez o futuro, assim como a verdade, esteja no meio. Nem uma transformação autoabdicante de poderes, nem o inócuo acréscimo da pa-lavra “consequências” às fundamentações. Um cenário de primeiro passo; de inclinações pragmáticas que testam caminhos.

Mudar a gramática do direito é mudar – um pouco – o mundo das decisões. O art. 20 do projeto talvez não tenha plena efetividade (isto é, não creio no primeiro futuro). A despeito disso, ele é importante, mais do que sugere o segundo cenário, pelo que sinaliza. O juiz que buscar “con-sequências práticas” para fundamentar seu decisionismo estará sendo educado e constrangido por uma nova gramática. Além disso, uma coisa é discutir, à luz da decisão de licenciar o empreendimento, a “dimensão objetiva do direito fundamental à dignidade da pessoa humana enquanto dever de proteção”; outra é discutir se o estado de coisas A (“os peixes vão morrer na lagoa”) é preferível ao estado de coisas B (“a hidrelétrica não será construída e provavelmente faltará energia na região”). Conse-quências práticas podem ser muitas coisas, mas são menos coisas do que, por exemplo, a vis expansiva dos direitos fundamentais ou a dignidade da pessoa humana.

Por isso, deve-se saudar o consequencialismo decisório de que o art. 20, caput, da LINDB alterada, promete ser expressão legislativa: se de fato culturas não mudam por leis, leis podem sinalizar zeitgeists e indicar cami-nhos. Oxalá a consequência desse projeto de lei seja o fato de as autorida-des brasileiras serem obrigadas a pensar nas consequências de seus atos.

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O presente estudo tem por objetivo analisar o fenômeno UBER e seu efei-to disruptivo sobre a regulação dos serviços de transporte individual de passageiros. O caso é especialmente interessante porque nele se apresen-ta toda a complexidade do processo regulatório, inclusive a resistência dos taxistas – participantes exclusivos, até então, do mercado de transpor-te individual de passageiros – diantranspor-te da ampliação da oferta de serviços similares por terceiros, viabilizada em razão do surgimento de inovação tecnológica que permite o compartilhamento eletrônico de informações e do desenvolvimento de um novo modelo de negócios, que tem sido deno-minado de economia compartilhada (sharing economy).2

1 Professor Titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Univer-sidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Doutor e Mestre em Direito Público, UERJ. Master of Laws (LL.M.), Yale Law School (EUA). Professor Emérito da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro e Advogado.

2 Os estudos iniciais de “economia compartilhada” começam a ganhar destaque em 1978 com o trabalho de FELSON, Marcus & SPAETH, Joe L., Community Structure and Collaborative Consumption: a routine activity approach. In: American Behavioral Scientist, vol. 21, nº 4, Março/Abril, 1978, pp. 614,624. Os autores se referem a atos de “consumo colaborativo” para designar “eventos nos quais uma ou mais pessoas consomem bens ou serviços em um processo econômico de se engajar em atividades comuns.” (Ibid., p. 614).

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O fenômeno UBER será a seguir exposto como um estudo de caso. De acordo com a Constituição brasileira de 1988, a União tem competência privativa para legislar sobre “diretrizes da política nacional de transportes” e “trânsito e transporte” (art. 22, IX e XI). Nesse sentido, foram editadas a Lei federal n° 12.587/2012, que trata da Política Nacional de Mobilidade Urbana, e a Lei federal n° 12.468/2011, que regulamenta a profissão de taxista. Em ambas as leis, há a previsão de que a “a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros” é privativa de taxistas.

O mercado de táxis opera em três segmentos: (i) o segmento de pontos de táxi, conhecido na literatura internacional como taxi rank; (ii) o segmento de rua, chamado de hailing; e (iii) o segmento porta a porta, também conhecido como pre-booking, taxi-booking ou phone booking, no qual também operam os provedores de serviços de caronas pagas.3 A

prevalência de cada modalidade do serviço varia de cidade para cidade ao redor do mundo. Em geral, centros urbanos densamente povoados, como Rio de Janeiro e São Paulo, apresentam grande proporção de táxis dos dois primeiros segmentos, ao passo que cidades com menos habitantes, como municípios do interior do país, tendem a ser dominadas pela moda-lidade porta a porta.

