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5. TRAJECTOS PROFISSIOnAIS

5.4 a DisPOsiçãO Para trabalhar

Pelo que atrás tem sido referido, percebe-se que os recursos escolares dos jovens são estruturantes das suas trajectórias profissionais. Concluiu-se que a pertença dos entrevistados às diferentes categorias pro- fissionais é influenciada pelo grau de escolaridade, quer no conjunto do percurso ocupacional, quer no que concerne à última actividade desempenhada.

As disposições e habilitações escolares determinam em grande parte os espaços profissionais percorridos pelos jovens. O gosto pelo desempenho de uma profissão e as oportunidades variam de acordo com o nível de ensino atingido, duas questões estrutural e fenomenologicamente entrelaçadas. Como já foi referido noutro ponto, gosta-se daquilo de que se pode gostar, aspira-se alcançar aquilo que é possível (Mateus, 2002). Pelo menos, numa perspectiva realista. As oportunidades profissionais dependem da calibragem disposicional acumulada na escola e da certificação formal decorrente da frequência desta. Se o mercado de trabalho for visualizado como um conjunto de profissões distribuídas verticalmente, segundo uma ordem hierárquica, é fácil perceber que a latitude em que os jovens ingressam nesse mercado e a amplitude das suas trajectórias no interior desse contexto dependem em muito do volume de capital escolar detido. As trajectórias percorridas nesses dois campos são, portanto, tendencialmente homólogas.

quanto mais escolarizados são os jovens, maiores possibilidades têm de escapar às profissões mais desvalori- zadas do sector secundário ou do sector dos serviços, e menor é a atracção que tais ocupações exercem. Os jovens com níveis escolares menos elevados têm de se conformar com as ocupações que são indesejadas pelos que caminharam um pouco mais longe na escolaridade. A conformação com um destino profissional surge, porém, no discurso destes jovens, como uma escolha – ou, simplesmente, como uma casualidade. na escola valoriza-se a inteligência e a capacidade intelectual. não é por isso de admirar que os estudantes que mais (de)graus escolares conseguiram percorrer sejam reconhecidos como os mais aptos a desempenhar actividades entendidas como mais exigentes do ponto de vista intelectual e socialmente mais valorizadas, correspondendo, na conceptualização de Reich (1991), aos “analistas simbólicos”. Por seu lado, os jovens que na escola pouco capitalizaram e a abandonaram precocemente ficaram destinados a exercer activida- des de conteúdo mais confinado, simbólica e materialmente menos valorizadas.

Em termos gerais, o posicionamento no espaço profissional é definido pelo capital escolar, mas este recurso não é o único factor decisivo na determinação das trajectórias laborais, pois o tipo de profissões desempe- nhadas por jovens com níveis de escolaridade semelhantes tende a variar também de acordo com o sexo.

no caso dos que trabalham em actividades administrativas, a frequência do ensino secundário e as dispo- sições que lhe estão inerentes parecem ser decisivas no acesso a essa latitude do mercado de trabalho. Já no que respeita às ocupações de índole operária, por um lado, e de serviços pessoais pouco valorizados, por outro, registam uma nítida segregação de género, sendo as primeiras desempenhadas por rapazes e as segundas por raparigas. A natureza das funções desempenhadas e as disposições de género aparecem intensa e estruturalmente correlacionadas. As actividades de natureza administrativa são essencialmente exercidas por jovens que pelo menos frequentaram o ensino secundário. Veja-se, porém, que o tipo de fun- ções levadas a cabo por homens e mulheres tende a diferenciar-se: as mulheres são quase todas recepcio- nistas e secretárias; os homens trabalham, muitos deles como fiéis, conferentes e auxiliares de armazém. O peso numérico das mulheres é evidente entre o pessoal dos serviços, e o tipo de profissões que elas desem- penham é significativo – empregadas de balcão, de mesa, cozinheiras, vigilantes de crianças, actividades análogas às desempenhadas pela mulher no contexto doméstico. Entre os homens, encontram-se sobretudo vendedores. É igualmente interessante verificar a inexistência de qualquer mulher entre os operários, artífices e trabalhadores similares, bem como no grupo dos operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem – grupos profissionais onde trabalha um número significativo de jovens do sexo masculino. Enquanto os homens tendem a sentir-se atraídos por actividades onde a desenvoltura manual e a força física são valorizadas, as mulheres afastam-se desse tipo de trabalho porque este invoca disposições e competên- cias estranhas ao seu habitus feminino. no trabalho actualiza-se e reproduz-se a identidade de género. não há dúvida de que o lugar estrutural ocupado no mercado de trabalho decorre do volume de capital escolar que detêm. Mas a forma como esse recurso se torna estruturante no campo laboral varia em função do sexo. neste sentido, as trajectórias profissionais destes jovens tornam-se inteligíveis do ponto de vista analítico através do cruzamento das duas variáveis mencionadas. E nesse cruzamento, o sexo dos jovens enforma o modo como os recursos escolares se tornam operativos no campo do trabalho. Aliás, tendo em linha de conta que nenhum dos entrevistados concluiu o ensino secundário, o poder estruturante do capital escolar na definição dos seus destinos profissionais é relativamente limitado. Já as disposições de género são bastante operativas a este nível. São operativas, não porque traçam objectivos ou sonhos profissio- nais, mas na medida em que naturalizam os processos de procura de emprego e o exercício de uma profis- são. Os homens e as mulheres tendem a aproximar-se de actividades funcionalmente adequadas às suas disposições de género. não interessa qual é concretamente a profissão a exercer, mas sim a natureza das funções a ela associadas.

