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4. TRAJECTOS ESCOLARES E FORMATIVOS

4.2 quanDO a EscOla nãO cOnsEGuE atrair

Tem-se vindo a referir que nas suas trajectórias escolares os entrevistados se confrontaram, quase todos, com experiências de reprovações e fracos resultados escolares. Esse é o lado objectivo, estatístico, do insucesso escolar. qual a associação entre esse tipo de aproveitamento e a forma como os entrevistados se relaciona- vam com a escola, com os seus conteúdos e com o modo como se representam enquanto alunos?

A quase totalidade dos entrevistados considera que foi um aluno/a “médio/a”, “razoável”, “nem bom nem

mau”, “assim, assim”. Esta auto-avaliação resulta da confrontação entre a capacidade que pensam ter para

aprender e o investimento que faziam na aprendizagem, isto é, embora afirmem que estavam cognitivamen- te capacitados para vingar no contexto escolar, elevar-se acima da mediania e afastar-se das classificações negativas, não tinham vontade para o fazer. Podiam ser bons alunos, mas não estavam dispostos a fazer o esforço necessário para melhorar os resultados escolares. Ora, a disposição para investir na aprendizagem escolar é em boa parte mais uma propensão para agir influenciada pelas posições sociais das famílias dos jovens, dos respectivos grupos de pertença e das disposições mentais associadas, do que uma pura vontade de acção (Bourdieu e Passeron, 1970). Esforça-se na escola e pela escola quem aprendeu deste sempre que vale a pena fazê-lo e quem está disposicionalmente mais apto a aprender. Correr por gosto não cansa. De facto, a forma como estes jovens concebiam a frequência escolar demonstra que, por não gostarem da escola e dos seus saberes (cada um dos entrevistados tinha, porém, uma ou duas disciplinas predilectas), frequentavam-na superficialmente, deslizavam nela sem penetrar no seu universo de conhecimentos e sem aspirar a ter um aproveitamento elevado na relação com esse universo.

“Era um aluno médio… só não fui muito bom aluno porque não tinha ninguém que puxasse por mim, porque eu não era muito exigente comigo próprio. Bastava passar o ano, era o quanto baste.”

Daniel, 12.° ano incompleto, telefonista no exército, 25 anos

“Era um aluno aceitável, estudava era pouco. Mas quando me aplicava até conseguia passar. nunca fui de tirar notas altas, as minhas pautas eram quase todas corridas a três, excepto às que disse que tinha dificuldade. Essas geralmente eram sempre vermelhas…”

Célio, 9.° ano completo, operador de máquina de embalar, 29 anos

“na altura ia (à escola) porque todos iam.”

Teresa, 9.° ano concluído, tarefeira, 25 anos

“nunca fiz planos do estilo ‘vou seguir economia para ser gestora no futuro’, isso não. Preo- cupava-me em passar o ano e pouco mais.”

Carolina, 9.° ano completo, empregada fabril, 22 anos

Daniel não tinha quem o incentivasse a estudar mais, deixava-se ir andando sem procurar outra coisa que não fosse passar o ano. A disposição para pouco apostar na formação escolar exprime o afastamento do aluno face à escola no presente, mas também está associada ao facto de muitos destes indivíduos não terem sonhado com uma profissão futura e assim não conceberem a escola como um meio decisivo para atingir esse tipo de metas. Aliás, quase todos os entrevistados que decidiram seguir o agrupamento de Humanida- des, quando chegaram ao ensino secundário, fizeram-no por razões estranhas à prossecução de objectivos profissionais ou à vontade de satisfazer gostos disciplinares, temáticos. Muitos dizem que optaram pela área de Humanidades para “fugir” à Matemática, outros porque não se queriam separar dos amigos.

O insucesso escolar, contudo, contribuiu para que alguns entrevistados hipotecassem sonhos profissionais, ao mostrar-lhes que o caminho para lá chegarem era demasiado exigente para eles.

“T: quando uma pessoa é mais nova acho que tem aquele sonho de vir a ser aquilo e sei lá mais o quê. Mas depois vai crescendo e vai-se conformando com a realidade. Então é ver e procurar… ‘ai é aquilo’… vês o que é melhor e contentas-te com aquilo. não tens assim agora grandes sonhos… olha eu gostava de ter sido advogada, mas não… era uma situação… só até ao meu 7.° ano eu pensava nisso, mas depois…

E: Mas porque é que aí desististe do sonho?

vendo a realidade das coisas… como isto é…

E: Afastas completamente a possibilidade de agora fazeres um esforço e… T: … Acho que sim, acho que está completamente de parte.