Tradicionalmente, a racionalidade regulatória do serviço de táxi é apresentada a partir de quatro principais preocupações: (i) redução da assimetria de informação (dados os altos custos de transação envolvidos na identificação e na escolha pelo usuário do seu transportador); (ii) ga-rantia de segurança na atividade; (iii) melhoria na qualidade do serviço; e (iv) controle de externalidades negativas (poluição ambiental e conges-tionamento urbano).4 Informado por tais objetivos, o Poder Público tem

historicamente submetido o mercado de táxi a um intenso controle

re-3 V. Organization for economic Cooperation and Development (OECD). Competi-tion Committee. Taxi Services RegulaCompeti-tion and CompetiCompeti-tion. Roundtables on Compe-tition Policy nº 81, Paris, Out. 2007, p. 18: “Taxis are small passenger vehicles provid-ing point-to-point personal transport services. In this general context, the taxi market can be further divided into three broad categories: the rank, hail and prebooked mar-kets. Taxi ranks are designated places at which taxis may queue to await passengers, and vice versa. Passengers are generally expected to take the first cab at a rank. The hail market comprises situations in which consumers hail a cruising taxi on the street. In the pre-booked a market, consumers telephone for a taxi, whether for immediate dispatch or for dispatch at a later time”.

4 V. GWILLIAM, Kenneth M. Regulation of Taxi Markets in Developing Countries: Issues and Options. Transport Notes, Urban Transport Thematic Group, The World Bank, Washington/DC, No. TRN-3, fev. 2005. Disponível em: http://www.taxi-library. org/trn-3_taxi_reg.pdf. Acesso em: 1 out. 2015.. V., tb., RANKENA, Mark W; PAUT-LER, Paul A. An Economic Analysis of Taxicab Regulation. U.S. Federal Trade Com-mission, 1984. Disponível em: <https://www.ftc.gov/sites/ default/files/documents/ reports/economic-analysis-taxicab-regulation/23832.pdf>. Acesso em: 1 out. 2015.

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ObsOlescênciaregulatóriapOrefeitOdeinOvaçõestecnOlógicas: vaideuberOudetáxi? 37

gulatório, marcado que é pela disciplina jurídica de variáveis econômicas centrais para o exercício da atividade, tais como entrada, preço, qualidade e segurança. É nesse sentido que o serviço de táxi configura uma modali-dade de transporte público individual de passageiros, isto é, uma ativisegurança. É nesse sentido que o serviço de táxi configura uma modali-dade econômica em sentido estrito, sujeita a intensa regulação estatal, mas não um típico serviço público, como são os diferentes modais de transporte público coletivo de passageiros.

A fiscalização de entrada é apresentada como medida voltada a re-duzir o impacto de externalidades negativas (pelo controle do volume de tráfego urbano e dos níveis de poluição ambiental) e a garantir a seguran-ça de usuários e terceiros (ao permitir a verificação da habilitação técnica e da idoneidade moral dos condutores, além das condições de funciona-mento dos veículos). O tabelafunciona-mento de preços volta a mitigar as assime-trias de informação e os altos custos de transação que oneram o usuário do serviço.5 Já os indicadores de performance buscam otimizar a

qualida-de do serviço e a segurança no exercício da atividaqualida-de, estipulando, por exemplo, tempo máximo de rodagem dos automóveis, testes periódicos do veículo, regularidade do taxímetro, identificações no automóvel, verifi-cação rotineira de antecedentes criminais do motorista, exames médicos, limites de idade, entre outros requisitos.

Em virtude da natureza pública do transporte de passageiros realiza-do pelos taxistas, as questões fundamentais que constituem o objeto de controvérsia estão postas da seguinte forma: o transporte privado indi-vidual de passageiros, não sujeito à outorga de autorizações específicas pelo Poder Público, é proibido pela legislação brasileira? Uma lei ordiná-ria podeordiná-ria instituir o monopólio dessa atividade econômica? É possível interpretar normas regulatórias infraconstitucionais em sentido contrário aos princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e da liberdade de exercício profissional? Quais as consequências jurídicas, sobre os marcos regulatórios até então vigentes, da superação empírica, pelos próprios mercados regulados, de antigas falhas que justificaram a in-tervenção estatal original? É possível falar-se numa verdadeira regulação disruptiva produzida pelo fenômeno UBER?