Destituídos de títulos e saberes académicos, grande parte dos entrevistados iniciaram a sua trajectória profissional sem estarem formal ou tecnicamente preparados para o desempenho de actividades especí-

ficas. As disposições de classe, escolares e de género substituíram o saber pericial no papel de variável estruturante no posicionamento destes jovens no mercado de trabalho e na delimitação dos seus percursos profissionais. Foi sobretudo com base naquelas disposições que traçaram o perfil das suas trajectórias no campo do emprego.

na sua maioria, as trajectórias profissionais dos entrevistados são itinerantes, marcadas pela experimenta- ção de diversas actividades funcionalmente diferentes. Mas quer as trajectórias itinerantes quer as direccio- nadas podem assumir um sentido ascendente. Isto significa que no interior do mercado do trabalho alguns entrevistados conseguiram melhorar as suas condições laborais ou o tipo de função exercida, embora para muitos deles não se note tal melhoria de condições. na verdade, embora as trajectórias destes jovens sejam marcadas em grande medida por processos de mobilidade no interior do mercado de trabalho, a amplitu- de dessa mobilidade é relativamente diminuta. Mesmo as trajectórias itinerantes ocorrem num espaço de possibilidades profissionais pouco amplo, estruturalmente regular.

Estes jovens procuram essencialmente melhorar as suas condições de trabalho. não têm sonhos profissio- nais muito ambiciosos – até porque sabem não possuir os recursos suficientes para os alcançar. Por isso procuram acumular experiência profissional potenciadora de pequenas alterações ao nível das funções desempenhadas e das condições de trabalho. A evolução da sua posição no mercado de trabalho depende da construção de um currículo profissional com alguma solidez.

Alguns densificaram os saberes profissionais e legitimaram no plano formal a sua situação laboral através de programas de formação. Investiram nesse tipo de recursos com o intuito de se prepararem para eventuais possibilidades de mobilidade profissional. São os entrevistados com frequência do ensino secundário que se envolvem mais frequentemente nesses processos de aprendizagem. Considerando a formação promo- vida pelas entidades patronais, conclui-se que ela tem uma expressão reduzida no contexto desta amostra qualitativa, mas as empresas de maior dimensão são as que apostam de forma mais clara neste tipo de práticas – e tendem a direccionar as acções de formação para os trabalhadores mais escolarizados. Independentemente da sua dimensão, as empresas que operam no sector terciário parecem ser as que implementam com maior frequência modalidades flexíveis de contratação enquanto as do sector secundá- rio mantêm tipos de vínculos e regimes laborais de carácter permanente, ainda que não sejam necessaria- mente mais seguros. A segurança formal dos vínculos contratuais é, na prática, impotente para fazer face aos problemas económicos e competitivos das empresas ou dos estabelecimentos comerciais. É no perfil organizacional da entidade contratante que muitas vezes reside a verdadeira e recôndita precariedade de alguns postos de trabalho.

Por fim, note-se que os jovens aderem às demandas e às lógicas dos processos de flexibilização laboral, mas enquanto uns acreditam que a sujeição a estas lógicas é a única forma de garantir o posto de traba- lho numa conjuntura pouco favorável de acesso ao emprego, outros criticam a manipulação das condições de trabalho realizada pelas suas entidades patronais. Isso ocorre tanto mais quanto tais modalidades os impeçam de assegurar uma estabilidade mínima do ponto de vista dos rendimentos auferidos e dos tem- pos e modos de trabalhar, susceptíveis de lhes permitir transitarem de forma mais efectiva para uma outra fase das suas vidas, na qual consigam ser financeiramente autónomos para assumirem responsabilidades, designadamente familiares e parentais.