E: Mas porquê?

T: Eu vou-te ser sincera: eu acho que não tenho assim muita cabeça para estar na escola agora. Antes era assim… vi que não conseguia.

E: Mas não tens cabeça como?

T: não é que… se calhar não me esforço é o suficiente, mas… não sei, queria era sair e arranjar trabalho, qualquer coisa.”

Tânia, 10.° ano incompleto, desempregada (na sua última profissão trabalhou como recepcionista), 22 anos

Até ao 7.° ano, quando reprovou pela primeira vez, Tânia alimentou o desejo de ser advogada, mas o insu- cesso escolar acabou, porém, por dissuadi-la do sonho profissional; ajudou a convencê-la que esse era um objectivo cuja concretização lhe estava vedado devido às suas alegadas incapacidades intelectuais e à pou- ca vontade para nele investir. O fracasso fez com que a jovem se “conformasse com a realidade”, tornou-a realista, fê-la ver que talvez não estivesse à altura do desafio.

A capacidade para fazer face a este desafio tende a reduzir-se quando o investimento escolar diminui e o inte- resse é canalizado para um conjunto de práticas conviviais e lúdicas concorrentes com a frequência das aulas, por exemplo, “faltar às aulas para ir jogar futebol” ou para “passear”. Este tipo de relação com a escola, em que se busca acima de tudo prosseguir para o ano seguinte e no qual a dimensão convivial é hipervalorizada, fun- ciona ela mesma como fundamento do insucesso escolar e de fenómenos de desmoralização dos alunos.

“Reprovei dois anos, no 8.° e no 11.°. não diria que tinha dificuldades. naquele tempo, no 8.° ano, era mais baldas, não me aplicava muito. Depois no 11.° reprovei por dificuldade mesmo…”

Idálio, 11.° ano incompleto, montador de cortantes, 22 anos

“não me aplicava, quando começavam a aparecer as negativas no primeiro período começava a baldar-me às aulas.”

Leonardo, 9.° ano concluído, operador de máquina de imprimir, 18 anos

Mesmo os que afirmam que não sentiam dificuldades ao nível da aprendizagem, mas que reconhecem que não ocupavam muito do seu tempo a acompanhar regularmente as aulas e a estudar, acabaram por sentir dificuldades quando a exigência do ensino se avolumou. Leonardo, por seu lado, não se aplicava e as classificações negati-

vas daí decorrentes levavam-no a não se aplicar. Percebe-se a lógica marcadamente reprodutiva e dialéctica da relação entre desinteresse face à escola e insucesso escolar. O facto de um aluno se considerar a si próprio como “baldas” pode ser analiticamente conceptualizado como variável explicativa e explicada do insucesso escolar. Porém, este tipo de atitude perante a escola nem sempre decorre de um historial de insucessos ou de aprovei- tamento mediano. A forte acumulação de conhecimento em níveis iniciais de ensino, por reduzir o nível de difi- culdade dos desafios escolares que se colocam no curto prazo aos alunos que têm esse tipo de trajecto, pode também favorecer a perda de hábitos de estudo e o progressivo afastamento face às demandas escolares.

“A: A evolução foi assim: a primária foi muita boa, tive uma professora excelente, tive uma aprendizagem se calhar mais evoluída do que o normal. Cheguei ao 5.°, 6.° ano praticamente não tinha de estudar nada, a não ser Inglês, que um gajo não dá na primária. De resto estava muito à frente, praticamente não tinha de estudar nada para tirar cincos e quatros. Então fui- me habituando assim, pegava no livro meia hora antes do teste.

E: Então e no 9.°?

A: no 9.° já era três, quatros… E: Foste perdendo embalagem…

A: Pois, nunca aprendi assim a estudar.”