5 Como explicam Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo e Eduardo Frade Rodrigues, “o consumidor que busca um táxi normalmente não tem condições de pesquisar adequadamente os melhores preços e serviços disponíveis, como se estivesse tran-sitando por lojas em um shopping center. Como não sabem quando outro táxi irá passar nem quanto esse outro motorista irá lhe cobrar, os potenciais passageiros dificilmente rejeitam o primeiro táxi que lhes é oferecido. Tal condição é ainda mais agravada no caso, por exemplo, de turistas, que não conhecem a cidade e seus serviços de táxi, ou na ocorrência de condições climáticas adversas”. V. RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert & RODRIGUES, Eduardo Frade. Proporcionalidade e mel-hora regulatória: a regulação dos serviços de táxi. In: Revista do IBRAC, nº 22, 2013, p. 287.

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TransformaçõesdodireiToadminisTraTivo: ConsequenCialismoeesTraTégias

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2. A

nAturezAdAregulAçãodoserviço de trAnsporte individuAl depAssAgeiros

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istinções emrelAção Aosserviços de trAnsportecoletivo depAssAgeiros

,

verdAdeiros serviços públicos

Em primeiro lugar, impõe-se reconhecer que a atividade de prestação do serviço de transporte individual de passageiros, quando tomada em sentido amplo, não é exclusiva de taxistas. Enquanto a Lei n° 12.468/2011 se destina apenas a quem detém a condição jurídica de taxista, a Lei n° 12.587/2012, por sua vez, estabelece as diretrizes normativas que norteiam as políticas públicas para o setor, que incluem, de forma clara, os meios privados de transporte de passageiros no âmbito das políticas públicas para o transporte urbano (arts. 3°, §2°, III, e 4°, I). Esse segundo diploma legislativo, de escopo mais amplo que o primeiro, tem o claro objetivo de maximizar a disponibilidade e o acesso da população a meios de transpor-te individuais e privados.

Em segundo lugar, sob o prisma constitucional, a atividade de pres-tação do serviço de transporte individual de passageiros é atividade eco-nômica em sentido estrito, e não serviço público, como as atividades de transporte coletivo. Dessa forma, a lei ordinária não poderia validamente criar um novo monopólio de atividade econômica, além daqueles já com-preendidos na Constituição Federal (CF, art. 177). Reputa-se, portanto, in-constitucional qualquer interpretação das leis citadas acima no sentido da existência de um monopólio legal em favor dos taxistas.6 De outro lado,

ainda que se admita a disciplina legal do serviço de táxi como serviço público (o que nos parece uma opção jurídica válida), ele jamais poderia ser exclusivo, porque ausente qualquer razão legítima a justificar a veda-ção à exploraexclusivo, porque ausente qualquer razão legítima a justificar a veda-ção do transporte individual de passageiros como atividade econômica (assimetria regulatória). Eventual lei que instituísse a aludida exclusividade criaria hipótese odiosa e inconstitucional de restrição regu-latória à livre concorrência.7

No âmbito dos serviços públicos típicos, todavia, as escolhas regula-tórias ganham complexidade. É que os serviços públicos estão diretamen-te vinculados à satisfação de direitos fundamentais8 e envolvem vetores

6 V., a propósito, o parecer de Daniel Sarmento, cujas conclusões coincidem com as afirmações ora expostas: SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de Passageiros: O ‘caso Uber’. Parecer. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jul-15/aplicativo-uber-nao-fere-leis-brasilei-ras>. Acesso em: 15 jul. 2015.

7 Sobre o tema, v. JORDÃO, Eduardo Ferreira. Restrições regulatórias à concor-rência. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

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Tabela 1. Lista dos 91 acórdãos excluídos no processo de seleção.
Tabela 2. Amostra dos 21 acórdãos analisados – por entidade reguladora  e assunto.

Referências

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