André, 12.° ano incompleto, vendedor, 26 anos

André não precisava de estudar porque veio bem preparado do 1.° ciclo do ensino básico, tinha as bases disposicionais bem calibradas, e esse facto permitiu-lhe viver à custa do conhecimento anteriormente incor- porado. no fundo, como ele próprio diz, “deu-se ao luxo” de deixar de trabalhar e viver do rendimento dos saberes capitalizados na “escola primária”. Habituou-se a não estudar e no 10.° ano não conseguiu transitar para o ano seguinte. Esgotados os recursos acumulados, as actividades escolares passaram a constituir-se como um desafio demasiado exigente para um aluno que não reponderou os seus métodos de estudo. O abandono (provisório) do ensino secundário foi o resultado.

Os entrevistados atrás apresentados têm em comum o facto de relacionarem o insucesso que obtiveram na escola com a alegada pouca vontade que afirmam ter tido para triunfar. Todavia, nem todos os que foram ouvidos revelam esse tipo de confiança na sua capacidade individual para ter êxito no contexto escolar.

“S: Há pessoas que têm mais facilidade de aprender, eu tinha menos de aprender, ‘tás’ a ver? Por muito que eu… estudava, estudava, estudava… eu não tinha uma pessoa que me ajudasse. Eu vinha para casa e os meus pais, coitados, tiraram a 4.a classe, já muito antiga, o 5.° ano…

eles não percebiam nada. Porque agora hoje há mais acompanhamento nas escolas. Antiga- mente não. Eu vinha para casa, estudava, estudava, era muito… a cabeça não dava para che- gar… porque precisava de um acompanhamento que me ajudasse mais, e isso não tive. E: não havia essas coisas na Escola?

S: não, nada.”

Sandra, 7.° ano concluído, empregada doméstica, 30 anos

Embora se esforçasse, Sandra não conseguia fazer face às exigências da escola. Ainda que a sua vontade lhe indicasse o caminho do estudo e do investimento escolar, não conseguia rentabilizar no mercado escolar esse esforço. Ela avança com duas razões explicativas e imbrica-as uma na outra. não estaria cognitivamente habili- tada para ter sucesso na escola, não tinha capacidade intelectual para debater-se com as dificuldades que esta instituição lhe colocava. Mas não estava habilitada porque não tinha acompanhamento em casa e na escola. A visão de Sandra afasta-se das concepções naturalistas da inteligência e aproxima-se da perspectiva sociológi- ca. A sua “cabeça não dava” porque quando necessitava “não tinha acompanhamento”. Completando a ideia, poderia acrescentar-se que o facto de os seus pais não a conseguirem ajudar num momento precoce da sua tra- jectória escolar é altamente significativo para se explicar as necessidades de acompanhamento por ela sentidas. Os fracos recursos escolares dos pais de Sandra impossibilitaram-nos de a sintonizar com os desafios escolares que tinha de enfrentar num patamar escolar iniciático e impediram que, no processo de socialização familiar, lhe fossem transmitidas disposições operativas para a sua harmonização com as exigências escolares.

Sandra chama a atenção para a questão do acompanhamento de que os alunos necessitam fora das aulas e, nomeadamente, no exterior da escola, o que remete para uma reflexão e problematização acerca da prática dos “trabalhos de casa”. De facto, um aspecto evidenciado nas entrevistas reporta para os investimentos escolares realizados em casa. Raros são os que dizem que costumavam estudar de forma continuada fora da escola e das salas de aulas, não contando com os que frequentaram explicações. Por exemplo, poucos faziam os chamados trabalhos de casa, práticas escolares de aprendizagem realizadas em contexto fami- liar. Ora, na generalidade das situações, como em capítulo anterior já se pôde constatar, os pais destes alunos são possuidores, muitos deles, de recursos escolares bastante baixos. E este tipo de disposições funciona como um duplo motivo de falência do trabalho de casa: conivência de quem pouco estudou e, fre- quentemente, valoriza pouco o estudo, com quem não tem vontade de estudar; incapacidade dos primei- ros para ajudar os segundos. Obviamente, existe uma terceira razão, mais subtil e silenciosa, que decorre da formação social das disposições de classe e a sua relação com a cultura e os objectivos da escola. no fundo, trata-se da formação da vontade de estudar (Bourdieu e Passeron, 1970; Benavente, Costa, Macha- do e outros, 1987; Sebastião, 2007). Por outro lado, poucos são os que frequentaram explicações, já que, também ao nível dos recursos económicos, são provenientes de famílias desfavorecidas.

Os trabalhos de casa contribuem, assim, para agudizar os efeitos que o lugar de classe produz no desempe- nho que os alunos têm no contexto escolar, pois o investimento que é suposto ser feito fora da escola afasta ainda mais quem lá dentro já corre em esforço e que em geral demonstra pouca vontade de correr. As estratégias pedagógicas usadas pelos professores, e questões de natureza organizacional no sistema de ensino, servem também como focos de afastamento dos alunos face ao espaço escolar, de forma mais ou menos intensa, de acordo com a maior ou menor proximidade social que eles têm com a cultura e os desígnios da escola.

“Certos e determinados professores… a maneira como nos obrigavam a estudar. Para mim é assim… um professor tem que não só ensinar a matéria, mas tem que ensinar a matéria de uma forma empática com os alunos… transmitir aquilo de alguma forma… não é despejar matéria. E quando temos professores que não sabem diferenciar uma coisa da outra… chegam ali e des- pejam matéria… quem aprendeu, aprendeu, quem não aprendeu, não aprendeu. Se calhar os marrões… aqueles que estão sempre a olhar apontam tudo… mas temos que ver que temos ali vinte ou vinte e cinco pessoas na sala e que não são todos iguais. E que uns precisam de ser cativados de uma maneira e outros de outra. não se quer com isto dizer que uma professora gosta mais de um ou de outro. Mas também não dá, numa aula com vinte e cinco alunos. As aulas são de cinquenta minutos, são dois minutos por aluno. Aqui vai também um bocado do mal do nosso sistema de ensino. Se calhar não é o melhor. Se calhar quando estamos a falar em ensino privado há uma dedicação maior…claro que ali também recebem mais. É tudo um bocadinho à volta disto.”

Francisco, 12.° ano incompleto, vendedor de automóveis, 26 anos

“O mal está no modo como os ‘prófes’ organizavam as aulas, tínhamos que dar tudo… era a única preocupação deles. quem conseguisse acompanhar conseguiu, quem não conseguis- se… azar! Era mesmo assim… depois nós, claro, éramos novos nem sequer sabíamos dar valor à escola… hoje se calhar…”

Célio, 9.° ano completo, operador de máquina de embalar, 29 anos

“Hoje em dia os professores… eu penso assim… os professores ‘tão’ lá… é assim… metem, escrevem no quadro, percebes? ninguém diz nada, apagou, continuou (…) Podiam inovar um bocadinho na maneira de darem as aulas (…) Fazer coisas novas, não estar sempre a fazer a mesma coisa (…)”

Fábio, 6.° ano concluído, desempregado (na sua última profissão trabalhou como montador de cortantes), 20 anos

“O sempre ter tido turmas grandes, as minhas turmas nunca tiveram menos de trinta pessoas… no máximo tive trinta e duas pessoas numa turma… a falta às vezes, não de paciência, mas de formação por parte dos professores, o contínuo crescimento de livros todos os anos, o facto de chegarmos ao final do ano e termos dado metade de cada um e depois a partir do 10.° ano, com as provas globais e os exames, termos de estudar um livro inteiro sozinhos, sem tópicos, sem nada, porque os professores davam aquilo que mais lhes interessava ou que achavam que era mais difícil para o aluno estudar sozinho. Mas no fundo o aluno a estudar sozinho é sempre tudo difícil.”

Ana, 12.° ano incompleto, assistente de produção, 26 anos

Embora a relação do aluno com a escola seja em boa medida influenciada por razões estruturais que ante- cedem a sua entrada nesse contexto institucional, existem aspectos de cariz ambiental, curricular e comu- nicacional que assumem uma importância considerável nos processos de integração escolar. A forma como o conhecimento escolar é transmitido parece ser, por si, uma dimensão fundamental para a compreensão da desmotivação sentida por alguns alunos face ao universo de conhecimentos disponibilizados na escola. Mas, tal como é referido por Francisco e Ana, o processo de ensino é condicionado pelas características do meio ambiente, na turma ou na escola em geral, e pela natureza dos próprios currículos, o que será gerador de dificuldades de comunicação e aproximação entre docente e aluno.

Ana chama a atenção para a dimensão exagerada dos currículos no ensino secundário e afirma que tal impli- ca que os alunos se vejam obrigados a assimilar matérias sem acompanhamento do professor. A extensão dos programas, por criar condições para que o aluno se relacione com as matérias sem a intermediação do docente, pode funcionar como um mecanismo que reforça a lógica meritocrática do ensino e as desigual- dades de aproveitamento a ela imanentes.

Por outro lado, num ensino massificado, com turmas demasiado grandes, os professores terão dificuldade em pessoalizar relações, sintonizar o registo da transmissão de conhecimentos com as capacidades diferen- ciadas de aprendizagem. Limitam-se a “dar a matéria”, cumprem o programa, em geral extenso. E parecem fazê-lo a um ritmo que não espera por quem tem de a aprender. O aluno que a “apanhe”. novamente aqui se coloca o problema da incapacidade sentida pelos alunos disposicionalmente mal preparados para, nas aulas, incorporarem conhecimentos com a mesma facilidade de outros com proveniências sociais de latitude superior (lembremos que esta população é em geral originária de famílias com parcos recursos escolares). A “empatia” de que fala Francisco subentende a adequação do teor do conteúdo ensinado às características disposicionais do seu receptor, que determinam a maior ou menor facilidade na aprendizagem, bem como a maior ou menor vontade em aprender.

nada é mais impessoal do que ensinar nos limites impostos pelas balizas do quadro da sala de aula. O conhecimento é exposto nesse espaço e cada um fica com o ónus de o tornar inteligível. “Ninguém diz nada.

Apagou”. Ensina-se de forma estandardizada alunos que têm ritmos de aprendizagem diferentes.

Associada a esta questão está o problema da inovação nos processos de ensino. Anseia-se por métodos e estratégias mais estimulantes e adequadas, capazes de aproximar os alunos da cultura, dos objectivos escolares e da complexidade do conhecimento transmitido. As entrevistas indiciam que grande parte dos indivíduos ouvidos sentiam dificuldade na aprendizagem, mas ao mesmo tempo desinteresse pelo que é ensinado na escola. Por isso a relação com o professor se torna tão importante e funciona como uma dimen- são catalizadora fundamental na aproximação ou ruptura com a instituição escolar.

“Só de um professor é que não gostei, que foi um de Matemática, porque era tipo sargento. não podias rir, não podias fazer nada, tinhas que olhar mesmo para o quadro todo o dia (…) Porque, tipo, o professor chegava muitas vezes… as pessoas estavam a fazer barulho, a falar, e pah, pah, pah, e a fazer distúrbios na sala, ele chegava e dizia: ‘olha, tu, tu e tu vão para a rua e daqui a meia hora estejam aqui à porta que eu não vos marco falta’.

(…) Às vezes lá calhava um quatro, mas era a História ou coisa assim, porque também tive uma professora de Português e de História no 5.° ano, que eu adorava elas. Eram umas ‘stôras’ mes- mo excelentes. Elas metiam conversa com a gente, ela às vezes falava do filho dela.”

Fábio, 6.° ano concluído, desempregado (na sua última profissão trabalhou como montador de cortantes), 20 anos

A repulsa face à interacção formal, e às estratégias accionadas pelo professor para os excluir das aulas, contrasta com a adesão a formas de relacionamento mais personalizadas, intimistas até, entre professores e alunos. Esse parece ser um factor decisivo na cativação destes alunos e no aumento da criação de meca- nismos que contrariem lógicas centrifugadoras, aparentemente tão presentes no sistema escolar.

A motivação dos alunos está também associada a aspectos de índole substantivo. Até que ponto a escola tem a plasticidade necessária para conseguir oferecer ensinamentos mais próximos dos conteúdos deseja- dos pelos discentes? De facto, alguns destes jovens referem que não encontraram na escola a possibilidade de aprender e aprofundar conhecimentos em áreas desejadas pelo seu gosto pessoal.

“Eu, eu gosto de informática. Tudo o que eu sei de informática, aprendi tudo à minha custa. Aprendi tudo comigo, ia mexendo e coiso... na escola, nunca tive nada. Se calhar, era uma coisa que eu podia, potencialmente, ir estudar, se calhar.”

“Eu sempre gostei de aprender, o conhecimento só nos enriquece, mas nunca gostei de ser obrigado a aprender o que os outros acham que é melhor, por isso é que, no fundo, nunca gostei da escola. A partir do 8.° ano deviam ser os alunos a escolher as disciplinas que querem.”